Maristela Hertel[1]

RESUMO

O presente estudo apresenta como tema a prescritibilidade dos atos nulos, onde se objetivou, num primeiro momento, a análise geral acerca do instituto da prescrição, seus efeitos e reconhecimento judicial para, após, com base na teoria das invalidades dos negócios jurídicos, identificar o alcance do reconhecimento da nulidade de um ato jurídico pelo decurso do tempo.

INTRODUÇÃO

O decurso do tempo no exercício de determinados direitos tem grande importância das relações jurídicas sociais, uma vez que ele pode ser o fato gerador para a aquisição de determinados direitos ou, então, mais comum, o fato preponderante para a perda de determinados direitos ante a inércia do seu titular.

De outro lado, estão os atos jurídicos que a lei considera nulos de pleno direito por desrespeitarem preceitos legais, cuja conseqüência, se discutida judicialmente, é o reconhecimento da sua invalidade, cujos efeitos da decisão retroagem ao início do negócio jurídico e, por conseguinte, de todos os atos praticados deste então, fatos estes que podem acarretar prejuízos a terceiros de boa-fé e, também, trazer instabilidade nas relações interpessoais.

1. DA PRESCRIÇÃO

?O antigo Código Civil Italiano definia a prescrição como sendo o meio pelo qual, com o decurso do tempo, alguém adquiria um direito ou se liberava de uma obrigação. Estão aí previstas as duas espécies de prescrição, a aquisitiva (usucapião) e a extintiva. Parece-nos preferível esta velha definição de um diploma de 1865, do que a aceita pela maioria dos autores nacionais, de ser a prescrição a perda da ação atribuída a um direito, porque evita discussões para saber se o que prescreve é o direito ou a ação. A prescrição se inicia nas ações pessoais, do momento em que a dívida se tornou exigível; nas ações reais, do momento em que foi violado o direito real.(grifei)

O instituto da prescrição tem por escopo como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado. Violado um direito nasce para o seu titular a pretensão (anspruch), ou seja, o poder de exigir, em juízo, uma prestação que lhe é devida[2].

Segundo lições de Clóvis Beviláqua[3], não é a falta de exercício do direito que lhe tira o vigor, pois o direito pode conservar-se inativo por longo tempo, sem perder sua eficácia. O não uso da ação (em sentido material) é que lhe atrofia a capacidade de reagir. Assim, havendo prescrição, há desoneração do devedor ante a negligência do credor em não propor ação de cobrança de dívida dentro do prazo estabelecido em lei, reclamando seu direto; porém tal fato não anula a obrigação do devedor, já que será válido o pagamento voluntário de dívida prescrita, cuja restituição não poderá ser reclamada (CC, art.882).

Considerando que a prescrição tem por fundamento maior a garantia de pacificação social e, ainda, que para a preservação do sentido de estabilidade social e segurança jurídica, não se devem estabelecer relações jurídicas perpétuas, que podem obrigar, sem limitação temporal, outros sujeitos, que poderiam ficar à mercê do titular, é que, a existência de prazo para o exercício de direitos e pretenções é uma forma de disciplinar a conduta social, sancionando aqueles titulares que se mantêm inertes, numa aplicação do brocardo latino dormientibus non sucurrit jus. Afinal, quem não tem a dignidade de lutar por seus direitos não deve sequer merecer a sua tutela.[4]

A prescrição, portanto, é um instituto jurídico que tem fundamento social essencial com vistas à promover e proteger a segurança e a certeza das relações jurídicas, limitando temporalmente a possibilidade de exigir o cumprimento de determinados direitos; a lei não obriga o titular de um direito a exercê-lo, mas pune aquele que se manteve inerte por um determinado período de tempo[5].

3. DO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO:

Processualmente, a partir da Lei 11.280/2006[6], a prescrição pode (ou deve) ser reconhecida de ofício pelo órgão judicante, fato não previsto na lei anterior (Código Civil, artigo 194 e Código de Processo Civil, artigo 219, § 5º) quando era ônus exclusivo do interessado a argüição, como preliminar do mérito, apontar a prescrição como forma de resistência à prestação imposta pelo autor da demanda.

4. REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO:

Para que a prescrição se consume e possa ser reconhecida judicialmente, é necessária a conjugação dos seguintes requisitos: a) Existênca de uma pretensão que possa ser em juízo alegada por meio de uma ação exercitável; b) Inércia do titular da ação (em sentido material pelo seu não exercício; c) Continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; d) ausência de algum fato ou ato a que a lei confere eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva de curso prescricional, que é seu fator neutralizante.

Com efeito, a legislação prevê diversas causas impeditivas e suspensivas[7] da contagem do prazo prescricional, de forma a evitar a sua consumação e reconhecimento, as quais estão elencadas nos artigos 197 a 199 do Código Civil de 2002.

5. DOS ATOS NULOS

Os negócios jurídicos são declarações de vontade com vistas à produzir efeitos pelos sujeitos nele envolvidos, e serão válidos do ponto de vista jurídico desde que subordinados aos três requisitos essenciais: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível e determinado ou determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei (Código Civil, art.104).

