Alexandre Brognoli¹

Palavras chave: Usucapião familiar; Cônjuge; Companheiro; Propriedade.

 

1.INTRODUÇÃO

O usucapião é matéria conhecida no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, o usucapião familiar é considerado assunto novo, pois acrescido pela Lei n. 12.424 no ano de 2011.

O usucapião familiar, por ser ainda pouco praticado no âmbito jurídico e desconhecido por muitos, gera algumas controversas entre os que vivenciam o meio jurídico, sendo necessário nesta matéria o uso da hermenêutica para compreender a intenção do legislador ao criar tal artigo legal. Observamos também, os prós e os contras de seu uso na sociedade, e ainda, a relação do direito de família com o direito das coisas.

O artigo está previsto na lei da seguinte forma:

“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

 

§ 1º.  O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

 

§ 2º.  (VETADO).”

 

Então, de acordo com o texto legal, existem alguns requesitos que são necessários para a configuração do usucapião familiar no caso concreto, são eles:

I) Dois anos de posse mansa e pacífica, sem interrupção no tempo, nem oposição do ex-cônjuge/companheiro quanto a posse imediata do bem pelo outro.

II) Posso direta e exclusiva, ou seja, além de morar durante os dois anos no bem após a separação fática, não pode ter o possuidor imediato outro bem qual seja proprietário.

III) Imóvel urbano de até 250m². Esta característica, embora deva ser respeitada, é a que menos deve dar problema na aplicação do artigo. Então, o imóvel não pode ser rural, fato que deve ser decidido pelo Magistrado no caso concreto, e ainda deve ter menos que 250m², sendo que na atualidade, em regra, boa parte dos imóveis urbanos que estão sendo construídos não superam essa dimensão, que não é pequena, sendo difícil o levantamento de edifícios cujos apartamentos sejam maiores que essa delimitação de espaço.

IV) Antes da separação de fato do casal (casados ou em união estável), o bem tinha que ser de propriedade do cônjuge/companheiro que saiu ou de ambos, sendo necessário que sua utilização fosse para sua moradia ou de sua família.

V) Esse direito só é reconhecido uma vez por possuidor, ou seja, a parte requerente não poderá ser beneficiada pelo art.1240-A do Código Civil, mesmo que o próximo imóvel seja decorrente de outra relação conjugal.

Importante salientar ainda:

VI) O imóvel causa do pedido deve ter sido adquirido durante o casamento/união estável do ex-casal.

VII) No final da demanda o Juiz ordenará que seja feita a expedição de um mandado de averbação em nome da parte autora da Ação de Usucapião Familiar.

Assim, dissecado o artigo da lei, fica mais fácil sua compreensão. Contudo, ainda restam dúvidas sobre o que vai acontecer nos casos práticos da vida real.

São questões a serem analisadas:

  1. Qual a função do artigo da lei.

 

  1. A culpa voltará a ser discutida no mérito dos casos concretos?

 

  1. Como decidir o usucapião familiar nos casos de separação de corpos?

 

  1. Os casos que não se tipificam no artigo 1240-A do Código Civil, como ficam.

 

  1. Como fica a relação dos pactos antenupciais e dos regimes de bens escolhidos pelos casais no uso do usucapião familiar?

Sendo estas algumas das questões que o poder judiciário poderá enfrentar nas soluções das lides opostas com fulcro no artigo 1240-A do Código Civil.

2.DESENVOLVIMENTO

2.1.DO OBJETIVO DO ARTIGO 1240-A DO CÓDIGO CIVIL:

O objetivo do artigo é o de dar andamento na função social do imóvel, dar destinação a ele, o artigo não visa a situação dos ex-cônjuges/companheiros, ou seja, não terá grande relevância para o julgador analisar a decisão do ponto de vista familiar, onde poderia ser injusto a propriedade ficar só com o cônjuge que permaneceu. Se a decisão estiver de acordo com o dispositivo legal a decisão deverá ser respeitada.

Por exemplo, no caso de um homem que vive com seus filhos e sua mulher, ele proprietário do imóvel, vem sofrendo violência psicológica de sua companheira, recebendo pressão diariamente sobre quem ele é, o que ele fez de sua vida, o quanto ele ganha, etc. Não aguentando essa situação, ele simplesmente vai embora (abandono do lar) e some por dois anos, sendo que os demais requesitos do artigo são respeitados, pouco vai importar se for justa ou não a posse da mulher sobre o bem, ela vai se tornar a única proprietária após o trânsito em julgado da sentença que julgou como procedente o seu pedido.

