Bruna Motta Piazera[1]

?Toda pessoa tem direito de fixar sua residência no território do Estado de que é nacional de transitar por ele livremente e de não abandoná-lo senão por sua própria vontade?

(Autor desconhecido).

RESUMO

O direito de ir e vir é inerente e intrínseco ao ser humano e instituído por garantias humanitárias. Partindo desse pressuposto, pretende-se demonstrar que os limites impostos pelos Estados estrangeiros em suas relações com os outros países (e com o Brasil), são por muitas vezes, extremamente restringentes e excludentes. Tal situação é caracterizada pela imposição de medidas que limitam o trânsito de pessoas e acabam por refletir diretamente a autoridade de um determinado Estado, afetando assim, os preceitos dos Direito Humanos.

PALAVRAS-CHAVE: Território estrangeiro; ir e vir; Estado.

 

INTRODUÇÃO

A liberdade é um direito garantido constitucionalmente (Art. 3º, inciso I) e que só pode ser cessada em instantaneamente em casos de crime. Apesar disso, é garantida a todos com uma certa restrição. Tal fato se dá, principalmente pelas limitações impostas pelo próprio ordenamento jurídico ao qual estamos inseridos. Explica-se: cada Estado é responsável pelas suas normas jurídicas, enquanto que em outra esfera, ?a conduta dos Estados e suas relações com os outros Estados é de competência do Direito Internacional.? (BARRAL, 2006, p.14). E essa liberdade internacional é regulada por uma série de tratados entre os países.

O ser humano possui em suas raízes, o desejo de explorar o desconhecido, de ampliar seus horizontes e conhecer novos caminhos. O ?livre? ingresso e circulação de estrangeiros em território alheio é uma garantia moderna, posto que na antiguidade o território era considerado um solo sagrado, em que a presença de um estrangeiro sem o consentimento da autoridade local era inadmissível. O próprio termo ?estrangeiro? derivado do grego extraneus (estranho) carrega, em si, um significado de repulsa.

?Quando o Brasil mantém contato com outros países para a solução de problemas recíprocos, tais relações ficam sob a ação ou incidência do Direito Internacional? (REALE, 2004, p.348), não se reduzindo a um único ordenamento jurídico, mas pressupondo a correlação dos Estados. A soberania de cada país e o seu reconhecimento mundial traz consequências em vários aspectos, e um deles está relacionado diretamente com o direito de ir e vir dos indivíduos, o qual fica limitado e condicionado às leis que regem as relações internacionais entre as nações.

 

I. ASPECTOS HISTÓRICOS

Os principais juristas do século XVI e XVII reconheciam e defendiam a liberdade de locomoção, ressalvando ao Estado as prerrogativas de limitação a essa liberdade, consoante seu interesse. As teorias acerca da liberdade de locomoção tinham como eixo comum a garantia da hospitalidade ao estrangeiro em detrimento de um tratamento hostil.

Já no século XVIII, prevaleceu a ideia da soberania absoluta do Estado, observando o princípio da plena liberdade de decisão no que concerne à circulação de pessoas. Segundo MELLO (1997, p.78), todo Estado, em virtude de sua soberania, podia conceder ou recusar a admissão de estrangeiros. O ?jus naturallis? não autorizava o Estado a recusar a hospitalidade aos estrangeiros que a demandassem por causas justas. O cidadão ainda, ao atingir a idade da razão, podia avaliar se lhe era conveniente manter-se na sociedade em que nascera, ou ?juntar-se àquela para a qual desejava dirigir-se, sendo destarte, senhor absoluto da decisão de sair? (idem).

Em 1888, a teoria do direito soberano do Estado em matéria de circulação de pessoas foi aceita pelo Instituto de Direito Internacional. Três anos depois, o Instituto reformou sua Declaração e em Hamburgo pronunciou-se a favor do princípio de que a questão da admissão de estrangeiros extrapolava a esfera de competência do Estado interessado e deveria estar subordinada ao Direito internacional.

No lastro da posição do Instituto de Direito Internacional, REALE, observou que “todo Estado tem o dever jurídico de receber, em seu território, os nacionais de outros Estados que se apresentarem em suas fronteiras” e “o Estado não pode furtar-se desse dever, através de impedimentos e restrições exigidos pelo seu direito de conservação”. Evidencia-se, desta maneira, verdadeiro esforço por parte dos juristas da época em garantir a liberdade de locomoção de pessoas.

