Josiane Pretti[1]

 

 

 

 

RESUMO:

Quando se pretende a emissão de Escritura de Compra e Venda de terreno de marinha, para que o referido instrumento seja lavrado, o Serviço Notarial – exige a apresentação da Certidão Autorizativa de Transferência, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União ? SPU. Contudo, para a emissão da Certidão Autorizativa de Transferência, é solicitada pela Secretaria de Patrimônio da União ? SPU, a comprovação do pagamento do laudêmio. Contudo, não se está cuidando de aforamento (transferência do domínio pleno), capaz de autorizar a exigência do laudêmio, mas sim, de mera ocupação. Nesse sentido, impõe-se a conclusão de que o laudêmio é instituto afeito à enfiteuse ou ao aforamento, que não se pode confundir com a mera ocupação. Na enfiteuse ou aforamento, que é direito real sobre a coisa alheia, o foreiro detém o domínio útil do imóvel, o que representa algo mais do que a mera posse não ad usucapionem, decorrente da simples ocupação de terreno de marinha.

Palavras ? chaves: laudêmio, cobrança, regime de ocupação.

 

1 ? INTRODUÇÃO

 

Quando se pretende a emissão de Escritura de Compra e Venda de terreno de marinha, para que o referido instrumento seja lavrado, o Serviço Notarial – exige a apresentação da Certidão Autorizativa de Transferência, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União ? SPU.

 

Contudo, para a emissão da Certidão Autorizativa de Transferência, é solicitada pela Secretaria de Patrimônio da União ? SPU, a comprovação do pagamento do laudêmio.

 

Data máxima vênia, em nenhuma hipótese pode-se  concordar com a referida exigência, vez que o laudêmio está ligado à enfiteuse ou aforamento, não sendo exigível/devido nos casos de simples ocupação de terreno de marinha.

2 ? DO DIREITO;

 

 

Conforme mencionado alhures, para a efetivação da transferência das propriedades localizadas em terreno parcialmente classificado como ´terra de marinha´, é exigida a comprovação do pagamento do laudêmio pelo Oficial de Registro.

Tal exigência se dá em decorrência da previsão contida no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87, in verbis:

 

Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos.

[…]

§ 2o Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio:

I – sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União – SPU que declare:

a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos;

b) estar o transmitente em dia com as demais obrigações junto ao Patrimônio da União; e

c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público;

Contudo, não se está cuidando de aforamento (transferência do domínio pleno), capaz de autorizar a exigência do laudêmio, mas sim, de mera ocupação. A esse respeito já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, conceituando laudêmio como:

 

?[…] uma espécie de compensação que o senhorio ou titular do domínio direto percebe, por força de lei e de contrato, do proprietário do domínio útil, consubstanciada em um certo percentual sobre o preço por quanto foi vendido este domínio útil, por não ter o senhorio direto exercitado a faculdade que a lei lhe confere de reaver o domínio pleno do bem aforado, quando o domínio útil for transferido por venda ou dação em pagamento.? (STJ ? RESP n. 208351 ? 4º T. ? Rel. Min. César Asfor Rocha ? DJ 04/02/2002, p. 369).

 

Nesse sentido, impõe-se a conclusão de que o laudêmio é instituto afeito à enfiteuse ou ao aforamento, que não se pode confundir com a mera ocupação. Na enfiteuse ou aforamento, que é direito real sobre a coisa alheia, o foreiro detém o domínio útil do imóvel, o que representa algo mais do que a mera posse não ad usucapionem, decorrente da simples ocupação de terreno de marinha.

 

Na transferência de imóvel meramente ocupado, portanto, não há razão para pagamento de laudêmio, uma vez que o senhorio direto não está deixando de exercitar a opção de reaver o imóvel, sendo descabida, inclusive, qualquer compensação. Ocorre, isto sim, mera transferência de posse não ad usucapionem, posse esta que pode ser retomada a qualquer tempo pelo senhorio direto.

 

A existência e transferência de domínio útil pressupõem o aforamento, que, como já visto, é substancialmente diferente da simples ocupação, a qual não gera direito ao domínio útil, especialmente de terreno da União, pois trata de fato e não de direito.

 

Mais, ainda que assim não fosse, seria de nenhuma validade qualquer lei que pretendesse estabelecer cobrança de laudêmio sobre transferência de mera ocupação, pois, como já visto, o laudêmio é instituto afeito à enfiteuse e não à ocupação. Nem mesmo a lei pode atribuir a dado instituto jurídico efeitos que, pela própria natureza jurídica, este não possui.

 

Nestas condições, inexigível o laudêmio na transferência desta espécie de terreno e das edificações sobre este construídas.

