Bruna Motta Piazera[1]

RESUMO

Utilizando-se da ausência do tema desaposentação na legislação vigente, visa-se aprofundar os conhecimentos sobre a temática em questão utilizando-se da doutrina e da jurisprudência. Destarte, anseia-se que seja compreendida, ou ainda, que ao menos analisada a possibilidade válida da desaposentação como sendo um meio de obter melhor (valor de) benefício em virtude das contribuições previdenciárias posteriores à aposentação.

PALAVRAS-CHAVE: direito previdenciário; desaposentação; melhor benefício.

I. APRESENTAÇÃO E CONCEITUAÇÃO DO TEMA:

A aposentadoria é de fato um benefício que faz parte da vida da maioria as pessoas (e se ainda não faz, certamente um dia fará). Para tal, deve ser concebida dentro dos parâmetros de regularidade, legalidade e legitimidade que a legislação vigente exige, sendo principalmente considerado o Regime Geral da Previdência Social.

Ultrapassando-se esse âmbito, trata-se, então, da possibilidade de desaposentação ? uma vez que tal procedimento não é aceito no âmbito administrativo -, impetrando-se na esfera do direito previdenciário e considerando-se, principalmente, os fatores doutrinários e jurisprudenciais.

Faz-se necessário, então, a elucidação sobre o significado de aposentação e aposentadoria, eis que por muitas vezes tais expressões acabam por ser interpretadas da mesma forma, mas possuem significados diferentes. Assim, Martinez apud Ibrahim (2010, p.35) nos ensina que:

Apesar de frequentemente utilizadas como expressões sinônimas, aposentação e aposentadoria apresentam significados distintos. Aquela é o ato capaz de produzir a mudança do status previdenciário do segurado, de ativo para inativo, enquanto esta é a nova condição jurídica assumida pela pessoa. A aposentadoria surge com a aposentação, prosseguindo seu curso até sua extinção

A desaposentação seria a reversão do ato que transmudou o segurado em inativo, encerrando, por conseqüência, a aposentadoria. (…) Portanto, como conhecidano meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso mediante a utilização de seu tempo de contribuição.

Algumas das leis infraconstitucionais regulamentaram a forma com que a aposentadoria poderia ocorrer, uma delas, o Decreto 3.048/99, que em seu artigo 181-B, narra que aposentadoria especial, por tempo de contribuição e por idade; uma vez concedidas pela Previdência Social, passam a ter caráter irreversível e irrenunciável.

Dessa forma, pelo Regime Geral da Previdência Social (Decreto 3.048/99), o aposentado que pretenda permanecer a trabalhar ou retornar ao trabalho, após a concessão da aposentadoria não terá direito a nenhum benefício previdenciário, exceto salário família e a reabilitação profissional, que é o que determina o artigo 18, § 2º, da Lei 8.213, in verbis:

O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social ? RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.

Desta afirmação uma primeira indagação se apresenta: dado o caráter contributivo e retributivo da Previdência Social, como pode existir Salário de Contribuição sem o respectivo Salário Benefício? A resposta é bastante simples: Não pode existir! Posto que se dentro do ordenamento a definição de Previdência Social é igual à de seguro. E onde a contribuição está diretamente correlacionada à contraprestação. Assim, é impossível que exista tal situação.

Nesse passo, fica clara a situação em que o aposentado, voltando a exercer atividade abrangida pelo RGPS, é seu segurado obrigatório, com todos os deveres, não tendo direito mínimo assegurado pela Previdência Social, situação esta adotada pela Lei e pelo Decreto, ferindo de modo visceral o princípio da reciprocidade contributiva e retributiva. Sobre o tema, o doutrinador Tavarez (2007, p.51), aduz:

A norma, além de possuir caráter extremamente injusto, desrespeita o princípio da contraprestação relativo às contribuições previdenciárias devidas pelos segurados, tendo em vista que as prestações oferecidas ao aposentado que retorna à atividade são insignificantes, diante dos valores recolhidos.

Daí o surgimento da aposentação reversa, em contraposição total à sua face positiva, que é o direito do segurado à aposentação. A aposentação reversa, ou desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, desfazendo o ato da aposentadoria por vontade única e exclusiva do titular.

