Julio Max Manske[1]

 

1.Introdução:

 

Previsto originariamente no Código Civil, o instituto da novação sofreu interferência da legislação especial que trata da recuperação judicial, obrigando ao seu reconhecimento mesmo diante da ausência de concordância do credor, mas condicionando seus efeitos ao cumprimento do plano respectivo. Inobstante tais conceitos inovadores, tem-se que a situação do avalista deve ser melhor explicitada, pois da forma como prevista no texto legislativo, pode-se obter interpretações distintas quanto aos seus efeitos.

 

2.Da Novação

 

A respeito da novação, estabelece o Código Civil que:

 

Art. 360. Dá-se a novação:

I – quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;

II – quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

III – quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.

 

Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição.

 

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

 

Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados.

 

Em linhas gerais, pode-se concluir ser a novação a constituição de nova obrigação, em substituição da anterior, na qual pode ocorrer, inclusive, a própria substituição do devedor, não havendo direito de regresso ao devedor original, caso o novo torne-se inadimplente.

 

Além disso, não obrigando-se os devedores solidários pela novação, tem-se estes como exonerados, não respondendo seja pela obrigação antiga, seja pela nova.

 

3.Da Lei de Recuperação Judicial

A Lei 11.101/05, por sua vez, ao tratar do instituto da novação, a abordou da seguinte forma:

 

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei

 

 

Para Jose da Silva Pacheco[ii], da análise do referido dispositivo legal, destacam-se: ?1º) ele estabelece que a aprovação do plano de recuperação judicial, por qualquer das formas previstas no art. 58, (..) envolve novação dos créditos anteriores ao pedido de recuperação judicial; 2º) esse plano obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos; 3º) mantêm-se, porém, as garantias reais anteriormente contratadas, dependendo de expressa aprovação do credor a sua supressão, substituição, ou alienação dos bens, objeto da garantia.

 

Ao mesmo tempo que estabelece a novação dos créditos sujeitos a recuperação, prevê a legislação especial que ?Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.?, razão pela qual, se aponta a referida novação como sendo de natureza condicional (do cumprimento das obrigações assumidas no plano de recuperação).

3.Dos responsáveis solidários

No que se refere aos responsáveis solidários e o instituto da novação, tema do presente artigo, retira-se do texto legal o que segue:

 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

 

§ 1o Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

 

 

A interpretação doutrinária de Pacheco, sobre o tema, é no sentido da manutenção da garantia acessória, inobstante a novação, apontando que se houver a obrigação de pagar a dívida como principal pagador ou devedor solidário, o credor pode exigir dele todo o débito, antes mesmo de cobrar do devedor.

 

A interpretação jurisprudencial, alias, não destoa deste entendimento, como se observa:

 

AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LIMINAR. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL A COOBRIGADOS AVALISTAS. PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL SUSPENSO. PLANO DE RECUPERAÇÃO AINDA NÃO APROVADO. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 49, § 1º, DA LEI 11.101/2005.

1. Pedido de reconsideração recebido como agravo regimental tendo em vista ter sido protocolizado no prazo de cinco dias a que alude o art. 39 da Lei 8.038/90.

2. O art. 49, § 1º, da Lei 11.101/2005 prevê que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

3. Conquanto seja de competência do Juízo da Recuperação verificar a extensão da responsabilidade dos sócios, decidindo inclusive pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em recuperação quando for o caso, não parece que essa competência alcance a garantia dada pelo avalista, mesmo que sócio, porquanto se trata de obrigação autônoma, que não é afetada pela recuperação judicial ou pela falência. Precedentes.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RCDESP no CC 120.210/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/03/2012, DJe 18/04/2012)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO MONITÓRIA EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DEFERIDA À EMPRESA EXECUTADA.

CONTINUAÇÃO EM RELAÇÃO AOS DEMAIS EXECUTADOS. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO DESTA CORTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ CONFIRMADA.

