Juliana Hertel Luchtenberg[1]

 

Resumo:

Buscou-se destacar os principais aspectos acerca dos juros moratórios e remuneratórios, partindo da história do seu surgimento, conceituação, a natureza jurídica, a sua classificação, bem como as distinções que há entre esses dois gêneros de juros, as discussões existentes no Brasil para a sua fixação e a sua aplicação pelas Instituições Financeiras.

Palavras-chaves: Juros, Conceito, Natureza Jurídica, Classificação, Fixação, Aplicação no Brasil.

 

1. INTRODUÇÃO

Apesar de não se saber ao certo o surgimento da prática da cobrança de juros, sabe-se que o seu início está relacionado diretamente com a utilização da moeda e da necessidade de emprestá-la aqueles que dela necessitam.

Historicamente, registra-se a adoção da prática de cobrança dos juros desde a época pré-cristã (Antigo Testamento, Deuteronômio, 23:19-20), a qual já vedava a prática da usura; como também, a grande influência do Rei Hammurabi (1728-1686 a.C.), que estabeleceu taxas de juros para empréstimo de grãos e prata; em Roma, com a Lei das XII Tabuas, limitava em 12% de juros ao ano e, finalmente, na França, que em 1793, liberou as taxas de juros, exemplo que espalhou-se por toda a Europa.[1]

O Estado moderno, interviu na questão econômica da cobrança de juros, estabelecendo um teto legal, combatendo a usura, a qual passou a ser tipificada pelo direito penal.

As Ordenações existentes no Brasil, não permitiam a prática da usura, coibindo a pactuação de contratos desta espécie. Em 1832, sob a influência do pensamento liberal, foi admitido no Brasil, a estipulação de juros livremente.

Com a promulgação do Código Comercial de 1850 (artigo 253), proibiu-se a contagem de juros sobre juros, exceto a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano.

Já o Código Civil de 1916, norteado pelo liberalismo, possibilitou o ajuste de qualquer taxa de juros, ?pois se entendia que essa era a melhor forma de assegurar a função do crédito e a iniciativa individual?[2], existindo maior liberdade entre os contratantes, prevista legalmente, somente quando não houvesse convenção ou estipulação do valor da taxa, estabelecendo-a em 6% (seis por cento) ao ano, bem como se capitalizável ou não.

Porém, tal liberdade gerou inúmeros problemas, tornando-se necessária a sua limitação. Neste período, com a Revolução de 1930, foi editado o Decreto n. 22.626/33, que dobrou a taxa legal dos juros e, dentre outras limitações, proibiu a incidência de juros sobre juros, possibilitando a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

A Constituição Federal de 1934, em seu art. 117, parágrafo único, proibiu a prática da usura, sendo ela punida na forma da Lei, caso ocorresse, já tipificada como crime no Decreto 22.626/33. Na mesma linha, seguiu a Constituição Federal de 1946 (art. 154), sendo que, posteriormente, a usura passou a fazer parte dos crimes contra a economia popular (art. 4º da Lei 1.521/51).

Como muito bem comenta o doutrinador André Zanetti Baptista[2]: ?Observa-se a eterna luta contra as conseqüências aflitivas de uma ?extorsão corrosiva?, exercida por meio da cobrança de juros exorbitantes (impagáveis), muitas vezes causada em virtude do monopólio do capital disponível?.

Em decorrência disso, o STF enunciou a Súmula 121, que diz: ?É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada?.

Com o advento da Lei 4.595/64, a qual passou a regular a política e as instituições monetárias e creditícias, especialmente as instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, que até os dias de hoje é utilizada como fundamento para autorizá-las a cobrarem taxa de juros variáveis.

Tal Lei (art. 4º, IX), concedeu ao Conselho Monetário Nacional o poder de limitar, quando necessário, as taxas de juros, determinando ao Banco Central a expedição de resolução autorizando os bancos a operarem a taxa de mercado[3]. Desde então, não se sabe de ato algum do referido órgão limitando as taxas de juros a serem exigidas pelas instituições.

Após, em 1976, o STF enunciou a Súmula 596, que determinou: ?As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional?.

