Guilherme Felipe Vieira

Você credor, em plena execução judicial, descobre que seu devedor possui tão somente um único imóvel passível de penhora, mas que, para sua infelicidade, tal bem já é alvo de incontáveis constrições.

Surge, então o questionamento: ignorar esta descoberta ou “buscar sua fatia do bolo”?

A resposta mais acertada dependerá não apenas da estratégia (arrojada ou cautelosa) a ser adotada para satisfação do seu crédito, mas também, e isso se aplica a qualquer que seja o cenário vivido, a solução, segundo os tribunais nacionais, reside em outro questionamento: qual é a natureza do meu crédito?

Pontuemos, inicialmente, quais as naturezas de crédito previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

Para tanto, indispensável apontarmos que a Lei 11.101/2005 fez tal função, ao, com atenção a toda a ordem jurídica antes dela edificada, compilar quatro grandes grupos de credores: os quirografários, os com garantia real, os de origem fiscal e os de natureza trabalhista (ou alimentar).

Fugindo de detalhamentos técnicos, temos que os credores quirografários são aqueles desprovidos de qualquer garantia do crédito. Noutras palavras, pode-se dizer que o credor sem garantia é aquele dotado exclusivamente do crédito, puro e simples.

Já o credor com garantia real deve ser entendido como aquele que, quando da constituição do crédito tratou de se cercar de garantias como a hipoteca, o penhor e a anticrese. Desse modo, gravando o imóvel com uma inscrição capaz de alertar a terceiros sobre tal cenário e significar que, não sendo honrado o compromisso, o imóvel será alvo de expropriação para quitação da dívida.

Quanto aos credores fiscais e trabalhistas, não encontramos tanto floreio na definição, uma vez que a própria classificação já os conceitua: o primeiro oriundo de débitos fiscais e o segundo proveniente de direitos trabalhistas.

Feitas essas considerações, é o momento de mergulhar no posicionamento jurisprudencial, ou seja, dos julgadores brasileiros, como forma de se definir quem precede quem nessa corrida pelo almejado imóvel.

O artigo 711 do Código de Processo Civil (CPC) demonstra critério à solução do conflito de credores:

Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora.

Todavia, as cortes superioras tem apontado entendimento no sentido de que tal ordem de preferência pelo critério cronológico atende unicamente aos credores quirografários, mesmo porque o próprio excerto legal já registra a exceção como sendo a hipótese em que houver título de preferência.

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CONCURSO SINGULAR DE CREDORES. AVERBAÇÃODE INEFICÁCIA DA ALIENAÇÃO. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DAORDEM DE PREFERÊNCIA NA SATISFAÇÃO DO CRÉDITO. 1. Segundo o sistema estabelecido pelo atual Código de Processo civil, é a penhora que determina o direito de preferência entres os credores quirografários. 2. A penhora é o ato processual por meio do qual se individualizamos bens que irão satisfazer o crédito executado, sujeitando-os diretamente à expropriação. 3. A decisão que declara a fraude não afeta, por si só, o bem à execução, ela apenas declara a ineficácia do negócio jurídico emrelação ao exequente, possibilitando que esse bem seja posteriormente penhorado. Contudo, a responsabilidade patrimonial do executado continua a ser genérica. 4. A averbação da declaração de ineficácia da venda é um ato de natureza diversa da penhora.3. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1254320 SP 2011/0054717-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06/12/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/12/2011)

O mencionado “título legal de preferência” pode ser traduzido como a chamada garantia real, decorrente da perfectibilização de hipoteca, por exemplo.

Disso já se depreende: os credores com garantia real possuem preferência sobre os quirografários, independente da ordem cronológica que o artigo 711 do CPC traz.

Não obstante, caminhando à análise de outras naturezas de crédito, surge o questionamento sobre a existência de eventual preferência das esferas trabalhistas e fiscais.

Quando ao Fisco, parte-se do disposto no artigo 184 do Código Tributário Nacional (CTN):

Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.

