Julio Max Manske[1]

Resumo: A responsabilização pela prática de determinado crime, não se dá apenas aquele que executa a conduta materialmente, ou seja, aquele que pratica o verbo descrito no tipo penal, podendo envolver outras pessoas que, observando-se sua conduta individualmente, não teriam praticado qualquer ilícito. No entanto, em face do instituto do concurso de pessoas, alcançam-se todos aqueles que concorreram para o crime, dentro de suas respectivas peculiaridades. O presente artigo tem, portanto, a finalidade de trazer de forma clara e concisa, alguns aspectos destacados do concurso de pessoas, notadamente, a distinção do coautor e do partícipe.


1.Conceito

Concurso de pessoas, ou de agentes, co-autoria, co-delinqüência, são aqueles que se configuram quando dois ou mais agentes, de comum acordo, participam de uma mesma empreitada criminosa e praticam um ou mais crimes, pelos quais devem responder penalmente, na medida de suas respectivas culpabilidades.

 

2.Crimes de concurso necessário

A grande maioria das infrações penais são de natureza unissubjetiva, ou seja, que pode ser cometida por uma única pessoa, admitindo, também, seu cometimento de forma coletiva, isto é, mediante o concurso de duas ou mais pessoas. Quando isso ocorre, chamamos de concurso eventual.

Há no entanto, alguns crimes que somente ocorrem se houver a participação de duas ou mais pessoas. São os crimes plurissubjetivos, ou de concurso necessário, cuja configuração jurídica exige a obrigatoriamente a participação de mais de um agente.

Exemplos: 137, 235, par.1o, 285.

 

3.Teorias

Três são as teorias que regem a aplicação da pena nas infrações onde ocorrem o concurso de agentes:

 

3.1.Teoria Plurarista

Segundo esta teoria, a cada agente corresponde um crime, ou seja, cada um dos participantes, embora tenham colaborado para a prática da ação conjunta, realiza individualizadamente o seu crime. Desta forma, cada agente responderia a um processo diferente, recebendo a pena pelo que cometeu isoladamente.

 

3.2.Teoria Dualista

Por esta teoria, no concurso podem ser distinguidas duas categorias de agentes: principais (autores, co-autores) e secundários (cúmplices). Nesta teoria, autor é aquele que tem uma atuação principal na prática da infração penal e que, em conseqüência, deve ser sancionado de forma plena , enquanto que o cúmplice, por ter atuado secundariamente, deve ser sancionado de forma menos severa.

Exemplo: João e Paulo assaltam um banco, sendo considerados co-autores do crime de roubo. Pedro, por ter emprestado o veículo para o assalto, seria o cúmplice.

A crítica que se faz a essa teoria é que na maioria dos casos de concurso de agentes, não há participação secundária, além do que, seria muito difícil estabelecer quando termina a participação secundária e inicia a principal e vice-versa.

 

3.3.Teoria Monista

Todos os participantes são considerados autores, cabendo-lhes responder pelo mesmo e único crime praticado em concurso. Não há distinção entre autores e cúmplices porque todos concorrem de forma consciente e relevante para a realização do mesmo tipo penal. Em conseqüência, a pena aplicada deve ser a mesma para todos os agentes, fazendo-se distinção apenas se houverem circunstâncias de ordem pessoal a serem consideradas.

Essa foi a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro até a reforma de 1984, quando então passou a adotar-se, também, a teoria dualista.

 

4.Elementos jurídicos do concurso de agentes

Para a configuração do concurso de agentes, é necessária a presença dos seguintes requisitos:

 

4.1.Pluralidade de condutas pessoais

Se o crime praticado não contou com a participação de dois ou mais agentes, não há o que se falar em co-autoria. Não é necessário que todos os agentes se conduzam da mesma forma, praticando atos idênticos. Em um crime de furto, um agente pode planejar, outro dirigir o veículo, outro permanecer de vigia e outro praticar diretamente a subtração do bem.

 

4.2.Relevância causal das condutas

Não basta uma simples e vaga participação dos agentes. É preciso que a contribuição de cada um dos agentes tenha relevância jurídica, em relação ao evento delituoso examinado. A simples presença no local do crime, em regra, não configura, por si só, participação no crime praticado por outro. Da mesma forma, o conhecimento de que alguém está decidido a cometer um crime não constitui forma de co-participação.

 

4.3.Vínculo subjetivo (dolo) entre as condutas

Exige-se um liame subjetivo entre os agentes, unindo as diversas condutas em torno da realização de um crime comum. Não há co-autoria quando dois ladrões, por coincidência, se encontrarem furtando no mesmo local.

Não se exige um acordo previamente definido, sendo suficiente que cada participante tenha consciência da conduta delituosa e realize voluntariamente qualquer ato de contribuição para o resultado criminoso comum.

O concurso se configura, portanto, quando o agente decide, consciente e voluntariamente participar do crime de outro.

A simples anuência com a prática do crime por outro, não configura participação no mesmo. É preciso que haja efetivação no plano objetivo, contribuindo de forma relevante para a realização do resultado criminoso.

