Romeo Piazera Júnior[1]

 

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda a questão da eventual inconstitucionalidade dos depósitos recursais, que são exigidos pela Justiça do Trabalho para fins de preenchimento de um dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal.

Se de um lado é possível apontar que em defesa da tese dos que admitem a constitucionalidade destes depósitos recursais, verifica-se tanto a questão de política judiciária, que vê na exigência do depósito prévio um elemento filtrador para a análise das demandas, assim como uma forma, também de garantir a execução das decisões proferidas, de outro lado, também nos é possível conhecer os fundamentos dos que apontam as possíveis inconstitucionalidades dos depósitos recursais, na medida em que estariam a ferir de morte princípios constitucionais que servem de orientação maior a toda a teia legislativa que lhe deve submissão.

Assim, com o presente artigo, humildemente objetiva-se demonstrar com qual fileira (ou a dos que admitem ou a dos que rechaçam a exigência dos depósitos recursais pela Justiça do Trabalho), milita o melhor direito e, assim, seria distribuída a necessária Justiça, esta vista como fim supremo pretendido e razão da própria existência do Direito.

 

2 OS DEPÓSITOS RECURSAIS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Como é pertinente considerar, com fundamento no artigo 899 e seus parágrafos, assim como por intermédio das Leis n°s 8.177/91, 8.542/92 e mais recentemente a Lei n° 12.275/10, a Justiça do Trabalho condiciona o conhecimento dos recursos que lhe são endereçados, à verificação do cumprimento por parte do(a) recorrente, no que diz respeito à comprovação do depósito prévio do valor da condenação que lhe foi imposta pela sentença atacada por meio do expediente recursal, observados os limites de valores, considerados estes como ´tetos máximos´ que são fixados pela legislação específica que trata da matéria.

Trata-se, pois, como sabemos, da verificação feita pelos Tribunais Trabalhistas, quanto ao preenchimento de apenas um dos pressupostos extrínsecos que servem de condição de admissibilidade do recurso interposto. Os demais pressupostos extrínsecos normalmente são apontados como a [1] tempestividade; e [2] regularidade da representação processual.

Como mencionado alhures no preâmbulo deste artigo, entre os que defendem a constitucionalidade dos depósitos recursais exigidos pela Justiça do Trabalho, é possível destacar algumas das razões que lhes servem de suporte para assim considerar, senão vejamos:

Entendem, os que assim pensam (com a admissão de inabalável constitucionalidade dos depósitos recursais), que o depósito recursal não fere o direito de ação, uma vez que o recorrente pode ingressar em juízo sem ter que fazer qualquer depósito para propor a ação, não se excluindo da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito (art. 5°, XXXV, da Lei Maior).

De outra banda, há também o argumento feito no sentido de que o depósito recursal trabalhista estaria privilegiando os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que por exemplo, o art. 40 da Lei n8.177/91, não impede o empregador de recorrer, servindo apenas de elemento garantidor da execução, constituindo-se, assim, um dos pressupostos objetivos do direito de apelar.

Também, há os que argumentam que os depósitos recursais trabalhistas não violam o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei, pois é evidente que o empregado e o empregador são desiguais. Argumentam, pois, que o empregado, caso tivesse de depositar para recorrer, não teria condições econômicas para tanto. O empregador, ao contrário, possuiria condições materiais para efetuar o depósito.

Existem também aqueles que justificam a constitucionalidade (por intermédio da validade das leis que lhe são subordinadas e que instituem e regem os procedimentos para o depósito recursal), pelo singelo e paradigmático fato de que em outras modalidades de processos, como por exemplo em alguns casos de processos administrativos, assim como os de multa de trânsito ou multa administrativa imposta pelas DRT´s (§ 1° do art. 636 da CLT), o  recorrente somente pode interpor o apelo se fizer o pagamento da importância em que foi autuado, como condição para recorrer. Dizem estes, ainda, que mesmo no processo civil, já se cogita da instituição de depósito para recorrer, objetivando obstaculizar a interposição de recursos considerados protelatórios, garantindo, assim, a rápida satisfação do julgado.

Assim, argumentam os que acolhem a legalidade e constitucionalidade do depósito recursal trabalhista, que como medida de política judiciária, o objetivo do depósito recursal não é o de impedir o recurso, mas sim de dificultar a interposição de recursos protelatórios do feito e facilitar a execução da sentença, principalmente as de pequeno valor, imprimindo maior celeridade no andamento do processo.

