Julio Max Manske[i]

A discussão a respeito da legalidade, ou melhor, constitucionalidade, da investigação criminal pelo Ministério Público, recebeu mais um capítulo neste final de 2011, no momento em que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ? CCJC, da Câmara dos Deputados, apreciou e  votou a Proposta de Emenda a Constituição 37/2011, de autoria do Deputado Federal do PT do B do Maranhão, Lourival Mendes.

A proposta do citado deputado, autor da proposta, tem como finalidade acrescentar, ao artigo 144, da Constituição Federal, o parágrafo 10º, para definir a competência para a investigação criminal, pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.

Nos termos originais da proposta, o artigo 144 da magna carta, passaria a ter a seguinte redação (aqui citadas apenas as competências das polícias federal e civis, pois que possuem relação a matéria da emenda):

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I ? polícia federal;

II ? polícia rodoviária federal;

III ? polícia ferroviária federal;

IV ? polícias civis;

V ? polícias militares e corpos de bombeiros militares

§1º A polícia federal, instituído por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estrutura em carreira, destina-se a:

I ? apurar as infrações penais contra a ordem pública e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

(…)

§ 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

(…)

§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, rescpectivamente. (texto a ser inserido pela PEC 37/2011)

A fundamentação apresentada pelo autor da proposta, restringindo a investigação criminal às polícias referidas, reside no fato de que a ?falta de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança púbica neste processo (de investigação criminal) tem causado grandes problemas ao processo jurídico no Brasil. Nessa linha, temos observado procedimentos informais de investigação conduzidos em instrumentos, sem forma, sem controle e sem prazo, condições absolutamente contrárias ao estado de direito vigente.

E continua, da seguinte forma:

?Dentro deste diapasão, vários processos têm sua instrução prejudicada e sendo questionado o feito junto aos Tribunais Superiores. Este procedimento realizado pelo Estado, por intermédio exclusivo da polícia civil e federal propiciará às partes ? Ministério Público e a defesa, além da indeclinável robustez probatória servível à propositura e exercício da ação penal, também os elementos necessários à defesa, tudo vertido para a efetiva realização da justiça.?

Tendo conhecimento que encontraria maior resistência à proposta, pela vedação implícita que tal emenda trará ao Ministério Público de investigar, cita Alberto José Tavares Vieira da Silva, nos seguintes termos:

?Ao Ministério Público nacional são conferidas atribuições multifárias de destacado relevo, ressaindo, entre tanta, a de fiscal da lei.  A investigação de crimes, entretanto, não esta incluída no círculo de suas competências legais. Apenas um segmento dessa honrada instituição entende em sentido contrário, sem razão.?

?Não engrandece nem fortalece o Ministério Público o exercício da atividade investigatória de crimes, sem respaldo legal, revelador de perigoso arbítrio, a propiciar o sepultamento de direitos e garantias inalienáveis dos cidadãos.?

?O êxito das investigações depende de um cabedal de conhecimentos técnico-científicos de que não dispõe os integrantes do Ministério Público e seu corpo funcional. As instituições policiais são as únicas que contam com pessoal capacitado para investigar crimes e, dessarte cumprir com a missão que lhe outorga o art. 144 da Constituição Federal.?

?A todos os cidadãos importa que o Ministério Público, dentro dos ditames da lei, não transija com o crime e quaisquer tipos de ilicitudes.?

?O destino do Ministério Público brasileiro, no decurso de sua existência, recebeu a luz de incensuráveis padrões éticos na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.?

?Às polícias sempre coube a árdua missão de travar contato direto com os transgressores da lei penal, numa luta heroica, sem quartel, no decurso da qual, no cumprimento de sagrado juramento profissional, muito se sacrificam a própria vida (sic) na defesa da ordem pública e dos cidadãos.?

?A atuação integrada e independente do Ministério Público e das Polícias garantirá o sucesso da persecussão penal, com vistas à realização da justiça e salvaguarda do bem comum.?

Proposta a emenda, foi a mesma distribuída tendo como relator o deputado federal Arnaldo Faria de Sá, o qual votou pela admissibilidade da emenda ?por atender aos aspectos de constitucionalidade, legalidade, juridicidade, além de atentar às regras regimentais desta Casa e respeitar a técnica legislativa.?