É importante ressaltar que a vontade de participação deve ser anterior ou coincidir, temporalmente com a prática do evento delituoso. Inexiste, portanto, co-autoria na conduta posterior de auxílio ou colaboração ao autor do crime.

 

5.Autoria e participação

Embora a teoria monista adotada pelo Código Penal não faça distinção, não há como ignorar que existem duas categorias de agentes, os principais, que são os autores e os secundários, que são os partícipes.

O termo participação pode ser definido como a contribuição secundária ao crime realizado pelo autor principal.

Podemos entender, ainda, que autor é aquele que pratica a conduta descrita no tipo legal e partícipe é aquele que, embora não tenha praticado a conduta típica, de qualquer forma concorreu para a infração (local onde pode até ser inserido o mandante de um crime)

 

5.1.Autoria e Autoria Mediata

Autor é aquele que realiza diretamente o tipo penal. Sua ação ou omissão é decisiva para a ocorrência do resultado delituoso praticado em concurso. É ele quem pratica a ação de matar, de subtrair, de corromper, etc.

É considerado também autor, aquele que, embora não praticando o crime diretamente, consegue cometê-lo através de outra pessoa, que agem culpabilidade por ser inimputável (doente mental ou menor), ou ainda, por ter sido levado a erro por terceiro (no caso, pelo próprio autor). São os casos denominados de autoria mediata, nos quais o agente direto transforma-se num simples instrumento de vontade delitiva do verdadeiro autor da infração penal.

Nestes casos, não há concurso de pessoas e o crime será imputado somente ao autor mediato, pois o autor direto, sendo apenas um instrumento da resolução criminosa, não será punível.

 

5.2.Co-autoria

Em um crime praticado mediante o concurso de pessoas, todos aqueles que tiverem praticado diretamente atos de execução do tipo penal, serão considerados co-autores. Assim, co-autor é aquele que comete, em conjunto com outros agentes, a ação ou omissão configuradora de determinado crime.

 

5.3.Participação

Ocorre a participação quando, em um crime praticado mediante o concurso de pessoas, um (ou mais) dos agentes não tenha praticado diretamente a ação delitiva e sim contribuído de outra forma para a realização do resultado delituoso.

A participação é a contribuição ao crime praticado por outrem, apresentando-se sob a forma de instigação ou cumplicidade.

Destaca-se que a participação, se considerada isoladamente, não tem relevância jurídico-penal, pois não se reveste de tipicidade, como por exemplo, o empregado que deixa a porta da loja onde trabalha destrancada, facilitando a entrada de alguém, mediante um acordo prévio de vontades.

A participação tem de ser sempre dolosa, consistente em querer contribuir para o crime do autor. Não se admite, portanto, participação em crime culposo, face a ausência de dolo. Havendo concurso de agentes em um crime culposo, todos serão considerados co-autores.

A participação pode manifestar-se através da instigação, que é a participação psicológica ou moral, ou da cumplicidade, que é a participação efetivamente material ou objetiva.

 

5.3.1.Participação por instigação

Instigar significa incitar, induzir, estimular, persuadir outrem a cometer um delito. A instigação, portanto, constitui-se de palavras de estímulo, de orientação, de conselhos capazes de levar outra pessoa a se decidir pela prática de um crime ou de influenciá-la a tomar uma decisão criminosa que ainda está sendo objeto de cogitação.

É requisito essencial que a instigação se dirija à prática de um crime específico. O simples aconselhamento ou incentivo genérico não constitui conduta punível. Pode até caracterizar a prática do crime de incitação ou apologia ao crime, mas não se trata de participação por instigação e sim de autoria da prática de tais crimes (incitação ou apologia).

 

5.3.2.Participação por cumplicidade

A cumplicidade é a participação de ordem material, isto, aquele que, dolosamente atua no sentido de alcançar o resultado do crime que está para ser cometido. É cúmplice quem empresta o automóvel para praticar um crime, o vigia que deixa agentes entrarem para cometer um furto, etc.

 

6.Posição do Código Penal

6.1.Mesma sanção para todos os participantes

A regra geral do Código Penal, é que todos são solidariamente responsáveis pelo crime realizado, e por isso, deverão receber a mesma resposta punitiva.

No entanto, o artigo traz a possibilidade de se fazer exceções, ao dispor que ?quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade?

 

6.2.Participação de menor importância

Na reforma de 1984, foi inserido o par. 1o do artigo 29, reconhecendo a figura do partícipe, ao estabelecer que: ?Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço?.

Assim, quando duas pessoas decidem por fim a vida de uma terceira, ambas podem ser condenadas a uma pena de 06 anos de prisão, mas caso um dos agentes tenha apenas agido de maneira acessória, como por exemplo, emprestando a arma, ou ficando de vigia para avisar se alguém se aproximava enquanto o outro matava a vítima, poderá ser enquadrado como mero partícipe e receber a redução de pena prevista no par. 1o, do artigo 29.

 

6.3.Participação em crime menos grave

Dispõe o artigo 29, par. 2o, que ?se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave?.