1.- “Conforme o disposto art. 6º da Lei n. 11.101/05, o deferimento de recuperação judicial à empresa co-executada não tem o condão de suspender a execução em relação a seus avalistas, a exceção do sócio com responsabilidade ilimitada e solidária.” (EAg 1.179.654/SP, Rel.

Min. SIDNEI BENETI, DJe 13.4.2012).

2.- O recurso não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

3.- Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1250484/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012)

 

Não se olvide, entretanto, decisão anterior em sentido oposto, qual seja:

 

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME DE MATÉRIA DE MÉRITO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. SUSPENSÃO.

I. Há entendimento nesta Corte de que não se mostra consentâneo com a recuperação judicial o prosseguimento de execuções individuais, devendo estas ser suspensas e pagos os créditos de acordo com o plano de recuperação homologado em juízo.

II. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 1297876/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 29/11/2010)

 

Ocorre, porém, que salvo melhor juízo, o texto legal contido no artigo 49, par. 1º, da Lei de Falências, não se reporta a direito indisponível, podendo, deste modo, ser objeto de renúncia pelo credor. Além disso, pode-se retirar, ainda, interpretação diversa daquela exposta nas decisões citadas, com todo o respeito ao mais alto grau de julgamento da legislação federal. Mas, pode-se interpretar a regra legal de forma diversa, como se verá na sequencia.

 

Por questão de ordem, aborda-se, em princípio, a possibilidade de flexibilização do texto legal, quanto a renúncia do direito de ação aos coobrigados.

 

O artigo 59, LFRE, entretanto, não traz aos credores um direito indisponível, que não pode ser flexibilizado, contrariamente aqueles de ordem trabalhista (apenas para exemplificar).

 

Da mesma forma, a previsão contida no artigo 49, par. 1º da mesma Lei, dispõe a regra geral, não havendo vedação a sua renúncia, justamente por se estar diante de um direito disponível em uma relação privada.

 

Deste modo, a regra contida na LFRE, no que pertine a novação, é que esta não produz, automaticamente, efeitos contra os garantidores, no entanto, não há vedação legal para sua convenção.

 

Convenção essa, aceita pelos credores quando a previsão estiver expressa no plano e o referido credor (ou credores) não comparecerem na data da assembleia e, ainda assim, sendo aprovada pela maioria, fica a minoria, sujeita as regras expostas no mesmo, notadamente pelo caráter de publicidade dado tanto ao plano de recuperação, como a própria assembleia de credores.

 

Assim, a sustentação que se apresenta, é que as disposições legais contidas nos artigos 49, par. 1º, e 59, da LFRE, não são de caráter indisponível, admitindo disposição de forma contrária, sem que tal ato implique em modificação da Lei.

 

Nesse sentido, ou seja, da renúncia a direitos disponíveis, o próprio STJ, já decidiu que:

 

CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO.

1. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do direito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, como isso, a manutenção do contrato. Portanto, não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por 06 anos. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual.

2. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação. Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa. Precedentes.

3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular.

4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio.

5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1202514/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 30/06/2011)

 

Nesse mesmo sentido, do Egrégio Tribunal catarinense, retira-se que:

 

APELAÇÃO CÍVEL – PROCEDIMENTO MONITÓRIO – MENSALIDADES ESCOLARES – INADIMPLÊNCIA – EMISSÃO DE NOTAS PROMISSÓRIAS APÓS PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO – DIREITO DISPONÍVEL – RENÚNCIA TÁCITA – RECLAMO INACOLHIDO.    A renúncia é ato jurídico unilateral através do qual o titular se despoja de um direito, estando disciplinada nos arts. 191 do atual Código Civil, e 161 do anterior.    Tratando-se de direito disponível e ausente prova de vício de vontade, a par de inexistir na espécie prejuízo de terceiros e sendo realizada após a prescrição se consumar, e tacitamente, diante da prática de ato incompatível, qual seja, a subscrição de notas promissórias, há extinção do direito em face da presença dos elementos subjetivo e objetivo.    Incogitável nesse contexto o reconhecimento de prescrição das cártulas. (Apelação Cível n. 2006.033232-1, de Chapecó, rel. Des. Francisco Oliveira Filho).

