Julio Max Manske[1]

Resumo: o presente artigo tem como finalidade discutir acerca da aplicabilidade da pena de multa prevista na Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, tendo em vista a revogação da BTN, índice delineador do estabelecimento do valor da referida pena, bem como a aplicação subsidiária das regras gerais contidas no próprio Código Penal, notadamente em face do princípio da especialidade.

Palavras-chave: Pena. Multa. Valor. BTN. Ordem Tributária. Sonegação Fiscal. Crime. Princípio. Especialidade.

 

1.INTRODUÇÃO

Os crimes contra a ordem tributária, mais conhecidos como crimes de sonegação fiscal, encontram-se elencados na Lei 8.137/90 e possuem como retribuição pela sua prática, a estipulação de penas privativas de liberdade que variam de acordo com o tipo penal violado.

Além das penas corporais, os tipos penais relacionados nos artigos 1º, 2º e 3º, da referida Lei, estabelecem, ainda, a aplicação da pena de multa a seu infrator.

A pena de multa, prevista de forma genérica em tais normas penais, são completadas pela previsão contida na mesma Lei, em seu artigo 8º, que determina seja a pena de multa fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, considerando o dia-multa a ser determinado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional BTN (parágrafo único).

Ocorre, no entanto, que o BTN ? Bônus do Tesouro Nacional ? restou extinto pela Lei 8.177/91, esta decorrente da conversão da Medida Provisória n. 294/91. Ainda, nos termos do artigo 3º, parágrafo único da Lei em tela, o valor do BTN e do BTN Fiscal destinado à conversão para cruzeiros dos contratos extintos na data de publicação da medida provisória que deu origem àquela, assim como para efeitos fiscais, é de Cr$ 126,8621.

Deste modo, a partir da revogação do referido índice, passou-se a questionar a extensão dos seus efeitos, quanto a disposição contida no artigo 8º da Lei 8.137/90, ou seja, teria havido a revogação da pena de multa? deveria a pena ser atualizada conforme último valor estabelecido? ou dever-se-á aplicar a pena de multa, conforme os ditames estabelecidos no artigo 49, do Código Penal?

Buscando obter uma discussão a respeito deste tema, com a finalidade de compreender e identificar o fundamento para cada uma das alternativas, é que se dá desenvolve o presente artigo.

 

II ? DA FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA

Como se sabe, a norma geral para fixação da pena de multa em matéria penal, encontra-se detalhada nos artigos 49 e 60, ambos do Código Penal, os quais possuem a seguinte redação:

Art. 49 – A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

§ 1º – O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário

 

(…)

 

Art. 60 – Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.

§ 1º – A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo

Então, são duas as fases a serem verificadas pelo julgador ao proceder a dosimetria da referida pena, a primeira consistente em se estabelecer a quantidade de dias-multa e a segunda e definir o valor de cada dia-multa.

As regras para aplicação desta espécie de pena obedecem a seguinte ordem: para estabelecer a quantidade de dias multa, segue-se a fórmula prevista no artigo 68, do Código Penal (análise das circunstâncias judiciais do artigo 59, CP; das agravantes e atenuantes; e, por fim, das causas de aumento e diminuição da pena). Determinada a quantidade de dias, a fixação do seu valor obedecerá a situação econômica do réu, conforme artigo 60, CP (mediante informações existentes no processo e colhidas durante a instrução probatória).

Tal regramento encontra-se previsto no Título V, da parte geral do Código Penal e, assim, em razão de seu posicionamento sistêmico, terá aplicação em qualquer tipo penal que comine pena de multa, salvo se houver disposição legal em contrário.

Ou seja, o regramento acima estabelecido, será aplicado para qualquer crime, de qualquer legislação que estabeleça a multa, como espécie de pena, seja isolada ou cumulativa com a privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

A exceção, ou seja, a inaplicabilidade de tais regras, somente será possível quando houver previsão legal em sentido contrário. Trata-se, em verdade, do princípio da especialidade.

 

III ? DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

De acordo com o brocardo jurídico lex specialis derrogat generali[2], a lei de natureza geral, por abranger ou compreender um todo, é aplicada tão-somente quando uma norma de caráter mais específico sobre determinada matéria não se verificar no ordenamento jurídico. Em outras palavras, a lei de índole específica sempre será aplicada em prejuízo daquela que foi editada para reger condutas de ordem geral.