Aqui, o titular invocando o seu direito optativo, retorna da aposentadoria a status quo, para que possa assim desejar, optar em se aposentar novamente, utilizando o tempo de contribuição outrora utilizando para aposentadoria ora desfeita, ou melhor dizendo, é o direito que ao mesmo tempo tem de se desaposentar, para fins de aproveitamento do tempo de filiação para nova aposentadoria no mesmo ou em outro regime previdenciário.

Segundo Lazzari e Castro (2007, p.87), trata-se na verdade da possibilidade que o segurado tem de unificar os seus tempos de serviço/contribuição, em uma nova aposentadoria.

Mas com certeza, uma pergunta surge: será que este direito a aposentação reversa é assegurado constitucionalmente, figurando como um procedimento legal? Em resposta a essa pergunta, novamente os dizeres de Lazzari e Castro afirmam que a Constituição Federal não só veda tal procedimento, como a mesmo garante a contagem recíproca do tempo na administração e na atividade privada.

O Direito a desaposentação certamente adentra a classe dos direitos patrimoniais disponíveis, este, caracterizado pela autonomia da vontade de seu titular. O titular do direito a aposentadoria, mesmo que contribua com a previdência o suficiente para que tenha garantida sua aposentação, não será obrigado a exercê-la, nem por isso, deixará de ter seu direito adquirido, podendo fazê-lo quando lhe convir.

II. DO ACOSTAMENTO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIO

A legislação previdenciária é omissa em relação ao tema. Apenas o Decreto 3.048/99, em total ilegalidade, comenta que os benefícios concedidos pela Previdência Social são irreversíveis e irrenunciáveis.

Ainda, sob outra abordagem, entende-se que uma vez que os requisitos foram cumpridos, e a vontade do agente tenha se positivado no sentido de se aposentar, a Administração Pública não tem outra opção a não ser proceder a aposentadoria do segurado.

Assim, forçoso se torna concluir que a concessão da aposentadoria é um ato vinculado e não um ato discricionário ? em que a autoridade que o pratica tem uma certa iniciativa pessoal no que se refere à conveniência e oportunidade do mesmo. Ato vinculado é aquele em que quase não resta iniciativa pessoal para a autoridade que o pratica, vez que regulado em lei todos os detalhes.

Nesse passo, por ser ato vinculado, a aposentadoria é sim irrenunciável e irreversível, mas em relação apenas a Autarquia e não em relação ao pedido do segurado. Decorrente daí, posto que um dos aspectos do fato gerador do direito dos proventos é a vontade do segurado, assim sendo, fica claro que embora vinculado para a administração pública, o segurado tem poder de analisar a conveniência e a oportunidade diretamente ligadas a sua vontade e interesse individual e escolher aposentar-se ou não. Do mesmo modo, o segurado pode optar, em estando aposentado, se desaposentar.

Destarte, há um direito constitucionalmente assegurado ao indivíduo, garantindo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II da CF/88). Assim, caracterizada a autonomia da vontade, poderá o titular, renunciar seu benefício, sem que este perca o direito antes adquirido, no caso, à aposentação, podendo utilizar o tempo de serviço anteriormente averbado juntamente com o novo período trabalhado, a fim de que este aufira benefício mais vantajoso.

É evidente que o disposto no art. 5°, XXXVI da Carta Magna, visa proteger os interesses dos particulares contra o Poder Estatal, proporcionando a dita segurança jurídica aos mesmos, em virtude da constante atualização legal, caso contrário não se aplica.

Destaca-se ensinamentos do Parecer PN TC 03/00, de autoria da Dra. Elvira Sâmara Pereira de Oliveira, Procuradora do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba:

Destarte resulta cristalino que os defensores da irrenunciabilidade vêm dando exegese distorcida e equivocada ao tema, posto que estão a interpretar às avessas a norma constitucional, transformando garantia individual em óbice legal?.

(…)

?Vê-se, assim, que a possibilidade de renúncia, em casos como este (renúncia exclusivamente para averbar tempo de serviço anterior, para obtenção de novo benefício mais vantajoso), em hipótese alguma fere os princípios regentes do sistema previdenciário pátrio, mas, ao contrário, com eles perfeitamente se entrosa.

Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. POSSIBILIDADE.CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se firmado no sentido de que é plenamente possível a renúncia de benefício previdenciário, no caso, a aposentadoria, por ser este um direito patrimonial disponível. 2. O tempo de serviço que foi utilizado para a concessão da aposentadoria pode ser novamente contado e aproveitado para fins de concessão de uma posterior aposentadoria, num outro cargo ou regime previdenciário. 3. Recurso provido (ROMS 17.874⁄MG, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 21⁄02⁄2005).(grifo meu)

No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais também se manifesta:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – RENÚNCIA À APOSENTADORIA – CERTIFICAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO – POSSIBILIDADE. – A aposentadoria é um direito pessoal de natureza patrimonial, portanto, sua renúncia tem caráter unilateral, inexistindo determinação em lei que impeça o cidadão de abdicar tal direito. – A renúncia da aposentadoria e a certificação de tempo do serviço não ofende os princípios da administração pública, pelo contrário, sua negativa é um abuso de poder, uma vez que nega à impetrante a prática de um ato pessoal e unilateral que independe da vontade do Estado (TJMG – Mandado de Segurança n° 1.0000.00.317559-3/000(1),  Relator Sérgio Braga, Publicado em 10/10/2003) (grifo meu).

Do corpo deste acórdão extrai-se exímio entendimento do Sr. Relator:

?A aposentadoria é um direito pessoal de natureza patrimonial, portanto, sua renúncia tem caráter unilateral, inexistindo determinação em lei que impeça o cidadão de abdicar tal direito?.

?A renúncia da aposentadoria e a certificação de tempo do serviço não ofende os princípios da administração pública, pelo contrário, sua negativa é um abuso de poder, uma vez que nega à impetrante a prática de um ato pessoal e unilateral que independe da vontade do Estado?

Neste contexto, inquestionável é a assertiva de que, a aposentadoria é direito pessoal disponível do segurado, podendo a qualquer momento renunciá-lo, o que vem requerer o autor, visto que benefício mais favorável lhe convém (grifo meu).

III. DOS REFLEXOS DA DESAPOSENTAÇÃO

Embora aposentadoria seja sinônimo de garantia social do segurado, a idéia da perenidade do benefício, visa somente proteger o segurado contra eventuais exclusões, já a desaposentação não lhe trará prejuízo algum, sendo inteiramente cabível, uma vez que este instituto permite que o Autor aufira vantagem maior do que a atual.

Tais garantias constitucionais devem ser interpretadas de forma a proteger o segurado de que seu benefício não cessará, obedecendo a lógica protetiva do sistema previdenciário, porém, não pode limitar que este exerça direito que lhe couber. Como ensina IBRAHIN:

Sem embargo da necessária garantia ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, não podem tais prerrogativas constitucionais compor impedimentos ao livre exercício do direito. A normatização constitucional visa, com tais preceitos, assegurar que direitos não sejam violados, e não limitar a fruição dos mesmos. O entendimento em contrário viola frontalmente o que se busca na Lei Maior.

Segurança jurídica, de modo algum, significa a imutabilidade das relações sobre as quais há a incidência da norma jurídica, mas, muito pelo contrário, a garantia da preservação do direito, o qual pode ser objeto de renúncia por parte de seu titular em prol de situação mais benéfica.

Portanto, não seria lógico que, em busca da proteção ao segurado, e diante do princípio da segurança jurídica, o legislador impedisse o segurado de buscar benefício mais vantajoso, ao qual este deu causa, através de inúmeras contribuições após sua aposentação, o que de fato, ampliaria a salvaguarda constitucional do segurado, permitindo que os direitos e garantias fundamentais o alcancem de forma mais coesa, em especial à sua dignidade.

Assim prevê o art. 40, § 9° da Carta Magna, in verbis::

O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade.

Portanto, o ato de renúncia do benefício, não prejudica o direito adquirido ao tempo de contribuição, devendo este, ser averbado em conjunto com o novo período, para a concessão de novo benefício mais vantajoso ao autor.

Neste sentido, o ilustre Des. Sérgio Braga posiciona-se sobre o tema:

É estranho que a matéria enseje qualquer polêmica. A Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em janeiro de 2001, p. 163/178, contém substancioso artigo de Hamilton Antônio Coelho, Desaposentação: Um novo instituto?’, com robusta conclusão a respeito:

Fica, pois, de uma vez por todas, cabalmente demonstrada, à luz da lógica, da doutrina, da jurisprudência e do direito, a possibilidade de desaposentação, com renúncia apenas ao benefício, e não ao tempo de serviço, que pode ser computado para uma nova aposentadoria (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 000.317.559-3/00 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – AUT COATORA: SECRETÁRIO ESTADO REC HUM ADM MINAS GERAIS – RELATOR: EXMO. SR. DES. SÉRGIO BRAGA) (grifo meu).