Com a Constituição Federal de 1988, este ?sistema financeiro nacional?, foi inserido (art. 192, caput), para promover o desenvolvimento equilibrado do Brasil e a servir aos interesses da sociedade, a ser regulado posteriormente por Lei Complementar.  O § 3º, do art. 192, limitou os juros novamente a 12% ao ano, caracterizando crime de usura a cobrança superior a este percentual fixado. No entanto, este artigo causou discussão acerca da sua auto-aplicabilidade, por não haver Lei Complementar que o regulamentasse e, consequentemente, que permitisse o uso desta limitação.

Diante disso, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4 DF, decidindo por não admitir a eficácia imediata e isolada do disposto no § 3º, do art. 192, uma vez que o Sistema Financeiro Nacional que trata o art. 192, depende de Lei Complementar para a sua conceituação. Somente após o advento da Lei Complementar é que seria permitida a incidência da norma que limitasse os juros em 12% ao ano.

Reconhecendo a necessidade de norma para regulamentar o art. 192, § 3º da CF/88, o STF julgou procedentes os mandados de injunção impetrados, por força da evidente inconstitucionalidade por omissão.

Destarte, o Supremo Tribunal Federal informou o Congresso Nacional de sua omissão, o qual, em vez de regulamentar o dispositivo sobre a taxa máxima dos juros, preferiu retirar o limite de 12% previsto pelo Poder Constituinte Originário, através da Medida Provisória nº 1.782, em 14 de dezembro de 1998.[4]

Posteriormente, é reeditada pela 17ª vez a Medida Provisória nº 1.963 pelo Presidente da República, acrescentando o art. 5º que admite a capitalização de juros em período inferior a um ano, nas operações realizadas pelas instituições financeiras e, hoje, sob o nº 2170-36, de 23 de agosto de 2001.

 

2. CONCEITO

Na definição de André Zanetti Baptista, ?os juros são o rendimento do capital, remuneração que o credor pode exigir por se privar de uma quantia em dinheiro. Assim, gradativamente, conforme o prazo de duração da obrigação, os juros retribuem o capital.?.[5]

Já para Maria Helena Diniz, ?os juros são o rendimento do capital, os frutos civis produzidos pelo dinheiro, sendo, portanto, considerados como bem acessório (CC, art. 92), visto que constituem o preço do uso do capital alheio, em razão da privação deste pelo dono, voluntária ou involuntariamente. Os juros remuneram o credor por ficar privado de seu capital, pagando-lhe o risco em que incorre de não mais o receber de volta?.[6]

Ensina Caio Mário da Silva Pereira: ?Chamam-se juros as coisas fungíveis que o devedor paga ao credor, pela utilização de coisas da mesma espécie a este devidas. Pode, portanto, consistir em qualquer coisa fungível, embora frequentemente a palavra juro venha mais ligada ao débito de dinheiro, como acessório de uma obrigação principal pecuniária. Pressupõe uma obrigação de capital, de que o juro representa o respectivo rendimento, distinguindo-se com toda nitidez das cotas de amortização. Na idéia do juro integram-se dois elementos: um que implica a remuneração pelo uso da coisa ou quantia pelo devedor, e outro que é a de cobertura do risco que sofre o credor?.[7]

Pode-se dizer que os juros são uma espécie de renda devida pelo mutuário ao mutuante em decorrência do prazo, que pode ser dividido em períodos, estabelecido no contrato de mútuo.

Neste sentido, pode ser interpretado como sendo o preço a ser pago pelo empréstimo durante determinado tempo, representando o rendimento do capital.

 

2.1. NATUREZA JURÍDICA

Acerca da natureza jurídica dos juros, estes não possuem origem isoladamente, uma vez que sempre terão uma relação de dependência com o surgimento de uma dívida principal.

Cabe ressaltar que a relação de dependência dos juros (acessório) surge por ocasião do nascimento da dívida (principal), pois, excepcionalmente, após o aparecimento desta, os juros podem tornar-se autônomos. Nesse ensejo, é admissível que a obrigação de juros destaque-se da obrigação principal, vindo a ter vida autônoma. Todavia, no momento de seu nascimento ele é sempre acessório e, por essa razão, esta será sua natureza. (André Zanetti Batista, p. 16)

Desta forma, os juros são a parte acessória após o nascimento da dívida principal. Pode acontecer dos juros se tornarem autônomos em relação ao principal, porém, nunca surgirão antes do advento de uma obrigação originária.

 

2.2. CLASSIFICAÇÃO DOS JUROS

Os juros podem ser classificados quanto à sua origem em: legais e convencionais e quanto ao seu fundamento que são: moratórios e remuneratórios.