Rogério Greco[3], explanando sobre o assunto, aduz que:

“Em determinados tipos penais incriminadores há elementos que os tornam especiais em relação a outros, fazendo com que, havendo uma comparação entre eles, a regra contida no tipo especial se amolde adequadamente ao caso concreto, afastando, desta forma, a aplicação da norma geral.”

Assim, a norma penal especial[4] se evidencia a partir da combinação entre os elementos da lei geral e novos elementos, estes, por sua vez, chamados de especializantes. Além disso, é interessante lembrar que o princípio da especialidade afasta a incidência de dois tipos a uma mesma conduta, ou seja, impede que ocorra o bis in idem e, por conseqüência, evita que a punição seja duplamente aplicada em face de um mesmo delito.

A legislação penal fundamental, isto é, o Código Penal recepcionou o princípio da especialidade ao prever, em seu artigo 12, que as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

Resta apurar,  entretanto, a aplicação do referido princípio, em face da pena de multa estabelecida no artigo 8º da Lei 8.137/90.

 

IV ? DA PENA DE MULTA NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

A Lei 8.137/90 estabelece, em seus artigos 1º, 2º e 3º, penas privativas de liberdade a seus autores, cumulativamente com a pena de multa.

A pena de multa, conforme artigo 8º, da referida Lei, deve ser estabelecida obedecendo-se o seguinte regramento:

Art. 8° Nos crimes definidos nos arts. 1° a 3° desta lei, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Parágrafo único. O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional BTN.

Como se observa, a dosimetria da quantidade da pena de multa, corresponde a quantidade de dias, segue a mesma regra contida no artigo 49, do Código Penal. A fixação do valor do dia multa, sim, e que encontra previsão legal específica e diversa para os crimes desta natureza (contra a ordem tributária).

A estipulação pecuniária para cada dia multa, conforme artigo 8º, da Lei 8.137/90, não é fixado em frações do salário mínimo, conforme regra geral (art. 49, parágrafo único, CP), mas sim, entre 14 e 200 BTN?s ? Bônus do Tesouro Nacional.

Assim, a norma especial que disponha de maneira contrária a geral, em razão do princípio da especialidade, sobrepõe-se a essa última. Deste modo, nos termos do artigo 12, do Código Penal, a fixação da pena de multa para os crimes contra a Ordem Tributária, deve seguir os ditames contidos no artigo 8º, da Lei 8.137/90, em detrimento daquele contido no artigo 49 da Parte Geral do Código Penal.

A questão em discussão, é que desde 1991 que o BTN foi extinto, isto é, o índice utilizado para fixação da norma especial, restou revogado nos termos do artigo 3º, da Lei 8.177/91, como se observa:

Art. 3° Ficam extintos a partir de 1° de fevereiro de 1991:

I – o BTN Fiscal instituído pela Lei n° 7.799, de 10 de julho de 1989;

II – o Bônus do Tesouro Nacional (BTN) de que trata o art. 5° da Lei n° 7.777, de 19 de junho de 1989, assegurada a liquidação dos títulos em circulação, nos seus respectivos vencimentos;

 

(…)

 

Em face da revogação do índice delimitador da base de cálculo do valor da pena de multa nos crimes contra a ordem tributária, o que se vê, é um arcabouço jurídico de soluções aplicadas nos mais diversos Tribunais do nosso democrático pais.

 

V- DO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Em sucinta pesquisa virtual realizada sobre o tema, encontraram-se três correntes prioritárias para solucionar a questão relativa a revogação da BTN, no que se refere a aplicação da pena de multa para os crimes contra a Ordem Tributária.

A primeira hipótese sustentada, fundamenta-se na aplicação da vontade do legislador, ou seja, em uma interpretação sistêmica e teleológica da legislação específica. Segundo essa corrente, a vontade do legislador em estabelecer a pena pecuniária para crimes desta natureza, não pode ser afastada em face da revogação do índice que serve de baliza para sua fixação.

Assim, havendo norma geral que trata sobre a aplicação da pena pecuniária, afastada em virtude de posterior Lei específica, caso esta venha a ser revogada (a norma específica), prevalece a ordem geral, no caso, o artigo 49, do Código Penal.