Segundo este dispositivo, decidindo dois agentes por furtar um estabelecimento comercial e, lá chegando, um deles dispara um tiro e mata um vigilante, aqueel que matou responderá por latrocínio e o outro apenas por furto qualificado pelo concurso de pessoas.

No entanto, caso a ocorrência do crime mais grave fosse previsível, então poderá o juiz aumentar da metade a pena daquele que queria participar de crime menos grave (aumentar da metade a pena do crime que o sujeito quis participar). No exemplo anterior, o agente que entrou no estabelecimento comercial, juntamente com um comparsa armado, poderia prever que esse, deparando-se com um vigilante, utilizaria da arma para eliminar a ameaça de serem presos, ocasião em que aumentará da metade a pena do furto qualificado.

 

7.Circunstâncias incomunicáveis

No tocante a fixação da pena pela participação no crime realizado em conjunto, cabe ainda examinar certas circunstâncias e condições, que dizem respeito especificadamente à pessoa de cada um dos participantes e avaliar se devem elas se comunicar aos demais concorrentes para agravar-lhes ou atenuar-lhes igualitariamente a sanção criminal.

Assim, quando o crime é praticado por todos contra um velho, ou contra uma criança, a pena será agravada para todos (artigo 61, inciso II, h).

No entanto, neste mesmo caso, sendo um dos agentes reincidente, a pena terá mais uma agravante (artigo 61, I), mas apenas em relação a este, não se comunicando aos demais, pois trata-se de uma situação de caráter pessoal.

O mesmo se aplica quando o crime é cometido em concurso de agentes contra pai, irmão, esposa ou filho. Somente o agente que tiver os laços familiares, é que responderá pela agravante. Os demais responderam pelo crime, mas sem que a pena seja agravada.

Circunstância elementar, por outro lado, é aquela que constitui o próprio tipo penal, como por exemplo, o peculato (artigo 312). Assim, quem não é funcionário público, pode participar de um crime de peculato, desde que praticado por alguém que detenha esta condição pessoal de servidor da administração pública.

Grande discussão existe em torno do infanticídio, ou seja, se um terceiro auxilia a mãe em estado puerperal a matar o recém-nascido, deverá ele responder por homicídio ou por infanticídio?

A doutrina moderna tem-se posicionado, em sua grande maioria, pelo reconhecimento do infanticídio, fundamentando tal posicionamento, justamente no artigo 30 do Código Penal.

É que, o estado puerperal é uma circunstância elementar do crime de infanticídio e, por mais injusto que pareça, nos termos da parte final do artigo 30, deve ser aplicado a todos os participantes.

Logo, o autor do homicídio contra recém-nascido, a pedido da mãe em estado puerperal, responderá por infanticídio, que nada mais é do que uma figura privilegiada do homicídio.

 

8.Das agravantes específicas

Dispõe o código penal, ainda, além das agravantes descritas no artigo 61, uma relação de agravantes que são aplicadas nos crimes praticados em concurso de pessoas, como se vê:

?A pena será ainda agravada em relação ao agente que:

I ? promove, ou organiza a cooperação ou dirige a atividade dos demais agentes;

II ? coage ou induz outrem à execução material do crime;

III ? instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal;

IV ? executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.

 

9.Das causas de impunibilidade

O artigo 31, disciplina que: ?O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressamente em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.?

Assim, o funcionário de uma loja, que ao sair, deixa a porta aberta para o seu comparsa entrar durante a noite e cometer o crime de furto, não será punível, se esse não comparecer para praticar o ilícito.

Exceção se faz no caso de concurso de mais de três pessoas com o fim de cometer crimes, mesmo que estes não cometam nenhuma infração, já violaram o artigo 288, do Código Penal (formação de quadrilha).

 

CONCLUSÃO:

Como se observou, o instituto do concurso de pessoas tem como finalidade responsabilizar criminalmente não apenas aquele que pratica o verbo descrito no tipo penal, mas também, todos aqueles que concorrerem para o crime.

Duas são as figuras principais do concurso de pessoas, o coautor, que é aquele que efetivamente pratica a conduta reprovada e o partícipe, configurado naquele que não pratica o verbo criminoso, mas ?de qualquer maneira? colabora para a empreitada criminosa, seja por instigação ou materialmente.

Retira-se, ainda, que apenas com a reforma da parte geral do Código Penal, é que o  partícipe passou a contar com os benefícios da participação de menor importância e até mesmo com a responsabilização pelo que crime que efetivamente quis participar, ainda que outro tenha sido realizado pelo coautor.

 

BIBLIOGRAFIA

Código Penal; Processo Penal e Constituição Federal. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Marcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes ? 4ª edição ? São Paulo ? Saraiva, 2008.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral ? 13ª edição ? São Paulo ? Editora Saraiva, 2008.

PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: doutrina; casuística; conexões lógicas com os vários ramos do direito ? 5ª edição ? São Paulo ? Editora Revista dos Tribunais, 2010.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de Direito Penal brasileiro, volume 1: parte geral ? 6ª edição ? São Paulo ? Editora Revista dos Tribunais, 2006.

[1] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul (2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009. Advogado militante nas áreas do direito penal econômico, ambiental e comercial. Sócio fundador da Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados.

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