O conteúdo deste artigo, no entanto, abordará somente os juros moratórios e remuneratórios, que podem ser tanto convencionais quanto legais, uma vez que estão estabelecidos na legislação brasileira, assim como também podem ser estipulados em contrato.

Seguindo o mesmo entendimento do anterior, o atual Código Civil, em seu art. 406, possibilita às partes estabelecerem as taxas de juros remuneratórios e moratórios, desde que esteja ligada ao princípio geral da boa-fé, à função social dos contratos, às obrigações laterais, entre outras.

Por força do princípio da Pacta Sunt Servanda, as disposições existentes nos contratos, faz lei entre as partes contratantes, cessando a obrigação existente após o cumprimento integral do que foi firmado.

Entretanto, nas relações sociais, nem sempre é possível alcançar o adimplemento total da obrigação. Desta forma, conforme ensina André Zanetti Baptista[8]: ?(…), o ordenamento jurídico cria meios de o credor exigir o cumprimento da obrigação ou, ao menos, uma forma de exigir que o devedor atenue a situação do credor insatisfeito, indenizando-o por perdas e danos (art. 389 do Código Civil), ou seja, ressarcindo os danos emergentes do ato e os lucros que, porventura, vierem a cessar por causa deste?.

Esta foi a única solução que o nosso ordenamento jurídico encontrou para compensar o inadimplemento do devedor, qual seja, pagamento de montante em dinheiro.

Os juros moratórios consistem na indenização pelo retardamento da execução do débito (Maria Helena Diniz, p. 396).

O conceito de mora do Dicionário Jurídico de Maria Helena Diniz é ?Inexecução culposa da obrigação e injusta recusa de recebê-la no tempo, no local e na forma devidos.?[9]

Nos termos do art. 394, do Código Civil, ?considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.?

André Zanetti Baptista, ensina duas possibilidades de ocorrência da mora; a mora solvendi (ou debitoris) e a mora accipiendi (ou creditoris).[10]

A mora solvendi (ou debitoris), é a demora culposa no cumprimento da obrigação pelo devedor, ou seja, o não-cumprimento    da prestação devida no tempo, forma ou lugar estipulado.

Esta possibilidade encontra amparo legal no art. 396 do Código Civil, que determina: ?Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora?. Desta forma, para a sua caracterização, a existência de culpa do devedor é imprescindível e, ainda, a exigibilidade da obrigação e a sua constituição em mora.

O devedor constituído da mora solvendi, responde pela impossibilidade da prestação, mesmo advinda por caso fortuito ou força maior, salvo se provar a isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda que a obrigação fosse oportunamente desempenhada[11] (art. 393 do Código Civil).

Já a mora accipiendi (ou creditoris), é opor-se a receber a prestação no tempo, forma ou lugar estabelecido, sem justificativa, independentemente de culpa do credor (art. 394 do Código Civil).

Estando o devedor em mora, este responderá pelos prejuízos causados ao credor, que são: o pagamento do débito principal, atualizado monetariamente por índice oficial, juros, custas e honorários advocatícios, sem prejuízo da pena convencional (art. 404 do Código Civil).

Ocorrendo o inadimplemento absoluto, poderá o credor rejeitar o cumprimento da obrigação que está em mora e, exigir o pagamento das perdas e danos que abrangem o que o credor perdeu acrescido do que ele deixou de lucrar (art. 402 e 403 do Código Civil).

Caso exista uma obrigação positiva e líquida com prazo determinado (termo certo), o seu vencimento configura independente de qualquer ato do credor, a mora do devedor (art. 397, caput, do Código Civil).

Quando uma obrigação não determinar um termo certo ou existir dúvida quanto ao seu vencimento, é necessário constituir o devedor em mora. Esta situação é denominada de mora ex persona[12], ou seja, por não haver o momento exato para se exigir a prestação, o credor pode constituir o devedor em mora através de protesto, notificação ou interpelação, judicial ou extrajudicial (art. 397, parágrafo único, do Código civil). Após a interpelação do devedor, inicia-se a mora ex persona, produzindo efeitos ex nunc, ou seja, a partir do seu recebimento.

Sob a luz do art. 398 do Código Civil, ?nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou?, sendo desnecessária a interpelação por parte do credor.