 

Tal disposição, inclusive, consta de redação expressa do artigo 282, do Código Civil, nos seguintes termos:

 

Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores.

Diante do exposto, apresentada a proposta de renúncia das garantias pessoais no plano de recuperação judicial e, aprovado este sem tais ressalvas em uma assembleia de credores legítima, tem-se como legal sua aplicação, sem que tal ato importe em modificação da lei.

 

Não obstante todo o arrazoado no sentido da extinção das obrigações dos garantidores, tem-se que mesmo entendendo-se pela impossibilidade de extinção de obrigações destes, pelos dispositivos contidos nos artigos 49, par. 1º e 59, ambos da LFRE, tem-se que da mesma forma, torna-se impraticável a exigência da obrigação aos coobrigados, enquanto pendnete condição resolutiva da novação.

 

Isto porque, ao que parece, existe uma incorreta interpretação dos referidos dispositivos legais, como se observa:

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei.

 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

 

§ 1o Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e     obrigados de regresso.

 

Em primeiro lugar, tem-se que como inconteste a ocorrência da novação, no que se refere aos débitos sujeitos à recuperação judicial.

 

Assim, considerando as disposições incontestáveis (ocorrência da novação e sujeição do débito ao plano de recuperação), tem-se que a dívida originária, quando sofre modificações, seja em seu valor (em face do deságio, por exemplo) como na forma de pagamento, não pode coexistir com a dívida original.

Assim, aprovada a alteração de valores e/ou forma de pagamento em plano de recuperação judicial, tem-se que a novação ocorreu. Ainda que se admita que não restou afastada a responsabilidade dos garantidores, tem-se que a dívida, agora novada, não encontra-se vencida, dada as novas condições da mesma.

A interpretação da norma legal, leva a crer (ainda que pendente a discussão sobre a flexibilização da mesma e renúncia a tais garantias), na manutenção da garantia pessoal, podendo exigir-se deste os pagamentos, quando não honrada a proposta prevista no plano de recuperação aprovado pelos credores.

 

Isto é, aprovado o plano, opera-se a novação da dívida (sem extinção das garantias). Cumprida a obrigação contida no plano, tem-se como extinta a mesma e, por consequência as respectivas garantias.

 

Descumprido o plano, decreta-se a falência da empresa em recuperação e, por consequência, retorna ao credor o direito de exigir seu adimplemento dos garantidores pessoais, tendo em vista que a novação era condicional ao referido cumprimento e tais obrigações.

 

Por ora, aprovado o plano e não o descumprido, mantendo-se a empresa em recuperação, tem-se como inadmissível a exigência da dívida integral, nos valores e prazos originais diretamente dos garantidores.

 

A dívida original não pode ser novada com a empresa em recuperação (alterando-se o valor e forma de pagamento) e continuar sendo exigida nos moldes anteriores dos garantidores. Ou a dívida foi novada, ou não. E, nos termos do plano de recuperação, bem como do artigo 59, da LFRE, ocorreu a novação.

 

Trata-se de condição suspensiva, que impede a propositura da execução ou, ainda, sua continuidade, conforme preconizam os artigos 572 e 614, III, ambos do CPC, acarretando, em tese, a nulidade da mesma (618, III, c/c 745, I, ambos do CPC).

 



[i] [i] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral e Processo Penal no Centro Universitário Católica de Santa Catarina (desde 2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009. Especialista em Corrupção, Crime Organizado e Terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha 2011); Pacificador Social, através do Curso de Gerenciamento de Crise, turma 2011/1, pela Polícia Militar da Paraíba.

[ii] Pacheco, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. Forense. Rio de Janeiro. 2009.

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