Em seu voto, destacou o relator, ainda, que embora os comandos descritos nos §§ 1º e 4º do artigo 144, da CF atribuam às polícias civis e federal as funções de investigação criminal e de polícia judiciária, celeumas diversas vêm sendo enfrentadas perante os tribunais acerca daqueles que possuem investidura para a realização desta importante atividade.

Também destaca, na mesma linha apresentada pelo autor da proposta, que a relevância da tratativa desta questão se destaca na necessidade de repudiar-se qualquer procedimento informal de investigação criminal, conduzidos por meio de instrumentos, na maioria das vezes, sem forma, sem controle e sem prazo, condições absolutamente contrárias ao estado de direito vigente, e que ferem, inclusive, as garantias do cidadão, em especial o direito constitucional à defesa.

Assim, entende que a proposição de emenda constitucional pugna por uma investigação criminal respeitosa aos direitos individuais e voltada à efetiva realização da justiça, ao exigir que são competentes para tanto, aqueles operadores do direito, cuja investidura nos respectivos cargos que compõem as polícias judiciárias, lhes autoriza o exercício deste fundamental mister, por meio de instrumento legal denominado inquérito policial.

Apresentando voto em separado, mas defendendo a proposta de emenda apresentada, o deputado federal Eliseu Padilha, ingressa no conteúdo da mesma, destacando a inconstitucionalidade da investigação criminal realizada pelo Ministério Público, fundamentada nos próprios §§ 1º e 4º do artigo 144, da CF, o qual expressa a vontade do legislador originário em atribuir a polícia a tarefa de investigar da mesma forma que atribuiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal.

Nas palavras do insigne deputado:

?Vale ressaltar que, o Ministério Público tentou inúmeras vezes, por intermédio de propostas de emenda à Constituição, conquistar a prerrogativa da investigação criminal, sendo que essa iniciativa sempre foi rejeitada pelo congresso nacional.?

?Tal fato se reveste de maior gravidade, porque o Ministério Público pretende exercer a atividade de investigação criminal por intermédio da Polícia Militar, desvirtuando a função preventiva desta Instituição.?

?De outra parte, a possibilidade de o Ministério Público investigar, cria condições para direcionar o resultado do processo crime. Não é razoável imaginar que a instituição responsável por investigar é a mesma instituição responsável por acusar.?

?Tal situação contraria o próprio Estado Democrático de Direito. A Polícia Judiciária, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.?

?É importante que se entenda que o delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, tem apenas o compromisso com a verdade dos fatos. Exemplo disso é o chamado `sistema de persecução criminal acusatório` adotado pelo ordenamento jurídico vigente.?

?Tal sistema se caracteriza por ter, de forma bem distinta, as figuras do profissional que investiga (delegado de polícia), defende (advogado), acusa (integrante do Ministério Público) e julga (magistrado) o crime. Esses papéis não podem ser invertidos, sob pena de provocar o desequilíbrio na relação processual criminal.?

?Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a produção e a confirmação de provas, por intermédio de inquérito policial, presidido por delegado de polícia, se tornaram obrigatória, pois tal prerrogativa está inserida, de modo implícito no rol de direitos e garantias do princípio do devido processo legal (paridade de força e de armas entre a defesa e a acusação), previsto no inciso LIV, do art. 5º, da Magna Carta.?

Dentro de um sistema democrático, bem se poderia esperar que houvessem aqueles que divergissem da proposição, tendo seus próprios fundamentos para sua rejeição, como ocorreu com os deputados Luiz Couto, Paes Ladim, Onyx Lorenzoni, Vieira da Cunha, João Paulo Lima, Mendonça Filho, Alessandro Molon e Marina Santanna.

Da lavra do deputado federal Luiz Couto, retira-se do seu voto que a proposta visa, por vias transversas, excluir a competência investigativa atribuídas a outros órgãos ? inclusive o Ministério Público ? em decorrência de pretensa  interpretação constitucional de dispositivos legais.