Para a mora accipiendi, nos termos do art. 400 do Código Civil, ?a mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conserva-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação?.

Entretanto, em momento algum está prevista a má-fé por parte do devedor e, caso ocorra, este não mais estará isento da responsabilidade pela guarda da coisa.

A purgação da mora é o ?ato espontâneo do contratante moroso, que tem por fim, remediar a situação a que deu causa, evitando os efeitos dela decorrentes e reconduzindo a obrigação à normalidade.?[13]

Os efeitos refletidos pela purgação da mora é ex nunc, desobrigando o sujeito dos ônus decorrentes da mora desde a purgação, permanecendo os anteriores.

Diante de todo o explanado acerca da mora, verifica-se a finalidade dos juros moratórios, que é a indenização (remuneração) ao credor, através de uma penalização ao devedor, pelo retardamento no cumprimento de sua obrigação.

Os juros remuneratórios, por sua vez, são aqueles pagos como forma de compensação ao credor, uma vez que este se privou da disponibilidade do capital utilizado pelo devedor.[14]

A diferença entre os juros moratórios dos juros remuneratórios, é que o primeiro é utilizado como forma de sanção pelo não-pagamento da prestação no tempo, modo, lugar ou forma prevista. Já o segundo, são os rendimentos ou frutos devidos do capital.[15]

Diante de tal distinção, não constitui anatocismo (juros sobre juros), cuja prática é vedada, a situação de contar juros moratórios sobre o valor dos juros remuneratórios. Isso, pois, a partir do momento em que não são pagos os devidos juros remuneratórios, quanto a estes há mora do devedor. Desta forma, é possível a incidência de juros moratórios sobre essas parcelas não pagas de juros remuneratórios, pois são parte integrante da obrigação inadimplida, podendo o devedor ser sancionado também quanto ao atraso referente aos juros remuneratórios.[16]

Diferentemente ocorre com os juros compostos ou capitalização de juros, que são aqueles devidos, já vencidos, que, periodicamente, são incorporados ao capital. Trata-se dos juros de juros, ou seja, os computados sobre o capital acrescidos dos juros que produziu.[17] Esta modalidade de juros é considerada como anatocismo, prática esta vedada por lei (art. 4º, Decreto n. 22.626/33).

 

2.3. DOS JUROS E DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

O atual Código Civil, em seus artigos 406 e 407, seguindo o mesmo entendimento do anterior, também deixou ao arbítrio das partes a fixação das taxas. A única mudança relevante foram os percentuais das taxas dos chamados juros legais, pois não existe mais um valor fixo (6% ao ano), a serem aplicados no caso de falta de covenção.[18]

Em face da ausência de fixação de um valor à taxa de juros legais, o atual Código Civil definiu uma referência, que é aquela prevista para a mora dos pagamentos devidos à Fazenda Nacional, qual seja, o art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (taxa de juro moratório tributário)[19].

No entanto, sob a ótica da Lei de Reforma Bancária nº 4.595/64, as instituições financeiras não estão sujeitas a essa limitação, por não estarem inseridas no sistema de juros do Código Civil.

O Decreto ?Lei nº 22.626/33, parcialmente modificado pelo Decreto ?Lei nº 182/38, afastou, em tese, do direito brasileiro o Princípio da Livre Pactuação.

Objetivando reprimir os excessos cometidos, o art. 1º do Decreto mencionado, vetou a estipulação em quaisquer contratos de taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal. Já em seu art. 11, determinou que os contratos celebrados com cláusula prevendo taxa de juros superiores, seriam consideradas nulas de pleno direito, assegurando ao devedor a repetição do que houver pago a maior.

Portanto, a taxa de juros não poderá ultrapassar 12% ao ano, sendo vedado receber, a pretexto de comissão, taxas maiores que as permitidas pela lei (art. 2º) e, proibindo-se (art. 4º), ainda, contar juros dos juros, chamado de anatocismo, exceto quando ocorrer a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

Pune-se a usura em todas as suas modalidades, cominando a Lei 1.521/51, art. 4º, penas para esta conduta, expressamente incluída entre os crimes contra a economia popular.[20]

Acerca da proibição da capitalização de juros, em 16.12.1963, foi enunciada a Súmula 121 do STF para reforçar as disposições da Lei de Usura, que prevê: ?É vedada a capitalização de juros ainda que expressamente convencionada?.

