Karine Odorizzi

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo, abordar sobre alguns aspectos da desconsideração da personalidade jurídica nas relações civilistas, regulado no artigo 50 do Código Civil.

Apontando para a questão da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica nestes casos, dos requisitos necessários para tanto, e ainda, uma breve crítica acerca da utilização da teoria da desconsideração de forma corriqueira, e não excepcional, como seria o correto da sua aplicabilidade.

PALAVRAS-CHAVE: Desconsideração da personalidade jurídica; autonomia patrimonial da pessoa jurídica; responsabilização dos sócios por dívida da empresa.

INTRODUÇÃO

A personalidade jurídica é autônoma e independente, que possui direitos e obrigações, sem vínculo em relação aos seus sócios ou associados.

Princípio basilar do direito de empresa é o da autonomia patrimonial, sobre o qual, Fábio Ulhoa Coelho1 explica:

Sócio e sociedade não são a mesma pessoa e, como não cabe, em regra, responsabilizar alguém (o sócio) por dívida de outrem (a pessoa jurídica da sociedade), a responsabilidade patrimonial pelas obrigações da sociedade empresária não é a dos seus sócios.

De acordo com este princípio, o patrimônio do sócio em regra não será atingido por dívidas da sociedade, respondendo pelos débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual.

Porém esse princípio não é absoluto. Na contramão da autonomia patrimonial está a desconsideração da personalidade jurídica, teoria que consiste na responsabilização dos sócios pelas dívidas da empresa.

Nas palavras de Elisabete Vido2:

A existência da personalidade jurídica resulta, portanto, na separação patrimonial. […] Entretanto, se a autonomia patrimonial da pessoa jurídica for usada de forma abusiva, lesando credores ou violando a lei, será necessário afastar o privilégio da autonomia patrimonial. É isso que faz a personalidade desconsideração da personalidade jurídica, que não retira, mas afasta, excepcionalmente, para que determinados credores possam atingir os bens dos sócios.

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida por meio de um pedido incidental no processo, que pode ser feito inclusive em fase de execução.

Porém, neste contexto, questiona-se como deve ser aplicada esta teoria da desconsideração no âmbito das relações civis, para tanto se faz necessária a análise crítica do artigo 50 do Código Civil e demais informações pertinentes.

1. ANÁLISE CRÍTICA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA À LUZ DO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL

Importantíssimo salientar que a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser aplicada sim no ordenamento jurídico, porém em caráter de exceção, sendo um afastamento da personalidade jurídica da empresa, para se alcançar o patrimônio do sócio, por meio de requerimento do interessado e por decisão judicial, afastando apenas para determinados atos, sem anular, encerrar ou liquidar a pessoa jurídica3.

A regra geral aplicada no nosso ordenamento jurídico é a do artigo 50 do Código Civil, onde se busca salvaguardar o princípio da autonomia patrimonial, inclusive, a doutrina da desconsideração surgiu com a finalidade clara de coibir o uso abusivo e deturpado dessa autonomia em detrimento dos seus credores, criada inicialmente com este objetivo4.

Desta forma, a desconsideração da personalidade jurídica não deveria ser utilizada em qualquer caso de insatisfação de crédito, sendo o artigo 50 do Código Civil a regra matriz desta teoria:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Existem duas correntes sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Uma delas, denominada “teoria maior”, é no sentido de que para que seja operada a desconsideração, deve haver prova inequívoca do cometimento de fraude ou abuso de direito, abarcado então pelo artigo 50 do CC. E a “teoria menor”, que aduz que basta a insatisfação de crédito de terceiro pela empresa demandada para que seja operada a desconsideração.

As duas teorias são utilizadas, dependendo do ramo do direito, no Direito Civil geral, objeto do presente estudo, se aplica a teoria maior, já em outros ramos do Direito, como por exemplo o trabalhista e tributário, se utiliza a teoria menor.

Assim sendo, a teoria maior é àquela que preserva a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica, caracterizando a aplicação da desconsideração apenas quando há abuso de personalidade jurídica, devidamente comprovado.

Isto também porque existem outros dispositivos legais, que nos permitem a responsabilização do sócio, sem que a haja a efetiva desconsideração da personalidade jurídica, vejamos alguns:

Sociedade Simples:

?   Art. 1.009, CC – A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.

?   Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

?   Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.

Sociedade Limitada:

?   Art. 1052, CC – Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

?   Art. 1059, CC – Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.

?   Art. 1080, CC – As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

?   Enunciado 229 do CEJ (CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS) – Art. 1.080, CC – A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta.

Sociedade Anônima:

?   Art. 117, Lei 6404/76 – O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. […] § 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.

?   Art. 158, Lei 6404/76 – O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou do estatuto. § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-geral. § 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles. § 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres. § 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável. § 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.

?      Art. 165, Lei 6404/76 – Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores de que tratam os arts. 153 a 156 e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto. § 1o Os membros do conselho fiscal deverão exercer suas funções no exclusivo interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o exercício da função com o fim de causar dano à companhia, ou aos seus acionistas ou administradores, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia, seus acionistas ou administradores. § 2o O membro do conselho fiscal não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles foi conivente, ou se concorrer para a prática do ato. § 3o A responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omissão no cumprimento de seus deveres é solidária, mas dela se exime o membro dissidente que fizer consignar sua divergência em ata da reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da administração e à assembléia-geral.

Além do mais, o artigo 50 do CC, deve ser aplicado em conjunto com os demais entendimentos vigentes, jurisprudenciais inclusive, existem ainda enunciados do CEJ que auxiliam na interpretação do referido artigo 50, senão vejamos:

  • Enunciado 7 do CEJ – Art. 50, CC – Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.
  • Enunciado 281 do CEJ – Art. 50, CC – A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.
  • Enunciado 282 do CEJ – Art. 50, CC – O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.

Assim sendo, se verifica que é possível realizar a responsabilização dos sócios e administradores da pessoa jurídica, sem que haja a efetiva desconsideração da personalidade jurídica.

Este é o entendimento utilizado atualmente acerca da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nas relações do Código Civil, devendo ser utilizada a teoria com cautela, principalmente buscando preservar o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, v.2, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 15.

2 VIDO, Elisabete. Curso de Direito Empresarial. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.144.

3 VIDO, Elisabete, 2012, p.144.

4 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial esquematizado. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 402.

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