Julio Max Manske[i]

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo não tem caráter estritamente científico, mas sim, verdadeiro teor de desabafo. No decorrer da leitura, poder-se-á verificar a contradição em que o governo encontra-se no momento em que visa evitar o consumo de álcool e fumo, ao mesmo tempo em que relaxa e flexibiliza o consumo de substâncias que, até então, são tidas como ilegais. Far-se-á uma ?viagem? no tempo para demonstrar o perigoso caminho que se está adotando, tão somente para justificar a impossibilidade de recolhimento de delinquentes face a ausência de vagas no sistema carcerário.

2.DO CRIME DE POSSE DE ENTORPECENTES

Nos saudosos anos da década de 90, momento em que iniciei o estudo no curso de direito, aprendi que ?Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, implicava em pena privativa de liberdade de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da pena de multa (art. 16, DL 6.368/76).

Também compreendi que aquele que fosse pego consumindo entorpecentes, não iria diretamente à prisão, pois com o advento da Lei 9.099/95, notadamente com a nova redação do seu artigo 61, a posse de entorpecentes era tido como infração de menor potencial ofensivo, logo, o criminoso poderia aceitar uma proposta do Ministério Público e cumprir algumas condições para evitar um processo criminal.  Estas condições, em se tratando destes consumidores, eram direcionadas a participação em cursos e palestras que visavam demonstrar os malefícios deste consumo.

No entanto, mesmo acatando o acordo, caso o consumidor fosse novamente flagrado consumindo drogas (agora não mais tendo o benefício da transação penal, caso o novo fato ocorresse antes de 5 anos do anterior), ainda assim não iria para a prisão, pois caso condenado, a pena privativa de liberdade poderia ser substituída por restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, limitação de final de semana, etc).

Deste modo, apenas quando o sujeito fosse, pela terceira vez flagrado consumindo drogas, é que iria cumprir sua condenação (entre 6 meses a 2 anos) preso (regime semiaberto, dada a natureza da infração ? detenção).

3.DA NOVA LEI DE DROGAS

Em 2006, entrou em vigor a nova Lei de Drogas, tida pela imprensa, governo e sociedade, como uma dura medida imposta contra os usuários e traficantes, ou seja, contra todos aqueles que de alguma forma, faziam da droga seu modo de vida (Lei 11.343/06).

No caso específico do consumidor, a ?dura? lei estabeleceu em seu artigo 28, que ?quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.?  Ah, tais medidas (II e III), pelo longo prazo de 5 meses e 10 meses no caso de reincidência.

Assim, ao cidadão que depara-se com um consumidor de drogas em frente a seu recinto familiar e que não queira permitir aos seus filhos que assistam ao show de horrores que consiste sua ingestão (assim entendida qualquer forma de consumo), caberia chamar a Polícia Militar, a qual, acredita o cidadão, levará o consumidor (não mais delinquente) para a Delegacia e lá, pensa, iniciar-se-ão os procedimentos relativos a aplicação da pena para sua conduta delituosa.

Ledo engano. O mesmo cidadão que ?fala? em flexibilização de direitos, de liberação do uso da maconha entre outras, não tem noção que o Policial Militar, ainda tem efetivamente adotado a conduta de levar o consumidor a delegacia, mas apenas por educação ao cidadão que o chamou, pois bem sabe, em poucos momentos encontrará este mesmo consumidor em outro ponto, ?cheirando? seu tempo em frente a outro cidadão que novamente acionará a força policial.

Este leva e solta prossegue pois, já segundo a legislação vigente, não pena privativa de liberdade para o consumidor, apenas medidas restritivas que pouco ou nenhum efeito produzem sobre o mesmo. Programas ou medidas visando alertar os efeitos decorrentes do uso de drogas serve para prevenção, mas nunca para punição. O PROERD adota este procedimento com maestria, ensinando e advertindo as crianças a respeito dos malefícios decorrentes do uso de drogas (inclusive das legalmente comercializadas). O consumidor não é burro, não é desavisado e tampouco inocente. Bem sabe que o uso e consumo levará ao vício e o vício o levará a tantos males já largamente conhecidos, seja quanto a sua saúde corporal, como mental e ainda, familiar e social.

3.DA EMBRIAGUEZ NO TRÂNSITO

A adequação do Código de Trânsito brasileiro, estabelecendo a conduta de conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, implica na responsabilização penal, consistente nas penas de detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, pareceu indicar que o governo adotaria uma postura mais agressiva e punitiva quanto ao uso de drogas.

Tal previsão, ainda, é reforçada pelos projetos em trâmite nas casas legislativas, visando reduzir a zero a tolerância estabelecida legalmente, bem como elevar o valor da multa, está já prevista como a mais elevada do atual código.