Nesse sentido:

PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO. IRRF. PIS. COFINS. QUADRILHA. ART. 288 DO CP. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299 DO CP. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PARCELAMENTO. TRIBUTAÇÃO DOS ATOS ILÍCITOS. PRESCRIÇÃO. AUTORIA. MATERIALIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. CONSEQÜÊNCIAS. MULTA. FIXAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO.

 

(…)

 

10. A fixação da pena de multa deve observar os parâmetros do artigo 49 do CP, considerando a extinção do índice previsto no art. 9º, § único, da Lei 8.137/90 (BTN). 11. A pena privativa de liberdade, observados os requisitos do art. 44 do CP, pode ser substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, quando a condenação for superior a um ano de reclusão. Precedente da Quarta Seção do TRF/4.[5]

PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INCISO II DO ART. 1º DA LEI Nº 8.137/90. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ELEMENTO SUBJETIVO. MULTA. AUMENTO AO DÉCUPLO. ART. 10 DA LEI Nº 8.137/90. CONDIÇÕES ECONÔMICAS DO RÉU. DECRETO CONDENATÓRIO MANTIDO.

 

(…)

 

3. Em face da extinção do BTN, a multa deve ser fixada em salários mínimos, nos termos do art. 49 do Código Penal. 4. Considerando, no caso, o ganho ilícito obtido, a situação econômica do réu e a insuficiência da pena pecuniária, correta a incidência da causa especial de aumento da multa prevista no art. 10 da Lei nº 8.137/90.[6]

Nesta mesma esteira, retira-se de julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a necessidade de se estabelecer um valor a título de multa, ainda que extinta a BTN, tendo em foco o benefício do réu, na medida que a referida lei permite a substituição da pena privativa de liberdade pela pena pecuniária, ou seja, segundo referida decisão, a manutenção da pena de multa fundamenta-se como um direito do acusado de crimes desta natureza.

APELAÇÃO CRIMINAL ? ABATEDOURO CLANDESTINO ? CARNE IMPRÓPRIA PARA O CONSUMO ? CRIME DE PERIGO PRESUMIDO ? PERÍCIA PRESCINDÍVEL ? APLICAÇÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS ? SUBSTITUIÇÃO POR MULTA ? BENEFÍCIO DO RÉU.

 

(…)

 

II. O artigo 9º, inciso III, da Lei n° 8.137/80 prevê multa de 50.000 (cinqüenta mil) a 1.000.000 (um milhão) de BTN para os crimes do artigo 7º, inciso IX. Porque não existiu a conversão da BTN para qualquer outra moeda, com a extinção pela Lei nº 8.177/91, é mister a fixação de um valor a título de multa, por ser a substituição mais benéfica ao réu.

III. Apelo parcialmente provido.[7]

A segunda hipótese, por seu turno, embora reconheça como extinto o BTN, entende que o mesmo ainda possui poder econômico para fundamentar a aplicação da pena de multa, com base em seu último valor, qual seja, CR$ 126,86 (cento e vinte e seis cruzeiros e oitenta e seis centavos), atualizável monetariamente até a data da prática do ilícito.

Deste modo, a pena de multa (valor do dia multa) para os crimes contra a ordem tributária continua sendo estabelecida em BTN?s e a conversão de cada dia, se alcança através da utilização do último valor da BTN, quando da sua extinção.

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ART. 1º, V, DA LEI Nº 8137/90 – CARACTERIZAÇÃO SUPRESSÃO DE TRIBUTO – VENDAS DE MERCADORIAS TRIBUTADAS DESACOBERTADAS DE DOCUMENTAÇÃO REGULAMENTAR AUTORIA COMPROVADA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE CRITERIOSAMENTE FIXADA PENA DE MULTA NÃO REVOGAÇÃO EM FACE DA SUPRESSÃO DO BTN RECURSO DA DEFESA NÃO PROVIDO PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

(…)

 

Não restou abolida a pena de multa com a suspensão do denominado Bônus do Tesouro Nacional BTN.

 

(…)

Por outro lado, não obstante as ponderações do magistrado sentenciante, cabível se afigura a aplicação da pena de multa embora extinto o BTN (Bônus do Tesouro Nacional).

