Camilla Linzmeyer 

 

RESUMO

Este artigo tem por objetivo abordar a possibilidade de a mídia influenciar as decisões judiciais no tribunal do júri. Abordando o tema quanto à crônica judiciária, a colisão entre a liberdade de expressão e informação e o direito a um julgamento justo.

 

Palavras-chave: Influência. Mídia. Tribunal do Júri

  1. 1.INTRODUÇÃO

Com a facilidade decorrente de os meios de comunicações conseguirem atingir a grande massa da população, surgiram também problemas na esfera judicial, qual seja, as informações dos atos processuais chegam com muita pressa ao saber da população.

Sabe-se, pois, que existe o princípio da publicidade processual, o que faz com que a sociedade tenha o direito a receber informações que dizem respeito ao judiciário, bem como o direito a liberdade de expressão e informação é assegurado pela nossa Constituição Federal.

Porém, a mídia por sua vez, tende, na maioria dos casos de crimes dolosos contra a vida, e que são julgados pelo Tribunal do Júri, por juízes leigos (do povo), a repassar informações de forma sensacionalista, chocando a opinião pública e gerando grande repercussão.

Ocorre que em decorrência do princípio da publicidade dos atos processuais a sociedade toma conhecimento dos atos realizados no processo antes de o acusado ser julgado, o que acarretaria em tese, em um julgamento não tão justo quanto deveria, pois não teria o direito ao princípio da presunção de inocência assegurado.

O presente artigo tem por objetivo identificar a ocorrência da influência gerada através da mídia nas decisões pertinentes ao tribunal do júri.

 

  1. 2.TRIBUNAL DO JÚRI

Para maior compreensão do presente artigo, faz-se necessário conceituar Tribunal do Júri. O dicionário Aurélio da língua portuguesa (2009, p. 499) traz a definição de Júri como ?Tribunal judiciário formado por um juiz de direito, que o preside e julga segundo a prova dos autos, e certo número de cidadãos (jurados), que julgam como juízes de fato; tribunal do júri?. 

Pode ser compreendido também como o direito do povo de participar das decisões do Poder Judiciário, como define Nucci (2008, p. 822):

 

[?] deve ser compreendido como o direito do povo de participar diretamente das decisões do Poder Judiciário e a garantia ao devido processo legal para que os acusados da prática de crimes dolosos contra a vida sejam julgados pelo juízo natural, constitucionalmente estabelecido.

Portanto, o júri é um instituto, onde jurados leigos, como são chamados os membros que formam o conselho de sentença, decidem se os acusados da prática dos crimes dolosos contra vida são inocentes ou não, tendo por dever o juiz togado, que preside a seção, proferir a sentença e aplicar a pena com base no que o conselho de sentença decidir.

 

  1. 3.a cronica judiciária

Consiste basicamente na atividade da imprensa de veicular informação acerca dos atos realizados pelo do Poder Judiciário.

A crônica judicial serve, de certa forma, para fazer valer o princípio da publicidade processual, e pode-se dizer, a mais eficaz delas. Isto porque, no que compreende ao procedimento escrito no processo brasileiro, que pela sua natureza o povo não se identifica, e pelas limitações físicas das dependências das salas de audiências, o que impossibilita o acesso de muitos indivíduos, a sociedade acaba não tomando conhecimento dos atos realizados pelo judiciário.

O linguajar jurídico utilizado nos procedimentos judiciais, através dos advogados, juízes e promotores é de difícil compreensão, o que de certa forma faz com que a mídia, através de seus jornalistas, acabe por transmitir a notícia de maneira mais clara, de modo que realmente se entenda os atos processuais.

Referente à linguagem utilizada pela mídia, dispõe Vieira (2003, p. 104):

A mídia, utilizando-se de uma linguagem livre, por meio de textos (palavra escrita), entrevistas, debates (palavra fechada), imagens televisivas ou fotografadas, muito diversa da forma erudita utilizada pelos profissionais de direito, torna visível a Justiça, tem o importante papel de decodificá-la, fazê-la compreensível, pois não basta que se veja e conheça a justiça, é preciso compreendê-la.

Desse modo, a imprensa tem o papel de informar a sociedade de forma simplificada, utilizando-se de uma linguagem muito mais simples do que a linguagem técnica utilizada pelos juristas, fazendo com que os leigos compreendam os atos praticados pelo poder judiciário.

No entendimento de Vieira (2003, p. 109) essa função que a imprensa tem de transmitir para a sociedade de forma com que compreendam o linguajar judicial ?é um dos pontos mais positivos e relevantes da publicidade processual proporcionada pela imprensa.?

Um dos maiores pontos negativos gerados pela crônica judiciária é a violação da presunção de inocência do acusado, fazendo com que, por vezes, não tenha um julgamento criminal justo.