As campanhas publicitárias, por sua vez, financiadas pelo governo federal, atingem a sociedade com imagens cada vez mais reais e drásticas, objetivando chocar a sociedade e evitar o binômio álcool x direção.

Entretanto, parece que fora das vias públicas, nada é proibido.

4.DO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL

Nada é proibido porque, segundo a redação do anteprojeto do novo código penal, já entregue para análise das casas legislativas, ?Não haverá crime para o agente que: I ? adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal; II ? semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal.?

E, ?para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, à conduta, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às circunstâncias sociais e pessoais do agente. Salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde.?

Bem verdade que o uso deve ser escondido, pois para ?Aquele que usar ostensivamente droga em locais públicos, nas imediações de escolas ou outros locais de concentração de crianças ou adolescentes, ou na presença destes, será submetido às seguintes penas: I ? advertência sobre os efeitos das drogas; II ? prestação de serviços à comunidade; III ? medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.?. Estas, a exemplo das atuais, pelos períodos de 5 meses ao primário e 10 meses ao reincidente.

Ou seja, o próprio governo incentiva o uso da droga, alertando que se for feita de forma ?escondida?, não ostensiva, não há qualquer problema e, ainda que o seja em frente a escolas, a medida (não mais punitiva, porque a conduta foi descriminalizada) será aquela inócua já hoje existente.

Aliás, consumir escondido pode. O que leva a crer que vender escondido também, pois como pode haver consumo sem o produto? Como haver o consumo sem o fornecimento, sem a venda, sem o transporte???

5.DO PORQUÊ DA DESCRIMINALIZAÇÃO

 

Avaliando-se a conduta governamental no sentido de criminalizar com maior intensidade a condução de veículo automotor sob efeitos de ?drogas? (aqui entendidas tanto as lícitas como ilícitas), bem como a restrição cada vez maior dos comerciais envolvendo álcool e fumo em horários cada vez menores e locais que não tenham ligação com crianças, adolescentes e atividades esportivas e educacionais, cria-se uma confusão mental quando depara-se com a pouca efetividade no sentido de punir o consumo de drogas.

Aliás, os milionários gastos com campanhas publicitárias sequer chegam próximos aos tantos outros milhões gastos com a saúde pública, que já fragilizada em todo o território nacional, tem de dedicar tempo, espaço, recursos humanos e materiais, para atender aos consumidores de entorpecentes, ou as vítimas dos mesmos.

A explicação para ser apenas uma. Ausência completa de um sistema prisional, corretivo e ressocializador que funcione e atenda as necessidades que a sociedade exige e precisa. Não se está apenas falando no consumo de drogas, mas de todo um sistema fadado ao mais absoluto insucesso. O sistema prisional brasileiro (aliás, não é um privilégio apenas do Brasil, mas do mundo), não funciona. Os governantes não sabem o que fazer com uma população carcerária que cresce diariamente e que possui uma demanda muito maior do que aquela já existente.

Se exigíssemos que a polícia efetivamente fizesse seu trabalho, que o judiciário fosse ágil e julgasse com seriedade e rapidez os criminosos, impondo as penas legalmente estabelecidas, estaríamos diante de uma situação impossível de ser resolvida, qual seja, a falta de lugar para manter os criminosos reclusos. Não apenas falta de lugar, mas de toda a estrutura inerente a tais estabelecimentos.

Qual a solução, portanto? despenalizar, descriminalizar as infrações menores, aquelas que a sociedade já está acostumada. Fazer acordos (transações penais), postergar o processo (suspensão penal), evitar prisões (penas alternativas), simplesmente porque não há lugar!!!

Não posso acreditar que os governantes simplesmente aceitaram a liberação do uso de drogas, por entender que sua penalização torna-a mais atraente. Os exemplos internacionais já demonstram seu fracasso. Toda nossa recente história no combate as drogas foi no sentido de afastá-la das vidas dos cidadãos, evitando o primeiro consumo e, por consequência, o vício e o tráfico.

No entanto, a impossibilidade atual de atender a demanda carcerária existente, exige sacrificar essa modalidade de combate ao tráfico (ao liberar o consumo, há o favorecimento ao tráfico). Ou será que toparíamos pagar mais impostos para construção de um sistema execucional de pena mais efetivo?


[i] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral e Processo Penal no Centro Universitário Católica de Santa Catarina (desde 2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009. Especialista em Corrupção, Crime Organizado e Terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha 2011); Pacificador Social, através do Curso de Gerenciamento de Crise, turma 2011/1, pela Polícia Militar da Paraíba.

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