 

II. A LEGITIMIDADE DO DIREITO DE IR E VIR: GARANTIAS HUMANITÁRIAS E CONSTITUCIONAIS

O direito à liberdade pessoal somente teve sua proteção garantida internacionalmente no ano de 1948 com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (The American Declaration of the Rights and Duties of Man), que em seu artigo 8º dispôs que ?Toda pessoa tem direito de fixar sua residência no território do Estado de que é nacional, de transitar por ele livremente e de não abandoná-lo senão por sua própria vontade?.

 

Ainda no mesmo ano, a liberdade de circulação de pessoas foi alçada à condição de princípio de direitos humanos ao ater-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo 13 estabeleceu que:

?I. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.

II. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar?.

 

A partir deste, numerosos pactos internacionais a respeito do tema surgiram, desenvolvendo-se na legislação interna dos países com igual desenvoltura. No Brasil, esta liberdade encontra previsão expressa no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal, que proclama ser ?livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens?.

Nessa esfera, segundo Mello (1997, p.236), dois são os princípios a serem ressaltados no tocante à circulação e trânsito de pessoas entre os Estados: a admissão do ?jus communicationis?; e o direito do Estado de regulamentar a imigração no seu território. Enquanto no primeiro observa-se o direito migratório no plano internacional, fulcrado na própria necessidade de comércio internacional e na liberdade do indivíduo; no segundo encontra-se a soberania estatal e a prática internacional já consagrada. Sendo assim, entende-se que de um lado há a liberdade individual que conflita diretamente com a soberania imposta por cada Estado.

Segundo Piovezan apud Bovo (2002, p.56) cabe atentar que os Direitos Humanos citados alhures não pretendem substituir os Direitos Nacionais e particulares de cada Estado. ?Ao revés, situa-se como direito paralelo e suplementar ao Direito Nacional, no sentido de permitir que sejam superadas suas omissões e deficiências.? Em adição, ainda completa:

?No sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos, o Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos, ao passo que a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária. Os procedimentos internacionais, tem, assim, responsabilidade subsidiária, constituindo garantia adicional de proteção dos direitos humanos, quando lhe falham as instituições nacionais.?

 

Numerosos pactos internacionais a respeito do tema surgiram pós Declaração Universal, desenvolvendo-se na legislação interna dos países com igual desenvoltura. No Brasil, esta liberdade encontra previsão expressa no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal, que proclama ser ?livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens?. Além disso, enfatiza-se o Art. 3, que garante como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de construir uma sociedade livre.

A Constituição Federal de 1988, constituída em Estado Democrático de Direito, tem como fundamentos, entre outros, conforme se verifica no inciso III do artigo 1º, a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, não se admite o desrespeito à pessoa, quer seja moral ou fisicamente, ainda mais salientado pela ?prevalência dos direitos humanos?, consoante ao que prescreve o inciso II do artigo 4º da Carta Magna.

O princípio da dignidade humana consubstancia-se no respeito ao ser humano quanto à sua liberdade de pensar, vestir-se, locomover-se, ter uma ideologia e um credo religioso ou não ter qualquer convicção filosófica ou espiritual, bem como de manter sua independência para agir dentro dos costumes e padrões morais e éticos que entende que sejam condizentes. É princípio amplo, abrangendo a própria vida, sob o ponto de vista físico e espiritual. Trata-se de valor constitucional supremo que agrega a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais do homem (art. 1.º, III, da Constituição Federal). É um sobreprincípio, contemplando a legalidade; a liberdade, em todas as suas formas.

 

III. O ABUSO DE AUTORIDADE PELO ESTADO: O ?EXEMPLO? DAS PRÁTICAS NORTE-AMERICANAS

Muitas são as formas que refletem a autoridade de determinado Estado. Apenas a título de exemplo, citam-se os Estados Unidos da América. Sabe-se que os processos burocráticos impostos pelo referido país são extremamente taxativos, principalmente com os países aos quais não institui acordos e/ou tratados de cooperação em um nível mais expressivo.

O exemplo da fronteira com o México torna isso ainda mais evidente. O ?transfronteiriço? ? (aquele que atravessa a fronteira) como classificou Ruiz (1996) em seu ensaio sobre as relações fronteiriças entre EUA e México ? figura como ?um conceito aglutinador para ajudar a esclarecer a singularidade e a diversidade do tema?. Essa situação tem sido utilizada para definir, um comportamento singular, e talvez uma identidade, numa região específica.

Este estudo serve como parâmetro para a análise que podemos discorrer. É fato que a cultura americana (american way of life) há muito vem ?cativando? as pessoas de diversas regiões do mundo. É certo que a cultura, fortemente explicitada pelo modelo econômico do país ? o capitalismo ? emerge a cada dia enaltecendo os prazeres hedonistas e consumistas.