Destarte, malgrado os argumentos anteriormente apresentados, com o devido respeito, a aplicação do melhor Direito não converge para as manifestações apontadas, sendo possível considerar, assim, que os depósitos recursais trabalhistas padecem de inconstitucionalidade, razão pela qual não se mostram como instrumento hábil à entrega da pretendida Justiça aos jurisdicionados, senão vejamos:

Já vai longe no tempo, a situação em que no cenário judicial trabalhista, protagonizavam, de um lado, o trabalhador frágil, desconhecedor dos seus direitos, desassistido por qualquer apoio tal como o que hoje se verifica com a presença cada vez mais forte dos sindicatos e, de outro lado, o empregador, tal como um ser considerado dominante na relação capital-trabalho, que impingia aos trabalhadores as condições mais cruéis e desumanas, inclusive, no que diz respeito ao descumprimento às regras trabalhistas mais elementares, assim como as que determinam condições sadias e hígidas de segurança, medicina e ergonomia (naqueles tempos nem se falava de ergonomia laboral).

Como se vê, o cenário trabalhista que existia na época de Getílio Vargas, e que serviu de ´pano de fundo´ para a instituição do depósito recursal no âmbito da Justiça do Trabalho, em muito difere do cenário que hoje assistimos. Hodiernamente, verificamos uma ´industrialização´de demandas trabalhistas, muitas vezes provocadas pelo mero desejo de se ajuizar uma ação trabalhista, que nem sempre é desencadeada pelo eventual interessado (entenda-se ? empregado), sendo inescondível considerar que alguns advogados ou mesmo sindicatos, na verdade, são os verdadeiros estimulantes e geradores para o ajuizamento de demandas trabalhistas.

Também, não mais encontra amparo no cenário trabalhista atual, aquela figura do trabalhador desamparado, frágil, desconhecedor dos seus direitos, não havendo que se falar em hipossuficiência objetiva destes, tal como assim poderia se caracterizar no cenário trabalhista da época de Getúlio, e que serviu de marco temporal para a instituição da CLT.

Por outro lado, também não se pode deixar de reconhecer que o empregador de hoje, em muito difere daquele que frequentava as demandas trabalhistas nos anos de 1940 e 1950, que constituem-se nos anos básicos em que toda a espinha dorsal da legislação trabalhista tal como a concebemos hoje, foi criada.

O empregador atual, ainda que com exceções que são peculiares a qualquer regra, mostra-se um cumpridor da legislação trabalhista de modo e com amplitude absolutamente diferentes daquele que (na época de Getúlio), mais parecia com um carrasco para seus empregados.

O empregador de hoje, portanto, tem plena consciência de que, sem o trabalho, o capital não possui condições de movimentar a roda do desenvolvimento e, com isso, não se atinge o pretendido lucro.

Assim, tal como as relações trabalhistas evoluíram, o Direito que por natureza é dinâmico, também necessita evoluir, não se fazendo crível admitir que, mesmo com a evolução destas relações, as normas trabalhistas que impõem exigências de depósitos recursais, permaneçam imutáveis, provocando afronta a princípios constitucionais de uma Carta Política que, gerada e apresentada à sociedade no ano de 1988, representou e abergou avanços também verificados nas relações de trabalho.

Destarte, o descompasso existente entre os dispositivos que exigem o cumprimento do depósito recursal prévio, para conhecimento de recursos trabalhistas, e os comandos agasalhados pela Constituição Federal, é flagrante.

Salvo melhor juízo, os dispositivos legais que determinam a realização, pelos recorrentes (sejam empregados ou empregadores), do depósito prévio para fins de conhecimento dos seus recursos, ofendem sim o livre acesso ao Judiciário, assim como o duplo grau de jurisdição e a igualdade de tratamento entre as partes.

A ofensa ao art. 5°, inciso XXXIV, letra ´a´, da CF que determina que `Art. 5°…XXXIV ? são a todos assegurados, independentemente, do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos poderes Públicos em defesa de direios ou contra ilegalidade ou abuso de poder`, é gritante e salta aos olhos. E nem se diga que o depósito não se constitui em taxa, uma vez que não é pela questão do nome dado às coisas que devemos considerar a sua validade, ou não. Mutatis mutandis, seria o mesmo que pretendermos pendurar uma placa no pescoço de uma vaca e, rotulá-la, doravante, de ´zebra´, pretendendo que a vaca (aqui equiparada ao depósito recursal prévio), passa-se a ser identificada como zebra (aqui equiparada a taxa), e assim tudo estaria resolvido. As coisas não funcionam assim.

A exigência do depósito prévio à interposição de recurso trabalhista fere, ainda, os incisos XXXV e LV, do mesmo art. 5° da CF.

As violações mencionadas acima, verificam-se uma vez que privam o jurisdicionado da apreciação pelo Judiciário do seu inconformismo, assim como obstaculiza o exame da matéria em sede de grau recursal.

E nem se alegue que eventualmente as empresas, tendo em vista que são pessoas jurídicas, teriam plenas condições de suportar os depósitos recursais, haja vista que seus valores frente aos respectivos capitais de cada uma destas empresas, não trariam grandes embaraços ou dificuldades financeiras.