Seria justo ela receber esse bônus? Vendo pelo lado do direito da família claro que não, uma vez que ela foi a própria causa da saída do companheiro, mas essa não é a função do artigo, a função dele é dar destinação ao imóvel, nesse caso cumprindo o seu papel, sua função social, tornando-se a mulher a única proprietária.

Da mesma forma, o homem que é afastado do lar via decisão judicial por ser considerado perigoso devido a suas condutas cotidianas de ameaçar e bater nas crianças.

Assim, ele fora obrigado a abandonar o lar e, passados dois anos sem demonstrar interesse no imóvel, sem oposição a situação de possível perda do imóvel, entra a mulher com ação de usucapião familiar no Poder Judiciário, sendo procedente o pedido, seria injusto ele perder a posse do imóvel? Talvez sim.

Ocorre que, nos dois exemplos, independentemente de ser justa ou injusta a decisão observando-se pelo ponto de vista da família, importa dizer que a destinação econômica do bem está sendo dada.

Portanto, retificando, o artigo 1240-A do Código Civil não se preocupa com o justo ou injusto caso familiar, com o que aconteceu no caso concreto, visa dar destinação ao bem imóvel, sendo este hoje o ponto de vista sobre o artigo legal.

2.2.DA CULPA:

Nos casos passados de separação e divórcio (litigiosos) a culpa fazia parte do mérito presente na lide, com a Emenda Constitucional n. 66/2010 o art. 1573 do Código Civil foi revogado, deixando a culpa de fazer parte do mérito nas lides de separação/divórcio presentes no Poder Judiciário.

E agora, com a criação do usucapião familiar, a culpa será analisada para ver se poderá ser procedente o pedido de usucapião?

Conforme já dito, a função desse artigo não é a de ajudar uma das partes ou ajudar cônjuge menos favorecido com a propriedade do bem. A função do artigo é garantir a função social do imóvel, é dar destinação ao bem, e não de favorecer um sobre o outro, embora seja inevitável que na prática isso aconteça.

Portanto, de forma alguma a culpa deverá voltar a ser discutida, até porque, se a culpa fosse objeto de discussão, estaria se perdendo o objetivo do artigo da lei que é dar rumo ao imóvel, sendo confundido com partilha de bens após uma separação/divórcio, que não é o objetivo do artigo.

2.3.DA SEPARAÇÃO DE CORPOS:

A separação de corpos pode ser uma medida radical presente na vida de casais, como também pode apenas ser a regularização de uma separação fática, onde pessoas que acabaram seu relacionamento não desejam mais que o ex-cônjuge/companheiro mantenha contato consigo.

Neste sentido:

“Com a evolução do Direito de Família, em especial depois da promulgação da Constituição Federal, a separação de corpos se afastou da invariável e intransigente exigência da prova da efetiva existência de agressão física, ou da ameaça de perigo de dano à integridade física e psíquica do cônjuge e dos filhos, e passou a se ocupar muito mais de um direito preventivo, ao antecipar a tutela jurisdicional da separação compulsória de corpos, não mais como medida cautelar, mas como adiantamento da prestação jurisdicional, porque, ao fim do processo de separação através do divórcio, de qualquer modo, o casal acabará se separando fisicamente, servindo a inútil e forçada coabitação ocorrida no período da tramitação processual tão só para fomentar rancores, medos e manter próximos os corpos que se repulsam e cujas mentes já de há muito estão distanciadas entre si” (MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 151).

 

 

Portanto, diante de casos em que um dos ex-cônjuges/companheiros são obrigados a saírem do lar, valerá da mesma forma a aplicação do art.1240-A do Código Civil? Levando em consideração que diferentemente dos exemplos antes abordados, agora sua distância da pessoa que reside no imóvel tornou-se obrigatória.

A resposta deve ter base novamente na intenção que o legislador teve em criar o art.1240-A do Código Civil.

A resposta não é certa, vai depender, além dos outros requisitos explícitos no artigo legal, presume-se que o(a) afastado(a) manifestando interesse no bem no decorrer dos dois anos (de forma comprovada), não deverá perder sua propriedade.