 

  1. 4.COLISÃO ENTRE LIBERDAE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO E O DIREITO A UM JULGAMENTO JUSTO

 

A Constituição Federal de 1988 explicitou a liberdade de expressão no art 5º:

[…]

IV ? é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato

IX ? é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica, e de comunicação, independente de censura ou licença

XIV ? é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional

 

Ainda sobre liberdade de informação, a CFRB/88 estabeleceu, em seu art. 220, parágrafo 1º, limitações sobre seu exercício, isto quer dizer que, de um lado se prevalece o direito à informação, mas por outro lado, o interesse que toda pessoa tem de salvaguardar sua intimidade, o segredo de sua vida privada.

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Menciona-se ainda no art. 220, parágrafo 2º da CFRB/88 a vedação de qualquer tipo de censura de natureza política, ideológica ou artística.

O que deve-se destacar é que a impressa, e não só ela, tem o direito à liberdade de expressão, que indiscutivelmente, consiste num direito fundamental e de especial relevância para o regime democrático.

A imprensa deve desempenhar seu papel de informar sobre a atuação do judiciário, o que compreende, de certa forma, o princípio da publicidade, onde os atos processuais realizados pelo judiciário são públicos, e serve para verificar a atuação do judiciário. Outro fato que se deve analisar, é de que a prática de um crime e sua apuração são assuntos inerentes ao interesse público, fazendo como quem a sociedade tenha interesse nas informações repassadas pela mídia.

Para que fique constatado que a mídia efetivamente fez uma campanha para determinado acusado, o que evidentemente acarretaria no resultado do julgamento deste, é necessário compreender alguns requisitos que comprovem a ocorrência do trial by media, que conforme definição de Palma (2006) é “o julgamento antecipado da causa, realizado pela imprensa, em regra com veredicto condenatório, seguido da tentativa de impingi-lo ao Judiciário ou a colisão dos direitos fundamentais?.

O primeiro requisito a ser avaliado é o conteúdo da expressão, conforme destaca Schreiber apud Sanahuja e Ortega (2010, p. 347):

Não há como fugir da avaliação do conteúdo da expressão, para aferir se ela é prejudicial ao réu. A manifestação será predominantemente opinativa. Deve formular juízos de valor a respeito dos fatos, de um lado sustentando a culpa do acusado e defendendo sua rápida condenação e, de outro, criticando a forma permissiva e leniente como a justiça conduz o caso. Ainda que se trate de notícia pretensamente informativa, a divulgação parcial dos fatos e versões e a manipulação de dados também caracterizam a reportagem ?prejudicial?.

Ainda pode-se utilizar como caráter prejudicial, a instauração de um processo paralelo, pressionando o poder judiciário para acatar o veredicto propugnado pela opinião pública.

Como segundo requisito para se caracterizar o trial by media é o risco potencial de que as reportagens prejudiciais venham a interferir no resultado do julgamento.

Em se tratando de decisões proferidas por jurados, no tribunal do júri, a demonstração da quebra efetiva da imparcialidade é praticamente impossível, tendo em vista que não precisam fundamentar suas decisões.

Conclui-se então, que é preciso formar um ambiente adequado ao julgamento desses casos, possibilitando que os juízes togados ou leigos não sejam influenciados ao tomarem suas decisões, e tomem como base para formar suas convicções somente as provas e alegações produzidas no processo.

Desta forma, não é necessário provar que o jornalista teve a intenção de influenciar em determinado julgamento, devendo-se identificar somente se ocorre o risco de influenciar.

Como terceiro elemento para se caracterizar o Trial by media é a atualidade do julgamento.

No entendimento de Schreiber (2010, p.352)

O critério da atualidade da causa deve ser adotado no Brasil, sendo razoável sustentar que o período de potencial colisão entre a liberdade de expressão e o direito ao julgamento justo vai da instauração do inquérito até o julgamento definitivo da causa. Indiscutivelmente, um período bastante longo, considerando a morosidade dos procedimentos que marca o sistema judicial brasileiro. Contudo, o elemento temporal é apenas um, que se agrega aos dois primeiros, para a caracterização o Trial by media. Não se está defendendo a proibição de veiculação de qualquer reportagem sobre julgamentos criminais enquanto estiverem em curso, mas apenas campanhas da mídia, integradas por sucessivas reportagens  prejudiciais que apresentem potencialidade de influenciar indevidamente no resultado de determinado julgamento. O fator tempo integra ademais a noção de ?campanha da mídia?, pois as reportagens prejudiciais devem se suceder por determinado lapso temporal, podendo ter início na fase investigatória e prosseguir na pendência do julgamento.

Ao serem detectados esses três elementos, pode-se afirmar que ocorreu uma influência por parte da mídia em determinado julgamento.

 

  1. 5.Mídia e suas influências sobre o tribunal do júri

 

Como já visto neste estudo, a função da imprensa é esclarecer os cidadãos, mostrando-lhes a verdade dos fatos, porém a necessidade que a imprensa tem de que a informação chegue com velocidade nas mãos dos cidadãos, coloca em cheque a verdade com o que esta realmente aconteceu.

Isto porque, a pressa de divulgação de uma matéria na imprensa, por vezes, exige que o jornalista utilize um número limitado de fontes, o que dificulta o acesso a informações eventualmente contraditórias.