Pedro Roberto Decomain, a propósito, assevera que para a aplicação da pena pecuniária deve ser levado o BTN, no seu último valor congelado em CR$ 126,86 (cento e vinte e seis cruzeiros e oitenta e seis centavos) (in: Crimes Contra a Ordem Tributária, 3ª edição, Livraria e Editora Obra Jurídica Ltda., pág. 128), posição perfilada por Antonio Corrêa que defende que o valor das multas será o da BTN antes da supressão, e a partir de então deverá ser atualizada monetariamente e efetuada a conversão para ser atingido o padrão monetário em vigor, denominado de REAL (ob. cit., pág. 256).[8]

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, inclusive, possui entendimento no sentido de que correta encontra-se a fixação da pena pecuniária em BTN?s, atualizando-se seu último valor até a data do crime, somente admitindo-se a fixação em salários mínimos (regra geral ? art. 49, CP), quando não houver recurso de acusação para sua correção, uma vez que a regra geral, mostra-se mais benéfica ao réu.

No que pertine à revogação da pena de multa, ante a impossibilidade de aplicação analógica de outro índice que não o extinto BTN, inviável o seu acolhimento, pois, muito embora o valor do dia-multa tenha sido fixado equivocadamente em função do salário mínimo, quando, na verdade, deveria ter sido aplicada a determinação do parágrafo único do art. 8.º da Lei n. 8.137/90, que estipula o valor do dia-multa de conformidade com o extinto Bônus do Tesouro Nacional (BTN), constata-se que referida aplicação foi mais favorável ao acusado.

Com efeito, tendo a sentença condenatória fixado o dia-multa em 1/5 do salário mínimo vigente à época dos fatos, o que corresponde a 6 vezes o valor mínimo (que é de 1/30 do salário mínimo), conclui-se que o dia multa seria 6 vezes maior que o mínimo previsto na legislação especial, ou seja, 6 vezes 14 BTN’s, o que equivaleria a 84 BTN’s. E, atualizando-se até a data dos fatos (12/1996), quando o valor do BTN era de R$ 0,9768, o dia-multa deveria ter sido fixado em R$ 82,05. Ora, sendo estabelecida a pena de multa em 24 dias-multa, o total da sanção pecuniária seria de R$ 1.969,20.

E, como a pena de multa foi fixada com base no salário mínimo vigente à época (de R$ 112,00), o valor de cada dia-multa em 1/5 resulta em R$ 22,40. Logo, embora tenha sido equivocadamente aplicado o salário mínimo no cálculo da pena, esta totaliza R$ 537,60, portanto, inferior e mais benéfica do que se tivesse sido calculada pelo índice determinado na legislação especial (BTN), motivo pelo qual inviável sua correção[9]

A terceira hipótese, por fim, apresenta a extinção da pena de multa, representada pelo preceito secundário dos tipos penais definidos nos artigos 1ª a 3º, da Lei 8.137/90, com fundamento no princípio da especialidade, legalidade e anterioridade da lei penal, defendendo a inadmissibilidade da aplicação da analogia in malam parte, isto é, em desfavor do réu.

Segundo a corrente em comento, em primeiro lugar, ao haver lei especial que traz normas específicas para os crimes tratados em seu corpo, aplica-se o princípio da especialidade e afastam-se, por conseqüência expressa, as normas gerais previstas no Código Penal.

Assim, mesmo que posteriormente a Lei (ou apenas parte desta) venha a ser revogada, impedindo sua aplicação, a Lei geral não renasce para fazer valer suas disposições na ausência da Lei especial. Estar-se-ia, assim procedendo, transferindo a solução prevista para determinado caso a outro não regulado expressamente pelo ordenamento jurídico, mesmo que compartilhando, entre si, certos caracteres essenciais.