Segundo a concepção binária das invalidades dos negócios jurídicos adotada pelo direito brasileiro, será inválido o negócio jurídico que deixar de atender a estes requisitos mínimos de validade, os quais podem ser divididos em dois graus: 1) no mais grave, o negócio jurídico é considerado nulo (invalidade absoluta); 2) no de menor potencial ofensivo, o negócio jurídico será considerado anulável (invalidade relativa).

Neste raciocínio, pode-se diferenciar os atos nulos dos anuláveis em razão dos seguintes aspectos: a) efeitos[8]; b) legitimidade ativa para arguir a invalidade[9]; c) quanto à possibilidade de ratificação[10] e d) incidência da prescrição. E é esse último aspecto que é objeto deste artigo, na medida em que se questiona a possibilidade de o decurso de tempo convalidar um ato considerado nulo, mesmo ele tendo infringido preceito legal.

Pela leitura do artigo 166 do Código Civil, é nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

E, segundo a melhor doutrina, dada a gravidade do vício contido no negócio jurídico nulo, há interesse social na declaração de sua nulidade, cuja motivação pode ser dividia em interesses de ordem pública (incisos IV, V, VI e VII) e os três primeiros de interesse privado (incisos I, II e III).

4. DA TEORIA DA IMPRESCRITIBILIDADE DOS EFEITOS DO ATO NULO.

Com fundamento na própria lei, a existência de uma das causas de nulidade de um negócio jurídico leva ao reconhecimento da sua nulidade através do seu reconhecimento judicial. E o direito à esta ação judicial, segundo a legislação atual, é imprescritível. Significa dizer que a invalidade absoluta existente em um negócio jurídico não se convalesce pelo decurso do tempo, enquanto que a nulidade relativa (ou anulabilidade), uma vez decorrido o prazo previsto em lei sem o exercício do direito correspondente (como a propositura da ação destinada a decretá-la) reputa-se superada.[11]

O artigo 169 do Código Civil consagrou o princípio da imprescritibilidade dos negócios jurídicos nulos ao prever que: O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo, motivo pelo qual, costuma a doutrina reconhecer que a ação para reconhecer a nulidade de um ato é imprescritível.

No entanto, nasce, ainda que discretamente, uma nova teoria, a que defende que a imprescritibilidade dirige-se, apenas, à declaração de nulidade absoluta do ato, não atingindo as eventuais pretensões condenatórias correspondentes[12].

Defensor desta teoria, Pablo Stolze Gagliano[13] entende que:

A ação declaratória de nulidade é realmente imprescrit[ivel, como, aliás, toda ação declaratória deve ser, mas os efeitos do ato jurídico ? existente, porém nulo ? sujeitam-se a prazo, que pode ser o prazo máximo prescricional para as pretensões pessoais ( ou, como na maior parte dos casos, tratando-se de demanda de reparação civil que foi reduzido pelo Novo Código Civil de 20 para 10 anos)l, o novo prazo de 3 anos (CC-02, art.206, parágrafo 3º, V)

Todavia, se a ação declaratória de nulidade for cumulada com pretensões condenatórias, como acontece na maioria dos casos de restituição dos efeitos pecuniários ou indenização correspondente, admitir-se a imprescritibilidade seria atentar contra a segurança das relações pessoais. Neste caso, entendemos que prescreve sim a pretensão condenatória, uma vez  que não é mais possível retornar ao estado de coisas anterior.

Desta forma, o direito de demandar ação judicial que visa à declaração de um ato jurídico nulo é imprescritível, já os efeitos desta ação (pedido condenatório complementar ao declaratório) prescreveria de acordo com as regras estabelecidas no Código Civil ao direitos pessoais e patrimoniais.

Em outra vertente, mas também defendendo a teoria a prescritibilidade dos atos jurídicos nulos, para garantia dos fundamentos sociais deste instituto, está a de defender que os atos jurídicos nulos, poderiam ser classificados conforme gravidade do vício contido no negócio jurídico nulo, ou seja, nos casos de interesse de ordem pública (art. 166 do CC, incisos IV, V, VI e VII), haveria nulidade absoluta  e nos casos de interesse privado (art.166 do CC, incisos I, II e III), haveria nulidade relativa e, nestes casos, aplicação do instituto da prescrição.

Diante da dificuldade de caracterizar determinados negócios jurídicos como nulos ou anuláveis, tendo em vista que apresentam aspectos determinantes de ambas espécies de invalidades, Marcos Bernardes de Mello, propõe que as nulidades dos negócios jurídicos devem ser classificadas em:

(i) Nulidade de pleno iure, aquela que se caracteriza pela relevância, em seus fundamentos, de interesse de ordem pública. Opera ipso iure, pode ser alegada por qualquer interessado e pelo Ministério Público e é decretável pelo juiz, quando conhecer do ato ou de seus efeitos e a encontrar provada.

(ii) Nulidade dependente de alegação, aquela que, em face da predominância dos interesses patrimoniais particulares, somente o interessado tem legitimação para alegá-la, não sendo possível a sua decretação pelo juiz sem provocação do figurante.