Para Moretzsohn (2007, p. 338) ?os problemas estruturais da atividade jornalística são observados na forma como a mídia reporta a ocorrência de crimes e como se posiciona frente à atuação da justiça criminal?.

Ainda que possamos chamar esta divulgação de manifestação à liberdade de expressão. O que de certa forma não inclui somente a liberdade quanto ao conteúdo da mensagem, mas também a forma de veiculação da notícia. Desta forma, a mídia acaba por influenciar a realidade, no nosso caso em estudo, influenciar os resultados de processos criminais

Na nossa sociedade a mídia aproveita ao máximo o acontecimento da semana e espera outro de igual destaque ou maior para poder abafar o caso e partir para outra veiculação. Tantos são os exemplos de casos que repercutiram por semanas ou até meses na mídia, tomamos como exemplo o caso de Suzane Louise Von Richthofen, João Hélio, goleiro Bruno, Isabella Nardoni. Esses são exemplos significativos de casos que chocaram a opinião pública ao serem expostos de forma sensacionalista pela mídia.

Esses crimes, citados acima, por sua vez, são de competência do Tribunal do Júri, e são julgados por juízes do povo e não por juízes togados, o que torna a influência exercida pela mídia ainda maior, pois os jurados, ao contrário dos juízes togados, via de regra, não possuem conhecimento jurídico para afastar tal influência, são chamados dessa forma de juízes leigos.

Em plenário deveriam ser debatidas inúmeras teses jurídicas de forma que uma pessoa comum, leiga, possa entender. Ocorre que na prática isso não acontece, deixando o jurado confuso na hora de julgar. Muitas vezes, de uma forma parcial e/ou sob influência da mídia, acaba por absolver ou condenar o acusado de uma forma injusta.

A atuação do jurado como representante da sociedade e voz popular, teria legitimidade se a formação de sua opinião se desse apenas com as provas e depoimentos apresentados na sessão do Tribunal do Júri a ser julgado, o que por muitas vezes não ocorre.

Nesse contexto, a pressão da opinião pública, às vezes, com faixas, apitos e instrumentos na frente da porta do Fórum, seguramente concorrem para a quebra da idoneidade do julgamento. De antemão, jurados têm sobre si todo o peso que fora carregado também à massa de audiência durante o desenrolar do processo, mas mais fortemente nos dias que antecedem o julgamento.

Como efeito dessa influência midiática em cima dos jurados do Tribunal do Júri pode destacar a quebra do direito ao devido processo legal e ao direito do contraditório e da ampla defesa, que são conferidos ao acusado em seu julgamento, o que na mídia, na maioria das vezes não ocorre. Ainda, destaca-se o princípio da presunção, que é ferido a partir do momento em que o acusado é tido como culpado antes do seu julgamento.

Pouco a pouco, acaba se transferindo o julgamento dos acusados da esfera legítima, qual seja a esfera penal do poder judiciário, para o julgamento paralelo, realizado por intermédio dos meios de comunicação.

 

  1. 6.Considerações finais

 

Conforme demonstrou o estudo, conclui-se que a mídia tem sido determinante em muitos dos julgamentos criminais, nos quais sua influência tem prejudicado a imparcialidade e o julgamento dos acusados.

Isto porque a imprensa pode, por vezes, tender ao sensacionalismo, e não se preocupar em cumprir sua função social de informar à população sobre o que se passa no mundo, passando a não respeitar a essência do fato que se noticia.

O jurado, em decorrência das informações obtidas pelo conteúdo divulgado pela mídia, inevitavelmente acaba se utilizando dos seus valores e preconceitos em suas decisões. Logo, da forma que tem noticiado a informação, é conseqüência natural que os juízes, e mais ainda, os jurados escolhidos para o tribunal do júri, por estes serem leigos no assunto, se vejam influenciados, ou pelo menos pressionados, por este órgão.

Diante disto, é evidente que, com a influência midiática confirmada, o acusado tem seu direito à presunção da inocência ferido, levando à um julgamento não tão justo quanto deveria. Bem como tem ferido o direito ao devido processo legal, ao contraditório e ampla defesa, entre outros princípios constitucionais, que são conferidos ao acusado em seu julgamento, o que na mídia, na maioria das vezes não ocorre.

 

Referências pesquisadas

 

BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:  www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm. Acesso em: 16 de Novembro, 2011.

 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda,. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009.

MORETZSOHN, Sylvia. Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

 

NUCCI, Guilherme de Souza.  Código de Processo Penal Comentado. 8. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Marcus Vinicius de Amorim. O tribunal do júri popular e a mídia. Disponível em: http://www.fesac.org.br/art_33.html.

SCHREIBER, Simone. A publicidade opressiva dos julgamentos criminais. Rio de Janeiro. Editora Renovar, 2010

 

SOUZA, Artur Cézar. A decisão do Juiz e a influência da mídia. São

Paulo:Editora Revista dos Tribunais. 2010.

 

 

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

CategoryArtigos
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