Trata-se, como se sabe, da vedação da aplicação da analogia em desfavor do réu. ?O seu emprego (argumento analógico) sofre restrições no que toca as normas penais incriminadoras e as normas penais não incriminadoras quando prejudiciais ao réu. Portanto, as normas penais que definem o injusto culpável e estabelecem as suas conseqüências jurídica, não são passíveis de aplicação analógica.?.[10]

Nessa esteira, traz-se esclarecedora decisão do Aerópago de Minas Gerais, assim proferida:

APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – SONEGAÇÃO DE ICMS – AÇÃO PENAL – INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – APLICAÇÃO DA MULTA VINCULADA AO SALÁRIO MÍNIMO – PREVISÃO DE FIXAÇÃO EM BÔNUS DO TESOURO NACIONAL – EXTINÇÃO PELA LEI 8.177/1991 – IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA – DECOTE QUE SE IMPÕE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, REJEITADA A PRELIMINAR.

 

(…)

 

No tocante à fixação da pena de multa com vinculação ao salário mínimo, entendo estar a merecer reforma o decisum hostilizado.

A Lei 8.137/90, que regula os crimes em apuração, previa a fixação da pena principal de multa em Bônus do Tesouro Nacional, o qual restou extinto com o advento da Lei nº 8.177/1991.

Os crimes, por sua vez, ocorreram posteriormente à extinção do BTN. Assim, se a lei aplicável é aquela vigente no momento em que praticado o fato, e se, nesta data, a unidade de valor que estabelecia o quantum da multa já estava extinta, o preceito que fixou a multa resultou revogado, sendo inaplicável.

Incabível, por conseguinte, a substituição do preceito por outro, in casu, pelo salário mínimo, porquanto a analogia é vedada no Direito Penal Brasileiro, pois ofende o princípio nullum crimen nulla poena sine previa lege.[11]

Em síntese, atesta-se que em primeiro lugar é necessário estabelecer a data em que o crime foi praticado, nos termos do artigo 4º, do Código Penal (tempo do crime). Se posterior a Lei que extinguiu a BTN, por manifesta obediência a preceito constitucional (art. 5º, XXXIX) e legal (art. 1º, CP), não há que se falar em aplicação da pena pecuniária, uma vez que ausente lei que a determine.

A aplicação analógica ao artigo 49, do Código Penal, como visto, também é afastada por esta corrente, segundo a qual, a interpretação analógica somente é admitida em nosso ordenamento jurídica, quando in bonam partem:

Os Estados Democráticos de Direito não podem conviver com diplomas legais que, de alguma forma, violem o princípio da reserva legal. Assim, é inadmissível que dela resulte a definição de novos crimes ou de novas penas ou, de qualquer modo, se agrave a situação do indivíduo. Dessa forma, as normas penais não incriminadoras, que não são alcançadas pelo princípio nullum crimen nulla poena sine lege, podem perfeitamente ter suas lacunas integradas ou complementadas pela analogia, desde que, em hipótese alguma, agravem a situação do infrator. Trata-se, nestes casos, da conhecida analogia in bonam partem.[12]

Pelas mesmas razões, entende-se incabível a manutenção da pena de multa,  utilizando-se o último valor da BTN mesmo que extinto, fazendo-se a sua correção, a partir da data da extinção

Ora, se a lei aplicável é aquela vigente no momento em que praticado o fato delituoso, deve-se convir que, se nesse momento o BTN, estabelecido como unidade de valor, para estabelecer o quantum da multa, já estava extinto, deve-se entender que o preceito ou norma legal que fixou a multa está revogado, sendo, pois, inaplicável.

E revogado justamente pela Lei que determinou a extinção daquela unidade.

Desse modo, não cabe substituir o preceito (revogado) por qualquer outro, mesmo que a título de analogia, integração analógica e quejandas outras, eis que ofensivas ao princípio da anterioridade da lei, como acima exposto.

Também nesta hipótese não haverá como o julgador impor pena de multa, de caráter penal.

Aliás, o descaso, desatenção ou desinteresse do legislador, mantendo no mundo jurídico estatuto ultrapassado e anacrônico, não pode justificar punição mais gravosa ao réu.

Cabe ao legislativo a responsabilidade de dotar o país de leis ajustadas ao seu tempo e que acompanhem as mutações econômicas, políticas e sociais.

Esse o nosso entendimento atual, reformulando aquele expressado na edição anterior (FRANCO, Alberto Silva Franco et alii. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. I, p. 660).

