1. INTRODUÇÃO

Figura muito conhecida no ramo do direito, o bem de família ainda gera certas dúvidas, especialmente com relação à sua impenhorabilidade, uma vez que, em regra, o bem tido como de família não pode ser penhorado, conforme previsão expressa no artigo 1º da Lei 8.009/90. Mas será que esta impenhorabilidade é absoluta? No direito, há a premissa de que tudo depende do caso a caso e, não seria diferente com relação ao bem de família. Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo apresentar as exceções à impenhorabilidade do bem de família, ou seja, os casos em que, ainda que reste configurada a condição de bem de família, a coisa possa vir a ser penhorada.

  1. BEM DE FAMÍLIA E SUA IMPENHORABILIDADE

O conceito e as principais distinções entre bem de família voluntário/convencional ou legal já foram abordados em artigo específico, publicado em 06/05/2017[1]. Assim, recorda-se que o bem de família é aquele imóvel que a legislação optou por resguardar, a fim de proteger a moradia familiar, evitando eventual constrição desta coisa (VENOSA, 2004). Nesse sentido, a lei 8.009/90, em seu artigo 1º, é clara ao determinar que:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Em outras palavras, em regra, o imóvel tido como bem de família não poderá ser penhorado para pagamento de dívidas contraídas, salvo nas hipóteses determinadas na própria lei 8.009/90, as quais serão analisadas separadamente a seguir.

  1. EXCEÇÕES À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

Assim como a legislação dispõe acerca da impenhorabilidade do bem de família, a própria lei 8.009/90, em seu artigo 3º, trata a respeito das hipóteses em que, ainda que considerado como bem de família, o imóvel possa vir a responder por dívidas contraídas. Nesse sentido, vale a leitura do referido artigo, o qual apresenta que:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;        (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

O inciso II diz respeito à possibilidade de penhora nos casos em que houver financiamento para compra ou construção do próprio imóvel.

Já o inciso III trata dos casos envolvendo obrigação de pagar alimentos, seja em decorrência de ação própria de alimentos, como também nas ações de responsabilidade civil (indenizatórias), ressalvando-se a parte devida ao coproprietário que conviva em união estável ou em relacionamento conjugal com o devedor.

O inciso IV, por sua vez, remete à penhorabilidade do imóvel para pagamento de tributos, taxas e obrigações propter rem, ou seja, aquelas que decorrem da coisa, como por exemplo, a taxa condominial.

Referente ao inciso V, a legislação expressamente prevê a possibilidade de se penhorar o bem de família quando este é dado como garantia em hipoteca.

Já o inciso VI traz duas possibilidades: a dos casos em que o imóvel é obtido oriundo de produto de crime, e, quando houver sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento dos bens.

Por fim, o inciso VII trata da possibilidade de penhora sobre o bem de família, quando o proprietário oferece fiança em contratos de locação. Em outras palavras, a pessoa que assinar como fiador em contrato de locação pode vir a responder pela dívida, ainda que possua apenas um bem residencial, no caso de não pagamento por parte do locatário.

Vale ressaltar, ainda, que é pacífico o entendimento nos Tribunais Superiores[2] de que o rol de exceções à impenhorabilidade do bem de família deve ser interpretado de forma restritiva, ou seja, não admitindo a penhora do bem com base em situação análoga ao disposto em lei, mas tão somente nas hipóteses ali elencadas.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, verifica-se que, assim como a legislação traz prerrogativas a fim de proteger a moradia, preservando o imóvel residencial, também há exceções a estas benesses para que não ocorra má-fé quando da formalização de fatos jurídicos (seja em decorrência de contratos, seja por ilícito penal, etc.). O que se deve levar em consideração, todavia, é a taxatividade destas exceções, devendo-se ter como regra a impenhorabilidade do bem de família e, tão somente como exceção, as disposições expressamente previstas na legislação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm>. Acesso em: 27 abr. 2018.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

[1] Link para acesso do artigo: https://phmp.com.br/artigos/bem-de-familia-convencionalvoluntario-como-forma-de-protecao-de-um-bem-residencial-determinado/

[2] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. 1. A proteção conferida ao instituto de bem de família é princípio concernente às questões de ordem pública, não se admitindo nem mesmo a renúncia por seu titular do benefício conferido pela lei, sendo possível, inclusive, a desconstituição de penhora anteriormente feita. 2. A jurisprudência do STJ tem, de forma reiterada e inequívoca, pontuado que o benefício conferido pela Lei 8.009/90 trata-se de norma cogente, que contém princípio de ordem pública, e sua incidência somente é afastada se caracterizada alguma hipótese descrita no art. 3º da Lei 8.009/90, o que não é o caso dos autos. 3. A finalidade da Lei 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas visa à proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo, motivo pelo qual as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 537.034/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 01/10/2014). (grifo próprio)

        

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