Contudo, passados dois anos, cumpridos os requesitos legais sem a manifestação da pessoa afastada, em tese o bem será destinado as mãos do cônjuge que reside no imóvel, da mesma forma daquelas pessoas que simplesmente vão embora por conta própria.

Essa manifestação da pessoa afastada do lar deverá ser de suma importância na prática, pois caso contrário, o simples afastamento estaria dando, ao curso de dois anos, a propriedade do bem ao cônjuge que permaneceu, o que logicamente seria errado. Teriam pessoas entrando com Ação de Separação de Corpos apenas com a intenção de passados dois anos adquirirem o bem para si.

2.4.DA FALTA DE DOS REQUESITOS LEGAIS:

Com relação aos casos que não tipificam-se no art.1240-A do Código Civil, continuarão com a possibilidade de enquadrarem-se nos artigos  1238 ao 1240 do respectivo Código:

CC-Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

CC-Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

CC-Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

 

 

Portanto, ainda terá a busca pelo uso das normas ?antigas? de usucapião quando, por exemplo, se tratar de casal com mais condição de vida, tendo mais de um bem imóvel ou ainda sendo a residência maior que espaço estipulado de 250m2 (parágrafo único do art.1.238 do CC), mas o prazo será, respectivamente, os dos artigos encartados acima dependendo do caso concreto.

2.5.DOS PACTOS ANTENUPCIAIS E DOS REGIMES DE BENS:

Como já afirmado no presente artigo, o art.1240-A do Código Civil é muito novo no nosso ordenamento jurídico, não havendo ainda jurisprudências, doutrinas, casos concretos para ajudar na sua compreensão.

Tal fato não impede que previamente sejam observados problemas futuros na sua aplicação, como no caso da pré-existência de duas figuras muito conhecidas na vida dos casais, o pacto antenupcial e o regime de bens escolhido por ambos.

Qual será a validade do pacto e do regime de bens quando o caso concreto estiver apto a se enquadrar no usucapião familiar? Estes vão ser deixados de lado para a aplicação do artigo 1240-A ou terá preferência o pacto e o regime escolhido pelo casal sobre este artigo da lei?

Os regimes de bens estão tipificados nos arts.1639 ao 1688 do Código Civil.

O pacto antenupcial está regulamentado nos arts. 1653 ao 1657 do Código Civil, sendo que o artigo que autoriza sua celebração é o art.1639 da mesma lei.

Nota-se que dentro do Código Civil haverá uma desconformidade entre seus dispositivos legais, nos cabendo aguardar os casos concretos para ver o que acontecerá na prática.

2.6.ARTIGO COM EFEITO EX-NUNC:

Importante frisar que o efeito do artigo da lei é ex-nunc (a partir de agora), ou seja, não poderá ser pleiteada Ação de Usucapião Familiar sobre fato que aconteceu antes da vigência do artigo 1240-A do Código Civil.

 

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou evidenciado, portanto, que esta norma trará problemas aos julgadores ao proceder ou não a sua aplicação diante do conflito de seu conteúdo com outros dispositivos legais.

Do mesmo modo, devemos nos ater na intenção do legislador quanto a regularização do bem imóvel, e aguardar pela opinião de nossos doutrinadores, como também nos cabe aguardar as decisões futuras do Poder Judiciário, para que a intenção e a função da norma seja firmada na prática.

 

4.REFERÊNCIAS

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil ? Direito das Coisas. 28 edição. São Paulo: Saraiva, 2003.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil ? Direito de Família. 28 edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

Códigos Civil; Comercial; Processo Civil; Constituição Federal / Obra coletiva da autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. ? 3. Ed. ? São Paulo: Saraiva, 2007.

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

http://jus.com.br/revista/texto/19659/primeiras-impressoes-sobre-a-usucapiao-especial-urbana-familiar-e-suas-implicacoes-no-direito-de-familia#ixzz27PbeJYcx; Acessado em 26/09/2012 às 15:32 horas.

http://www.rodrigomartins.adv.br/o-que-e-e-quando-ocorre-a-usucapiao-familiar/; Acessado em 30/09/2012 às 15:30h horas.

CategoryArtigos
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