Apesar de haver entendimento em contrário, a jurisprudência tem se manifestado neste sentido, senão vejamos:

A correção monetária só pode ser aplicada até o momento em que na legislação houve a adoção de índices explícitos. Como se sabe, com a implantação do chamado Plano Collor 2, foram extintos o BTN (Bônus do Tesouro Nacional) e o BTNF, até então os índices vigentes para a indexação da economia. Na ocasião ficou abolida qualquer possibilidade de criação de outro índice de correção monetária, e não se seguiu nenhuma lei que modificasse tal situação. É certo que a Lei 8.177/91 instituiu a TR (Taxa Referencial) e a TRD (Taxa Referencial Diária). Trata-se, porém, apenas da ?média das taxas de juros” praticados pelo mercado, destinada à remuneração de ativos financeiros, o que nada tem a ver com a correção monetária e evidentemente é inaplicável em sede penal, como se fora sucedâneo do BTN. Assim decidiu o Egrégio Tribunal de Alçada Criminal recentemente (RT 692/289, Relator Juiz Oliveira Ribeiro) (TJSP – RA 123.770-3 – Rel. Luiz Betanho).[13]

 

VI ? CONCLUSÃO

Quem sabe o mais difícil não seja apurar a corrente que melhor atenda aos princípios constitucionais e penais que norteiam a matéria em exame, mas sim, compreender a possibilidade da coexistência, no mesmo território (nacional) e poder (judiciário) de decisões tão diversas a respeito do mesmo tema.

Apresentou-se três correntes, não doutrinárias, mas sim judiciais, que implicam em aplicações antagônicas para o mesmo fato legal, qual seja, a fixação da pena de multa para os crimes contra a ordem tributária.

Não se pretende emitir um juízo de valor, pois a matéria em comento exige um exame ainda mais aprofundado, que ultrapassa as barreiras do presente artigo, servindo este, portanto, mais como foco de instigação a discussão, do que definição de um modelo a seguir, determinando-se o correto ou o incorreto.

O direito é uma força em movimento; em passos lentos é verdade, mas buscando acompanhar a evolução humana, regrando a vida em sociedade como maneira imprescindível para evitar o caos. Não é estático, mas não pode ser como uma bandeira que tremula para qualquer dos lados que o vento a levar.

É necessária a busca por ferramentas que ofereçam segurança jurídica aos cidadãos, evitando-se que a discussão de teses doutrinárias façam com que juizes e Tribunais, utilizem casos reais como verdadeiros tubos de ensaio.

 

VII ? BIBLIOGRAFIA

Constituição da República Federativa do Brasil;

Decreto-Lei No 2.848/40 ? Código Penal;

Lei 8.8137/90;

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 13ª Edição. Editora Saraiva;

FRANCO, Alberto da Silva. Código Penal e sua Interpretação. Doutrina e Jurisprudência. 8ª Edição. Editora Revista dos Tribunais.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1. 9ª edição. Editora Revista dos Tribunais



[1] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul (2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009. Advogado militante nas áreas do direito penal econômico, ambiental e comercial. Sócio fundador da Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados.

[2] A lei especial derroga a geral.

[3] GRECO, Rogério. Curso de direito penal ? parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal ? parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999

[5] TRF4, ACR 2002.71.00.016614-6, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 25/04/2007

[6] TRF4, ACR 2000.04.01.016014-0, Oitava Turma, Relator Élcio Pinheiro de Castro, DJ 10/04/2002

[7] TRF3 ? AC n. 20050310158412APR ? 1ª Turma Criminal ? Rel. Desa. Sandra de Santis

[8] TJPR ? AC 1080042 ? 2ª Câmara Criminal ? Rel. Des. Carlos A. Hoffmann ? 23/08/2001

[9] In TJSC ? AC 2005.002140-1 ? 3ª Câmara Criminal ? Rel. Des. Roberto Lucas Pacheco. 25/03/2009

[10] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1. 9ª edição. Editora Revista dos Tribunais

[11] TJMG ? AC 1.0024.99.0514316-0/001 ? Rel. Desa. Márcia Milanez. Julgado em 19/10/2004

[12] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 13ª Edição. Editora Saraiva. Página 157/158

[13] TJMG ? AC 1.0024.99.0514316-0/001 ? Rel. Desa. Márcia Milanez. Julgado em 19/10/2004

 

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