Nelson Abrão[21] comenta que ?A disposição sumular serviu para desestimular as instituições financeiras à prática reiterada e alertar os consumidores sobre os reflexos dessa situação, mormente em razão das taxas de juros elevadas, dificultando o acesso ao crédito e inibindo, por outro ângulo, a capitalização por instrumento de operação bancária?.

Posteriormente, com o advento da Lei 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária), as instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, passaram a ser disciplinadas pelo Conselho Monetário Nacional, competente para determinar a taxa de juros (art. 4º da referida Lei).

O STF, no enunciado da Súmula 596, afastou a aplicabilidade das disposições do Decreto 22.626/33 nas operações realizadas por instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional.

No que tange a vigência da Lei de Usura, comenta André Zanetti Baptista[22]: ?A Lei n. 4.595/64 não revogou o art. 1.062 do CC de 1916, nem os arts. 1º e 13 da Lei de Usura (Decreto n. 22.636/33). O termo ?limitar? presente na lei bancária não pode ser considerado sinônimo de liberar e muito menos de majorar. A exegese do art. 4º, VI e IX, da Lei 4.595/64 é iníqua e equivocada, infelizmente consagrada pela Súmula 596 do STF?.

Apesar de ainda existir grande discussão acerca disso, ?o posicionamento contra a aplicação da Súmula 596 é adotado por muitos doutrinadores, sendo também a nossa opinião, pois tal súmula é fruto de uma interpretação absolutamente favorável às instituições financeiras, em detrimento de todas as outras pessoas físicas ou jurídicas, sem deixar de lembrar que a Lei n. 4.595/64 fere o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988, mas não tem sido este o entendimento dos tribunais.? [23]

Além disso, cabe destacar que, na época da entrada em vigor da referida Lei, vigia a Constituição de 1946, a qual, não permitia, expressamente, a delegação de poderes (art. 36, par. 2º, CF/46).

Tal proibição constitucional enterra, por vez, a constitucionalidade da Lei 4.595/64, mantendo em vigor, entretanto, as normas previstas no decreto-lei 22.626/33 e na Lei 1.251/51.

Ainda, não obstante a vedação constitucional vigente à época, denota-se que pela redação do atual texto constitucional, também não permite esta delegação, o que significa dizer que a referida lei tanto era inconstitucional quando em vigor a CF/46, quanto na atual Constituição.

Esta conclusão pode-se atingir pela análise do texto constitucional, nos seguintes dispositivos:

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

 

(…)

 

VI ? sistema monetária e de medidas, títulos e garantias dos metais;

 

VII ? política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores.

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

 

(…)

 

XIII ? matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;

 

Art. 68 (…)

Par. 1º. Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: (…)

 

Como se observa, a delegação de poderes contida na Lei 4.595/64, não sobrevive às disposições constitucionais vigentes à época de sua entrada em vigor e não sobreviveria às disposições constitucionais vigentes.

Por fim, outra discussão que possui forte repercussão jurídica é a aplicabilidade ou não do art. 192, § 3º, da Constituição/88, que limita a taxa de juros em 12% ao ano, até a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 40/2003, pois esta dependeria de Lei complementar que a regulamentasse, o que nunca ocorreu pelo Poder Legislativo.

Com a Emenda Constitucional n. 40/2003, os parágrafos e incisos do referido artigo foram revogados. Em 1991, foi julgada a ADIn 4 pelo STF, que possuiu como objeto de discussão a eficácia imediata ou não da norma do art. 192, § 3º, da Carta Magna.

Destaca-se da obra de André Zanetti Baptista[24], o pensamento de José Afonso da Silva sobre o dispositivo:

?Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa… Se o texto, em causa, fosse um inciso de artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata (…)?

No entanto, mesmo se a Lei n. 4.595/64 gerava interpretações possibilitando taxas de juros superiores a 12% ao ano, desde que autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional, após a introdução na Constituição Federal de 1988 de norma proibitiva, a qual tem força derrogadora em face de quaisquer outras regras que permitem percentuais mais elevados, permanece, teoricamente, ao nosso ordenamento jurídico o limite de 12 % ao ano da taxa de juros.[25]

O julgamento da ADIn 4 restou improcedente, mesmo após os votos favoráveis dos Ministros com argumentos concretos, declarando inconstitucional o ato normativo impugnado e a eficácia limitada do art. 192, § 3º, da Constituição/88.