Cita, também, que nesse sentido, ou seja, que a legitimidade constitucional da investigação criminal realizada pelo Ministério Público, já foi reconhecida pelo próprio Supremo Tribunal Federal, embora não em decisão do seu pleno, mas em diversas ocasiões, como na citada no corpo do referido voto, aqui transcrito:

?HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. POLICIAL CIVIL. CRIME DE EXTORSÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE CONCUSSÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL DENÚNCIA: CRIMES COMUNS PRATICADOS COM GRAVE AMEAÇA. INAPLICABILIDADE DO ART. 514 DO CPP. ILICITUDE DA PROVA. CONDENAÇÃO EMBASADA EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. DECISÃO CONDENATÓRIA FUNDAMENTADA. ORDEM DENEGADA.

Legitimidade do órgão ministerial público para promover as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição, inclusive o controle externo da atividade policial (incisos II e VII do art. 129 da CF/88). Tanto que a Constituição da República habilitou o Ministério Público a sair em defesa da Ordem Jurídica. Pelo que é da sua natureza mesma investigar fatos, documentos e pessoas. Noutros termos: não se tolera, sob a Magna Carta de 1988, condicionar ao exclusivo impulso da Polícia, a propositura das ações penais públicas incondicionadas; como se o Ministério Público fosse um órgão passivo, inerte, à espera de provocação de terceiros.

A Constituição Federal de 1988, ao regrar as competências do Ministério Público, o fez sob a técnica do reforço normativo. Isso porque o controle externo da atividade policial engloba a atuação supridora e complementar do órgão ministerial no campo da investigação criminal. Controle naquilo que a Polícia tem de mais específico: a investigação, que deve ser de qualidade. Nem suficiente, nem existente, seja por comodidade, seja por cumplicidade. Cuida-se de controle técnico ou operacional, e não administrativo-disciplinar.

O Poder Judiciário tem por característica central e estática ou o não agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por provocação das partes, do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de fragilidade: quem diz o que seja ?de Direito? não o diz senão a partir de impulso externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de ofício e assim confere ao direito um elemento de dinamismo compensador daquele primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiquíssimos nomes de ?promotor de justiça? para designar o agente que pugna pela realização da justiça, ao lado ? procuradoria de justiça?, órgão congregador de promotores e procuradores de justiça. Promotoria de Justiça, promotor de justiça, ambos a por em evidência o caráter comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos.

Duas das competências constitucionais do Ministério Público são particularmente expressivos dessa índole ativa que se está a realçar. A primeira reside no inciso II, do artigo 129 (II ? zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia). É dizer: o Ministério Público está autorizado pela Constituição a promover todas as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição. A segunda competência está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se no `controle externo da atividade policial`. Noutros termos: ambas as funções ditas institucionais são as que melhor tipificam o Ministério Público enquanto instituição, que bem pode tomar a dianteira das coisas, se assim preferir.

Nessa contextura, não se acolhe a alegação de nulidade do inquérito por haver o órgão ministerial público protagonizado várias das medidas de investigação. Precedentes da segunda turma: HCs 89.837, da relatoria do ministro Celso de Mello; 91.661, da relatoria da ministra Ellen Gracie; 93.930, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

O deputado Onyx Lorenzoni, por sua vez, destaca outros dois pontos que impediriam a tramitação da emenda em tela, quais sejam, a derrogação de ato legislativo interno da própria Câmara dos Deputados, implicando na perda de poder pelo parlamento, passando a conviver com a interferência irrestrita de agentes da polícia judiciária para apurar fatos eventualmente verificados em suas dependências, envolvendo pessoas vinculadas ou não a ele.

Além disso, citando nota recebida da assessoria parlamentar do Ministério Público, adverte que o acatamento da proposta em tela, atropela princípios e direitos individuais constitucionalmente assegurados, notadamente o artigo 60, § 4º, da CF, na medida em que limita `perniciosamente` a defesa as atribuições do Ministério Público.

Não obstante os argumentos contrários à proposta, o parecer do relator no sentido da admissibilidade da mesma foi aprovado por 31 votos favoráveis contra 8 contrários, em sessão realizada no dia 13 de dezembro de 2011, sendo que tal proposta, ainda deve ser submetida a apreciação pelo plenário para, posteriormente, ser apreciada pelo Senado Federal.


[i] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul (2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009. Especialista em Corrupção, Crime Organizado e Terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha 2011); Pacificador Social, através do Curso de Gerenciamento de Crise, turma 2011/1, pela Polícia Militar da Paraíba.

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