Zeno Veloso, complementa a idéia de Mello trazendo à tona as palavras de Débora Gozzo, a qual informa que ?alguns autores, então, admitem a existência de nulidade relativa, uma figura intermediária, distinta da nulidade de pleno direito e da anulabilidade. Representaria espécie eclética, autônoma de invalidade. A nulidade relativa é um tipo de nulo que não é absoluto?. [14]

Desta forma, percebe-se um movimento doutrinário no sentido de defender a relatividade do princípio da imprescritibilidade dos atos considerados nulos, seja com base na teoria defendida por Pablo Stolze Gagliano, de que a ação declaratória do ato nulo é imprescritível, mas o é dos pedidos de natureza condenatória decorrentes do reconhecimento da nulidade do ato; seja, ainda, com base na teoria de Zeno Veloso, que defende uma mudança na dicotomia dos atos nulos, rebaixando à condição de atos anuláveis (nulidade relativa) aqueles que violam preceitos de ordem privada artigo 166, I, II e III) ainda que contidos no rol dos atos jurídicos considerados nulos de pleno direito.

De uma forma ou de outra, este movimento de estudos específicos merece aplausos na medida em que dá uma resposta coerente aos anseios sociais, os quais precisam uma resposta efetiva aos princípios constitucionais da segurança jurídica que resultará, também, ao atendimento da harmonia e paz social.

[1] Advogada inscria na OAB/SC sob nº 14.149. Sócia Fundadora do Escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados, inscrito na OAB/SC sob nº 1.029. Mestre em Ciências Jurídicas pela UNIVALLI. Professora do Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj.

[2] DINIZ, Maria Helena. Teoria Geral do Direito Civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.388.

[3] BEVILAQUA, Comentários ao Código Civi. In Diniz, op.cit. p.390.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 8 ed.São Paulo: Saraiva, 2006, p.454-455.

[5] Neste trabalho não será abordado especificamente o instituto da decadência, a qual  ?É a perda de um direito por inércia de seu titular. O direito já nasce com um prazo certo para ser exercido, o que não se dá com a prescrição, que passa a correr do momento em que nasce a ação. Rios de tinta já foram usados para diferenciar a prescrição da decadência, pouco se conseguindo. O que de mais positivo se pode afirmar é que a prescrição não extingue o direito a ser alegado por via de exceção, ao passo que o direito decadente não pode ser alegado nem mesmo por via de exceção. Quando o indivíduo tem um direito que não se pode ser demandado por via de ação mas só como exceção, não prescreve esse direito de opor a exceção porque ninguém pode adivinhar quando é que seremos acionados por alguém. Já no caso de decadência, a situação é diferente, porque o titular do direito tinha a obrigação de agir no prazo que a lei lhe deu, e se ficou inerte perdeu simplesmente o direito e não somente a ação que o protegia. A decadência chama-se também caducidade.? SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do advogado. 5 ed. Rio de Janeiro: Thex, 1996, p.108 e 284.

[6] Art. 3o O art. 219 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 219. (…) § 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.

Art. 11. Fica revogado o art. 194 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil.

[7] Os prazos prescricionais suspendem-se ou interrompem-se, São porém, diferentes as hipóteses de interrupção e suspensão. No primeiro caso, o prazo volta a fluir por completo desde o fim da causa interruptiva (CC, art.202, parágrafo único); no segundo, o prazo volta a fluir, desde o fim da causa suspensiva, apenas pelo quanto ainda não tinha transcorrido.COELHO, Fabio Ulhoa, Curso de Direito Civil. Vol.1, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 379.

[8] Os negócios jurídicos nulos não produzem efeitos, devendo ser desconstituídos os que tiverem produzido antes da declaração judicial da nulidade. Os negócios anuláveis têm preservados os efeitos produzidos antes da decretação judicial da anulação. COELHO, Fabio Ulhoa, op.cit. p.344

[9] Só os interessados são legitimados a postular a decretação da anulação dos negócios relativamente inválidos. No caso dos absolutamente inválidos, além dos interessados, também o Ministério Público, nos feitos em que intervier, está legitimado para requerer a declaração da nulidade. A seu turno, o juiz só pode declarar, de ofício, a nulidade de negócio jurídico, mas não pode decretar a anulação sem que o interessado a postule. COELHO, Fabio Ulhoa, op.cit. p.345.

[10] Só o negócio jurídico anulável comporta ratificação pelas partes. É juridicamente inexistente a ratificação de negócio nulo. Por outro lado, o direito de postular a nulidade do negócio jurídico não se perde com o decurso do tempo, mas o de buscar a anulação, sim. COELHO, Fabio Ulhoa, op.cit. p.346.

[11] COELHO, Fábio Ulhoa. Op.cit., p.346.

[12] GABLIANO, Pablo Stolze, Op.cit.p.390-391.

[13] Op. cit.p.390-391.

[14] HAHN, Maira Beck. OLTRAMARI, Vitor Hugo. Prescritibilidade da ação (…) na ótica da teoria das invalidades dos negócios jurídicos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 41, 31/05/2007 . Disponível emhttp://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1783. Acesso em 30/09/2010.

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