Para encerrar, menciona-se o entendimento de André Zanetti Baptista, acerca da ausência de legislação que limite a taxa de juros, proporcionando liberdade às instituições financeiras para a sua fixação, vejamos:

?É imperioso refletir acerca da liberdade atribuída às instituições financeiras para fixarem suas taxas de juros, objetivando uma melhoria na qualidade de vida do cidadão brasileiro, em detrimento dos acúmulos recordes de lucros alcançados pelos controladores do capital.

Como se não bastasse o monopólio do dinheiro e da moeda, outorgam o poder de escolher as taxas de juros e tentam, a qualquer custo, liberar a capitalização mensal somente para esse Poder.?

 

3. CONCLUSÃO

Após o explanado acima, a principal norma vigente sobre juros, é o Decreto n. 22.626/33 que fixou o limite máximo para a cobrança de juros em 12% ao ano para qualquer contrato, bem como proibiu a incidência de juros sobre juros (capitalização de juros) em prazos inferiores a doze meses, sob pena de incorrer na prática do crime de usura.

Porém, com o advento da Lei n. 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária), outorgou ao Conselho Monetário Nacional o encargo de limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, enfraquecendo o Decreto supra citado.

A limitação dos juros para os contratos está na Lei de Usura e no atual Código Civil e, ainda, a existente anteriormente na Constituição Federal de 1988, em seu art. 192, § 3º, que recepcionou o Decreto n. 22.626/33, deixando de lado a lei n. 4.595/64.

Com a Súmula 121 do STF, a capitalização de juros quando convencionada foi proibida e, a Súmula 596 do STF, exclui as instituições financeiras integrantes do Sistema financeiro Nacional do limite da taxa de juros fixado na Lei de Usura.

A ADIn 4 do STF declarou inconstitucional a limitação existente no art. 192, § 3º da Constituição Federal de 1988, pois, para a sua aplicação imediata, havia a necessidade de norma regulamentadora para isso, o que nunca ocorreu por parte do Congresso Nacional.

Portanto, verifica-se que as instituições financeiras tornaram-se imunes às normas que limitam a taxa de juros, ?(…) gerando um universo de monopólio não somente sobre o capital disponível, mas também sobre as disponibilidades de seu devedores?.[26]

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFRICAS

 

BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008.

DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil, 2º volume: teoria geral das obrigações. 23 ed. rev., atual e ampl. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 29.

ABRÃO, Nelson, Direito Bancário. 8.ed. rev., atual e ampl. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2002.


[1] Assessora Jurídica do escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados . Bacharel em Direito. Formada no Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj.

[2] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 8.

[3] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 9.

[4] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10-11.

[5] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15.

[6] DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2º volume: teoria geral das obrigações , 23.ed. ver, atual. e ampl. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 394.

[7] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15-16.

[8] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 21/22.

[9] DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 307.

[10] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 23.

[11] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 25.

[12] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 25.

[13] DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 867.

[14] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 27.

[15] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 28.

[16] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 28.

[17] DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 29.

[18] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 39.

[19] ?Por força da possibilidade trazida, a Lei n. 9250/95, em seu art. 39, § 4º, prescreveu que os juros moratórios devidos à Fazenda Nacional serão equivalentes à taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC)?. (BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 42). No entanto, não há legislação instituindo, definindo e dizendo como ela deve ser calculada. Ainda, por não ser composta apenas de juros, mas de percentual equivalente à desvalorização da moeda nacional no período de sua apuração, e, por este motivo, ela não é acumulável com a correção monetária, sob pena de bis in idem. (BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 46). Por força de tais razões, inaplicável a taxa do SELIC ao art. 406 do Código Civil de 2002, que determina a utilização da taxa devida em razão da mora no pagamento de impostos devidos à Fazendo Nacional como taxa legal de juro. (BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 51)

[20] DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil, 2º volume: teoria geral das obrigações. 23 ed. rev., atual e ampl. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

[21] ABRÃO, Nelson, Direito Bancário. 8.ed. rev., atual e ampl. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 93.

[22] Idem 16. p. 80.

[23] BAPTISTA, André Zanetti. Juros: taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 82.

[24] Idem 16. p. 83.

[25] Idem 16. p. 92.

[26] Idem 16. p. 153.

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