O que verificamos é que no Brasil atual, a maioria esmagadora dos empregadores se constitui de micros, pequenos e médios empresários, que frente a uma exigência inconstitucional (de realização de depósito prévio ao conhecimento dos seus recursos trabalhistas), ficam ou descapitalizados ou impedidos (na prática), de ver apreciado o seu recuso, obstaculizando a revisão da lide em segundo grau, ferindo, assim, o mandamento e garantia constitucional.

Destaca-se que a atividade judicante é exercida unicamente pelo Estado, representado pelo Poder Judiciário, visando a distribuição da Justiça, o que enaltece a sua essencialidade para as relações humanas e impede, por outro lado, que o jurisdicionado possa ver examinado, por outro órgão, seu pleito recursal.

Impor um tratamento desigual a fim de garantir uma possível e aparente igualdade, que é dúbia frente à grande maioria de micro, pequenos e médios empresários, é partir de uma visão estereotipada e míope, de que todo aquele que se mostra vencido, num primeiro momento, em uma discussão judicial, visa apenas prejudicar o vencedor, ou mesmo burlar a legislação. Como mencionado alhures, talvez pensar desta maneira em 1940 fosse até possível, contudo, atualmente, não mais se mostra razoável e nem tampouco justo.

Hodiernamente, vê-se a alteração do relacionamento entre o capital e o trabalho, sempre procurando objetivar uma maior flexibilização, uma vez que indiscutivelmente a nossa população vem adquirindo um maior amadurecimento das relações interpessoais, sobretudo entre empregados e empregadores.

Nota-se, assim, que muitas das questões que são postas em discussão perante o Judiciário, em especial a nível trabalhista, trazem em seu bojo pretensões opostas juridicamente viáveis e relevantes, que justificam a análise do caso em segundo e terceiro graus de jurisdição.

Assim, em homenagem a estas transformações, e ante a viabilidade das pretensões opostas, colocar óbice ao acesso ao Judiciário, o que acaba por ocorrer com a exigência de depósito recursal prévio, da forma e em valores como os que atualmente verificamos, violenta insofismavelmente a Constituição e causa prejuízo irreparável ao direito das partes, sendo que não se pode caracterizar como distribuída e feita a necessária Justiça.

 

Sendo assim, por todos os ângulos que se analise a questão, seja no tratamento diferenciado entre as partes, seja no óbice ao exame da matéria perante o segundo e terceiro graus de jurisdição, verifica-se a inconstitucionalidade do depósito recursal. Talvez a melhor solução e que representaria privilégio aos princípios constitucionais que regem a matéria, seria a adoção de cobrança de um valor a título de custas judiciais, em valores razoáveis e que não impeçam o exercício pleno ao acesso judicial, tal como hodiernamente ocorre com a maioria dos processos que tramitam perante as Justiças Estaduais e também perante a Justiça Federal. Assim, por certo, poderia se atingir a necessária Justiça, tão almejada e postulada pelos jurisdicionados ou, ao menos chegar mais próximo dela.

 

3 CONCLUSÃO

Por todo o exposto, pode ser verificado que a exigência de depósito prévio para a interposição de recurso na Justiça do Trabalho, tão enraizado hoje no ordenamento jurídico, carece de uma reanálise pelo Supremo Tribunal Federal, na condição de guardião maior da Constituição, ante a manifesta inconstitucionalidade que representa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br.

______. Lei n° 8.177, de 1 de março de 1991. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br.

 

______. Lei n° 8.542, de 23 de dezembro de 1992. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br.

 

______. Lei n° 12.275, de 29 de junho de 2010. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br.

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 26. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relações de emprego. 3. ed., rev. e ampl., São Paulo: LTr, 2001.

 

MAGANO, Octavio Bueno, ABC do direito do trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

 

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 16. ed., atual. São Paulo: Atlas, 2002.

 

_______. Comentário à CLT. 10. ed., São Paulo: Atlas, 2006.

 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 9. ed., Curitiba: Juruá, 2005.

[1] Advogado inscrito na OAB/SC sob nº 8874. Sócio Fundador do Escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados (OAB/SC 1.029). Professor das disciplinas de Introdução ao Estudo do Direito, Direito Processual Civil III e Propriedade Industrial no Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj em aliança com a PUC-PR. Vice-Presidente da OAB/SC ? 23ª Subseção ? Jaraguá do Sul ? gestão 2010/2012. Membro da Câmara de Relações Trabalhistas da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina ? FIESC, filiado à Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas ? ACAT e integrante do Comitê Jurídico da FACISC ? Federação das Associações Comerciais e Industriais do Estado de Santa Catarina.

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