É visível o conflito normativo entre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.514/97, que traz a resolução dos contratos de alienação fiduciária de bens imóveis e suas consequências, o que tem gerado certa insegurança na prática jurídica.
De maneira simples, a alienação fiduciária nada mais é do que uma alienação em garantia, ou seja, é a transmissão da propriedade de um bem ao credor para garantia do cumprimento de uma obrigação do devedor, que permanece na posse direta do bem, na qualidade de depositário.
E embora o tema possua entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, encontram-se habitualmente nos tribunais pátrios as mais diferentes decisões, dentre elas muitas permitindo a resolução da operação de crédito, determinando ao credor fiduciário a restituição, no todo ou em parte, do que foi pago pelo devedor fiduciante, indo exatamente de encontro ao fundamentado por aquela instância superior.
Em virtude desse cenário, recentemente, o STJ resolveu incluir a temática no regime de julgamento dos recursos repetitivos, selecionando para tanto o REsp 1.871.911/SP.
É preciso fazer um alerta antes de qualquer análise mais profunda: toda a discussão gira em torno da possibilidade (ou não) de resolução do contrato de compra e venda com pacto adjeto (cláusula inserida no contrato com a finalidade de garantir seu adimplemento ou modificar seus efeitos) de alienação fiduciária com restituição das quantias pagas, em virtude da impossibilidade de pagamento pelo devedor fiduciante ou até mesmo por seu desinteresse em continuar no negócio jurídico estabelecido.
Nessas situações, para esse tipo de ação, fundamentam-se os pedidos e as decisões, às vezes procedentes e outras improcedentes, o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90); os artigos 26 e 27 da Lei de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis (Lei 9.514/97); e, por fim, a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça, sendo necessário identificar e distinguir alguns dos institutos e a aplicabilidade dessas normas jurídicas.
Apesar de nos depararmos com julgados em outro sentido, tem-se que a utilização da Súmula 543 do STJ é completamente inaplicável para fundamentar o direito à resolução e restituição das quantias pagas nos contratos de compra e venda de bens imóveis com pacto adjeto de alienação fiduciária, visto que o referido verbete sumular trata especificamente e somente do instituto da promessa de compra e venda. E, como é sabido, trata-se de um instituto completamente diferente do contrato de compra e venda com alienação fiduciária de bem imóvel, cuja natureza jurídica é bem mais complexa, pressupondo um contrato definitivo, um mútuo/operação de crédito, um gravame de garantia real e a transferência da propriedade, ainda que resolúvel, e da posse.
A discussão, verdadeiramente, abrange a aplicação do artigo 53 do CDC ou dos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97 nos casos de inadimplemento por parte do devedor fiduciante, em que de um lado temos que o CDC, naquele artigo destaca, in verbis: “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.” (BRASIL, 1990).
E do outro lado, os artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97 dão conta de um longo, burocrático e relativamente custoso procedimento extrajudicial de execução da garantia fiduciária, em caso de inadimplemento do devedor fiduciante, em que são oportunizadas possibilidades de pagamento do débito em atraso pelo devedor ou ainda a quitação do imóvel e, em última instância, preferência na arrematação do imóvel quando da hasta pública obrigatória.
O entendimento consolidado no STJ é de que nesses casos devem imperar os mandamentos legais contidos na Lei 9.514/97 sobre a regra do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que há uma lei especial sobre o tema e posterior ao CDC. Antes da Lei 9.514/97 nem mesmo existia o instituto da alienação fiduciária de bens imóveis, portanto, não seria possível à legislação consumerista trazer regramento sobre algo que ainda não existia. Por outro lado, é plenamente possível vislumbrar que quando o legislador estendeu a normativa do artigo 53 do CDC à alienação fiduciária, o fez pensando no Decreto Lei 911/69, que trata especificamente do instituto da alienação fiduciária aplicável aos bens móveis, legislação específica, porém anterior ao CDC.
Ressalta-se que o presente estudo não propõe ou defende a inaplicabilidade geral do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de compra e venda com pacto de alienação fiduciária, permanecendo ainda o dever de observância de todos os princípios e regramentos consumeristas desde a fase pré-contratual, quanto durante a execução dos contratos e até após a sua extinção, desde que não sejam conflitantes com a normativa jurídica da legislação especial.

Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2020-jul-23/tiago-macedo-alienacao-fiduciaria-bens-imoveis-cdc. Acesso em: 23 jul. 2020.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990. Brasília, 11 set. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 24 jul. 2020.

        

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