 

A orientação jurisprudencial é nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. ALIENAÇÃO DE APARTAMENTO. TERRENO DE MARINHA. OCUPAÇÃO. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. IMPOSSIBILIDADE. Apelação e remessa oficial conhecidas e desprovidas. (TRF4, AC 2007.72.00.005103-3, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 07/11/2007)

ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. MANDADO DE SEGURANÇA VISANDO À ABSTENÇÃO DO RECOLHIMENTO DE LAUDÊMIO RELATIVAMENTE À TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEIS OBJETO DE OCUPAÇÃO. É descabida a pretensão da apelante de exigir o laudêmio para efetivar a transferência das ocupações inscritas em nome do apelado. (TRF4, AMS 2006.72.00.010886-5, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 09/07/2007)

ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. RECOLHIMENTO DO LAUDÊMIO. TERRENO DE MARINHA. 1. A cobrança do laudêmio – espécie de compensação que o senhorio ou titular do domínio direto percebe do proprietário do domínio útil, por ocasião da transferência deste, por não ter exercitado a faculdade que a lei lhe confere de reaver o domínio pleno do bem aforado -, somente é exigível, a teor do disposto no art. 3º do Decreto-lei 2.938/87, nas transmissões onerosas do domínio útil do bem objeto de aforamento, o que se verifica no caso em exame. 2. Apelo provido. (TRF4, AC 2003.70.00.059165-0, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 11/04/2007)

ADMINISTRATIVO. DESCONSTITUIÇÃO DE LAUDÊMIO. ÁREA SOB O REGIME DE SIMPLES OCUPAÇÃO E SOBRE CONSTRUÇÃO. – A cobrança do laudêmio – espécie de compensação que o senhorio ou titular do domínio direto percebe do proprietário do domínio útil, por ocasião da transferência deste, por não ter exercitado a faculdade que a lei lhe confere de reaver o domínio pleno do bem aforado -, somente é exigível, a teor do disposto no art. 3.º do Decreto-lei 2.938/87, nas transmissões onerosas do domínio útil do bem objeto de aforamento, o que não se verifica no caso em apreço. Prequestionamento delineado pelo exame das disposições legais pertinentes ao deslinde da causa. Precedentes do STJ e do STF. (TRF4, AC 2003.72.08.001662-1, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, DJ 23/08/2006)

 

ADMINISTRATIVO. DESCONSTITUIÇÃO DE LAUDÊMIO. ÁREA SOB O REGIME DE SIMPLES OCUPAÇÃO E SOBRE CONSTRUÇÃO. – A cobrança do laudêmio – espécie de compensação que o senhorio ou titular do domínio direto percebe do proprietário do domínio útil, por ocasião da transferência deste, por não ter exercitado a faculdade que a lei lhe confere de reaver o domínio pleno do bem aforado -, somente é exigível, a teor do disposto no art. 3.º do Decreto-lei 2.938/87, nas transmissões onerosas do domínio útil do bem objeto de aforamento, o que não se verifica no caso em apreço. Prequestionamento delineado pelo exame das disposições legais pertinentes ao deslinde da causa. Precedentes do STJ e do STF. (TRF4, AC 2003.72.08.001662-1, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, DJ 23/08/2006)

Data máxima vênia, a questão posta em juízo é singela, sendo imperioso concluir pela não exigência da cobrança do laudêmio, quer pela nulidade do processo demarcatório, quer pela não caracterização do ´fato gerador´ no caso de mera transferência da ocupação.

 

3 ? CONCLUSÃO

 

 

Nesse sentido, destaca-se que o laudêmio é instituto afeito à enfiteuse ou ao aforamento, que não se pode confundir com a mera ocupação. Na enfiteuse ou aforamento, que é direito real sobre a coisa alheia, o foreiro detém o domínio útil do imóvel, o que representa algo mais do que a mera posse não ad usucapionem, decorrente da simples ocupação de terreno de marinha.

 

Na transferência de imóvel meramente ocupado, portanto, não há razão para pagamento de laudêmio, uma vez que o senhorio direto não está deixando de exercitar a opção de reaver o imóvel, sendo descabida, inclusive, qualquer compensação. Ocorre, isto sim, mera transferência de posse não ad usucapionem, posse esta que pode ser retomada a qualquer tempo pelo senhorio direto.

 

A existência e transferência de domínio útil pressupõe o aforamento, que é substancialmente diferente da simples ocupação, a qual não gera direito ao domínio útil, especialmente de terreno da União, pois trata de fato e não de direito.

 

4 ? BIBLIOGRAFIA

 

Decreto-Lei nº 2.398/87;

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA;

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1º REGIÃO;

 


[1] Graduada em Direito pela Católica de Santa Catarina; Pós graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera- Uniderp e advogada do escritório  Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados

E-mail: josiane@phmp.com.br

 

 

CategoryArtigos
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