Talvez, então, seja por fatos como este a política externa do referido país seja ?forçada? a adotar medidas migratórias mais rígidas. Entende-se que as práticas de barragem e ?filtro? de estrangeiros seja um modo de controlar o povoamento pelos imigrantes. Nem falemos, então da questão terrorista ? que com toda certeza já é uma boa razão para endurecer as práticas alfandegárias.

Ainda utilizando-se da questão americana, percebe-se que tais medidas acima citadas são apenas aplicadas nas relações com determinados Estados. Na relação Brasil X EUA é vigente o Princípio da Reciprocidade (aliás, uma das medidas mais comuns nos tratados internacionais entre os países) que garante os mesmos direitos a americanos e brasileiros, principalmente nas questões de vistos de permanência.

O Princípio da Reciprocidade é invocado como um dos mais antigos no Direito Internacional. Tratados dos séculos XII e XIII dele já se utilizavam para justificar o cumprimento de normas. Tal princípio vem sendo aplicado tanto no caso de respeito às normas internacionais, quanto no de sua violação.

?Reciprocidade é medida de igualdade, que tem a finalidade de atingir o equilíbrio, agindo mais numa zona cinzenta entre o fato e o Direito, e possui natureza política? (REZEK, 2010, p.216) .

O que se pretende elucidar ao citar essa realidade é que qualquer brasileiro que tenha dupla nacionalidade de algum país pertencente à União Européia não encaixa-se nesta regra. Acontece que as relações diplomáticas dos EUA com os europeus são outras, e diga-se de passagem, muito diferentes e amistosas. Portanto, se tens dupla nacionalidade não precisas passar pelos processos burocráticos para a obtenção do visto americano (taxas, formulários, documentos, filas, deslocamento); basta apresentar sua dupla nacionalidade ao oficial de imigração.

Ainda a título de exemplo, tem-se a própria relação entre os países do Mercosul. Devido aos pactos e acordos internacionais existentes.

Apesar do exposto, a fiscalização das fronteiras do Estado, bem como a imposição de regras para entrar no país, está dentro da competência do Estado, como pessoa jurídica de Direito Internacional Público, cita-se Rezek (2010, p.2):

?O Estado, no plano internacional, não é originalmente jurisdicionável perante corte alguma. Sua aquiescência, e só ela, convalida a autoridade de um foro judiciário ou arbitral, de modo que a sentença resulte obrigatória e que seu eventual descumprimento configure um ato ilícito?.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que de um lado se tem a liberdade individual e de outro a soberania estatal. Porém, o reconhecimento da liberdade de locomoção de pessoas como princípio norteador do Direito traz consigo uma característica irradiadora sobre os demais ramos do sistema jurídico, tendo o poder de paralisar qualquer norma que com este conflitar. Assim, as limitações impostas à imigração devem se lastrear em motivos extremos (como proteger a segurança nacional e a ordem pública) e de cunho genérico, evitando-se discriminações.

Enfim, ?não pode o Estado utilizar-se de subterfúgios com o escopo de mascarar sua autoridade? (BADARÓ, 2010), seja por motivos discriminatórios ou por razões de ordem econômica, securitária e social em detrimento do bom relacionamento internacional e o respeito aos direitos essenciais do indivíduo. Notadamente o direito de ir e vir, que desde 1948 (instauração dos Direito Humanos) é um princípio a ser seguido pelas nações é violado, ferindo veemente os fundamentos e garantias humanitárias.

Apesar de tais constatações, é infeliz perceber que tais práticas dificilmente serão mudadas. O que ocorre é que a soberania de cada Estado ainda é legítima e forte o suficiente para impor limites aos fluxos migratórios.

 

REFERÊNCIAS

BADARÓ, Rui Aurélio de Lacerda; SANCHES, Greiciane de Oliveira. Direito de ir e vir: princípio a ser seguido pelas nações. 2010. Disponível em: Acesso em: 14 out 2010.

BARRAL, Welber. Direito Internacional: normas e práticas. Florianópolis: Ed. Fundação Boiteux. 2006.

BOVO, Cassiano Ricardo Martinez. Anistia Internacional: roteiros da cidadania-em-construção. São Paulo: Annablume, 2002. Disponível em: Acesso em: 19 out 2010.

MELLO, Celso D. De Albuquerque.  Direito Internacional Público: Tratados e Convenções. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1997. 5 ed.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva. 2010.

RUIZ, Olivia. O Ir e Vir: as relações fronteiriças. 1996. (México e EUA). Disponível em: Acesso em: 25 out 2010.

[1] Estudante da 2ª fase de Direito da UNERJ e estagiária.

CategoryArtigos
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