Pela disposição legal se vê que o crédito tributário sobrepõem-se à preferência decorrente do critério cronológico, bem como à existência de ônus real sobre o bem. Compreensão esta defendida pelas cortes superioras:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PENHORA E ARREMATAÇÃO DE BEM OBJETO DE HIPOTECA – PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 1. Esta Corte firmou entendimento de que a impenhorabilidade advinda da hipoteca não é oponível às execuções de créditos fiscais. 2. A alegação de que o terceiro que ofereceu bem em garantia não possuiria vínculo com o fato gerador e não se sujeitaria, portanto, à força da lei de satisfação do crédito fiscal não tem o condão de afastar a preferência do crédito tributário, principalmente em se considerando que o recorrente não se insurgiu contra a penhora do bem objeto de arrematação. 3. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp: 281349 PE 2013/0004838-8, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 03/10/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/10/2013)

E:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PENHORA DE BEM OBJETO DE GARANTIA DE CÉDULA COMERCIAL. IMPENHORABILIDADE RELATIVA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PREFERÊNCIA. ARTS. 184 E 186 DO CTN. RECURSO PROVIDO. 1. Este Superior Tribunal de Justiça consagrou entendimento no sentido de que “os bens gravados com hipoteca oriunda de cédula de crédito podem ser penhorados para satisfazer o débito fiscal” (REsp 222.142/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 29.11.1999). Isso porque a impenhorabilidade de que trata o art. 57 do Decreto-Lei 413/69 não é absoluta, cedendo à preferência concedida ao crédito tributário pelo art. 184 do CTN. 2. “O privilégio constante de tal preceito, segundo o qual o detentor da garantia real tem preferência sobre os demais credores na arrematação do bem vinculado à hipoteca, é inoponível ao crédito fiscal. Além disso, de acordo com o artigo 186 do Código Tributário Nacional, o crédito tributário goza de preferência sobre os demais, à exceção dos de natureza trabalhista. A Fazenda Pública não participa de concurso, tendo prelação no recebimento do produto da venda judicial do bem penhorado, ainda que esta alienação seja levada a efeito em autos de execução diversa”. Ademais, “é firme a orientação desta Corte no sentido de que a impenhorabilidade dos bens vinculados a cédula industrial não se opõe aos créditos tributários, tendo em vista que a hipótese prevista no art. 57 do Decreto-Lei 413/69 não se inclui na ressalva do art. 184 do CTN. Com efeito, tendo o Código Tributário Nacional status de lei complementar, suas disposições prevalecem sobre a disposição do referido Decreto, não podendo a impenhorabilidade que prescreve prevalecer sobre as regras contidas no primeiro, sob pena de violação do princípio da hierarquia das leis”(REsp 672.029/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 16.5.2005). 3. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 681402 RS 2004/0112820-0, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 21/08/2007, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 17/09/2007 p. 211).

Demonstrado que a preferência à satisfação do crédito tributário sobrepõe aquela concernente aos créditos de garantia real, e consequentemente os quirografários, restam aqueles de origem trabalhista, acolhidos, também, pelo entendimento jurisprudencial:

PROCESSO CIVIL – TRIBUTÁRIO – CRÉDITO TRIBUTÁRIO – PREFERÊNCIA -ART. 186 DO CTN – ADJUDICAÇÃO DE BEM PENHORADO EM EXECUÇÃO CÍVEL -IRRELEVÂNCIA – PRECEDENTES. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem reputou perfeita e acabada a adjudicação de bem imóvel também penhorado em execução fiscal,confirmando decisão da primeira instância de negar a intimação do adjudicante para depositar o valor nos autos da execução fiscal. 2. O crédito tributário somente é preterido em sua satisfação por créditos decorrentes da legislação trabalhista e por créditos decorrentes de acidente de trabalho e, na falência, pelas importâncias restituíveis, pelo créditos com garantia real e créditos extraconcursais, na forma dos arts. 186 e 83 e 84 da Lei11.101/2005, hipóteses não verificadas no contexto fático dos autos. 3. Precedentes: REsp 501.924/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRATURMA, julgado em 04/11/2003, DJ 24/11/2003, p. 222; REsp1143950/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em09/03/2010, DJe 22/03/2010; AgRg no REsp 1204972/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe06/03/2012 e REsp 1194742/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,SEGUNDA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 31/03/2011.4. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1360786 MG 2012/0275251-7, Relator: Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), Data de Julgamento: 21/02/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/02/2013)

Por tais breves e sucintas observações, amparadas no entendimento jurisprudencial e na legislação aplicável, pode-se dizer que a preferência de créditos, quando ocorrida disputa de bem imóveis já alvo de outras constrições, estrutura-se da seguinte forma:

1º – créditos de origem trabalhista

2º – créditos de origem fiscal

3º – créditos de com garantia real

4º – créditos quirografários

Pelas razões apresentadas, em que pese uma estrutura primária de preferência de créditos possa ser traçada, o impacto financeiro decorrente do posicionamento dos tribunais torna a matéria instigante e merecedora de estudo.

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