A desaposentação, visando novo benefício, mais vantajoso ao segurado, em momento algum causa qualquer lesão à Previdência, visto que a vantagem maior alcançada na nova aposentadoria é fruto das contribuições que o contribuinte, já beneficiário, destinou a previdência.

Nesta seara, é perfeitamente compreensível o direito do contribuinte, de requerer a complementação de seu benefício previdenciário, averbando as novas contribuições realizadas após sua aposentação, através do instituto da desaposentação, para que este aufira benefício mais vantajoso, majorando de forma coesa e justa os índices anteriormente aplicados para a concessão do atual benefício.

Socorrendo-se aos entendimentos de Ibrahim (2010, P.37), percebe-se claramente a viabilidade atuarial da desaposentação:

Do ponto de vista atuarial, a desaposentação é plenamente justificável, pois se o segurado já goza de benefício, jubilado dentro das regras vigentes, atuarialmente definidas, presume-se que neste momento o sistema previdenciário somente fará desembolsos frente a este beneficiário, sem o recebimento de qualquer cotização, esta já feita durante o período passado.

Todavia, caso o beneficiário continue a trabalhar e contribuir, esta nova cotização gerará excedente atuarialmente imprevisto, que certamente poderia ser atualizado para a obtenção de novo benefício, abrindo-se mão do anterior de modo a utilizar-se do tempo de contribuição passado. Daí vem o espírito da desaposentação, que é renúncia de benefício anterior em prol de outro melhor (grifo meu).

Da mesma forma, caso o segurado deseje ingressar em novo regime de previdência, também não há impedimento atuarial para o mesmo, pois o RGPS irá deixar de efetuar os pagamentos ao segurado, vertendo os recursos acumulados ao regime próprio, mediante compensação financeira. Aqui também inexiste prejuízo ao RGPS, pois ainda que o segurado já tenha recebido algumas parcelas do benefício, tal fato não terá impacto prejudicial, pois o montante acumulado será utilizado em período temporal menor, já que a expectativa de vida, obviamente reduz-se com o tempo.

Sendo assim, ratifica-se que a desaposentação não traz lesão alguma à relação entre o custeio e pagamento dos benefícios, sendo o novo benefício almejado já custeado anteriormente pelo próprio beneficiário, respeitando plenamente os princípios legais.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conseqüentemente, diante da demonstração de viabilidade e respeito aos princípios da previdência social, aplicáveis ao caso, é prudente que se reconheça o instituto da desaposentação, estendendo o direito social ao autor, a fim de que este alcance benefício mais vantajoso, o qual lhe pertence em decorrência das contribuições ao sistema após sua aposentadoria, das quais, atualmente nenhum benefício lhe é assegurado em contra-partida.

No presente caso, é perfeitamente aplicável o instituto do direito adquirido ao período em que o segurado contribuiu para a Previdência Social. Como se viu anteriormente, a aposentadoria é direito patrimonial disponível, dependendo da faculdade do segurado para seu exercício.

Conclui-se, então, que apesar da desaposentação não possuir embasamento legal que permita a sua ocorrência no âmbito da esfera administrativa, entende-se que os princípios doutrinários ganham cada vez mais força e validade, principalmente pela força da jurisprudência corrente.

REFERÊNCIAS

IBRAHIN, Fábio Zambitte. Desaposentação. Niterói: Lúmen Júris. 2010, 4ª ed.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2007, 9ª ed.

CASTRO, Carlos Alberto; LAZZARI, João Batista. Manual do Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 2007, 8º ed.

Íntegra do Parecer PN TC 03/00. Disponível em: . Acesso em: 06 set 2010.

[1] Estudante da 2ª fase de Direito do Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? UNERJ, e estagiária do Piazera, Hertel, Manske e Pacher Advogados Associados.

CategoryArtigos
Write a comment:

You must be logged in to post a comment.

        

© 2020 por Puxavante

PHMP Advogados OAB/SC 1.029

logo-footer

47 3084 4100

Rua Olívio Domingos Brugnago, 125

Vila Nova - CEP 89.259-260 - Jaraguá do Sul - SC

Termos de uso Politicas de Privacidade