Maristela Hertel[1]

RESUMO

Este artigo trata especificamente do estudo quanto à possibilidade jurídica de se alterar o regime de bens eleito pelos nubentes quando do processo de habilitação para o casamento, os efeitos dessa alteração em relação ao casal e a terceiros e, também, quanto a forma de se efetivar a alteração no regime de bens.

Palavras-chave: Família. Casamento. Regime de Bens. Mutabilidade.

1 INTRODUÇÃO

A família[2] – como organismo também ético, cultural e social, além de jurídico, considerada universalmente como sendo ?célula social por excelência? – ajustou-se naturalmente às evoluções históricas das civilizações[3], satisfazendo os anseios dos sujeitos deste instituto, os quais, no limiar deste novo século, assumiram novos papéis na sociedade e no trabalho, novas obrigações e compromissos, mas aspiram, indistintamente, a um convívio familiar harmonioso.

A transformação social da família também foi acolhida juridicamente e, neste ponto, diversos autores registraram o fenômeno da ?constitucionalização? do direito da família ou da própria família, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, expressão que se tornou comum:

?Na Constituição Federal encontra-se um conjunto significativo de dispositivos que tratam da regulamentação jurídica da família. O valor e o ?valer? da Constituição, sem embargo, está além da norma positivada. Assim se apreende esse fenômeno, a ?constitucionalização? do Direito de Família, através do qual a Constituição Federal ocupa o lugar classicamente deferido ao Código civil e, hoje, é a lei fundamente, ali está a base do Direito de Família, regras e princípios fundamentais.?[4]

A família contemporânea reconhecida pelo Estado e merecedora de sua proteção especial está calcada na pluralidade de modelos[5], mas independentemente da forma da sua constituição representa, entre o casal, a intenção da comunhão plena da vida.

Dentre os efeitos do casamento está o patrimonial, cujos reflexos são efetivamente sentidos e discutidos quando da ruptura do casamento ou da sociedade conjugal, seja pela separação judicial, divórcio ou pela morte de um dos cônjuges.

Assim, ?o regime de bens tem por fito regulamentar as relações patrimoniais entre os cônjuges, nomeadamente quanto ao domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens trazidos ao casamento e aos adquiridos durante a união conjugal[6].?

2. DOS REGIMES DE BENS

2.1  dos tipos de regime de bens

Atualmente, são quatro os tipos de regimes de bens previstos na legislação  nacional[7]:

?1) Na comunhão universal de bens, ?a regra geral é a da comunicação de todos os bens dos cônjuges, anteriores ou posteriores ao casamento. Há, como já referido, uma margem mínima de incomunicabilidade,       isto é, alguns bens que não se comunicam de nenhum modo para proteção dos interesses individuais dos cônjuges.

2) Na comunhão parcial de bens, ?comunicam-se apenas os bens posteriores ao casamento, mesmo assim desde que não tenham sido adquiridos por doação ou sucessão por um dos cônjuges somente. Em relação aos bens já titulados pelos consortes antes de se casarem, continuam a pertencer ao seu titular com exclusividade.

3) Na participação final dos aquestos ?a comunicação dá-se nos bens adquiridos pelo esforço comum do casal, a título oneroso, durante o casamento?

4) Na separação absoluta de bens ?nenhum dos bens dos cônjuges, anteriores ou posteriores ao casamento, se comunicam.?

Ainda que tenham quatro tipos de regime de bens, este será integralmente aplicado, caso os nubentes não tenham decidido de forma diferente através do pacto antenupcial. Importante destacar que, antes do casamento, há liberdade[8] de os nubentes mesclarem os efeitos de um ou de outro tipo do regime de bens sobre determinado patrimônio, por exemplo. É o que defende e explica LOBO[9]:

?A liberdade de estruturação do regime de bens, para os nubentes, é total. Não impôs a lei a contenção da escolha apenas a um dos tipos previstos. Podem fundir tipos, com elementos ou partes de cada um; podem modificar ou repelir normas dispositivas de determinado tipo escolhido, restringindo ou ampliando seus efeitos; podem até criar outro regime não previsto na lei, desde que não constitua expropriação disfarçada de bens por um contra outro, ou ameaça a crédito de terceiro, ou fraude à lei, ou contrariedade aos bons costumes. As regras gerais aplicáveis a quaisquer regimes, previstas nos arts. 1.639 a 1.657 do Código Civil, não podem ser derrogadas pelos nubentes. Se, na escritura, constar apenas o tipo escolhido, este será integralmente aplicado, na forma do que prevê o Código.?

Assim, se não houver pacto antenupcial que contenha regras distintas daquelas previstas na própria lei para cada um dos tipos de regimes de bens, as normas serão integralmente aplicáveis para fins de considerar os efeitos patrimoniais no casamento.

2.2 da relativização do princípio da imutabilidade do regime de bens.

Realizado casamento válido, via de regra, o regime de bens deverá vigorar até o fim da sociedade conjugal. Esta é a regra que sempre imperou na legislação nacional.

Contudo, desde a vigência do Código Civil de 1916 este princípio de imutabilidade foi relativizado, prevendo a própria lei que, apesar de ser regra, há a possibilidade de, em alguns casos e dependendo do preenchimento de certos requisitos, o regime de bens adotado pelo casal quando do casamento possa ser alterado.

Uma das justificativas e necessidades para se alterar o regime de bens do casamento é o fato de que o Código Civil atualmente em vigor, em seu artigo 977, proíbe a constituição de uma sociedade empresária entre cônjuges casados pelo regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória, conforme segue:

?Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória?.

Assim, a possibilidade da alteração do regime de bens está previsto no Código Civil, artigo 1.639, § 2º, in verbis:

?É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

(…)

§ 2º  É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.?

Diante desta previsão legal, que trouxe a possibilidade de alteração do regime de bens ainda que durante a constância e validade da sociedade conjugal, a migração de um regime de bens para outro é possível, desde que quatro requisitos[10] sejam rigorosa e simultaneamente cumpridos:

  1. concordância dos cônjuges: a mudança do regime de bens não poderá verificar-se, em nenhuma hipótese, contra a vontade de um dos cônjuges
  2. autorização judicial: não permite o direito brasileiro que os cônjuges promovam extrajudicialmente a mudança do regime de bens. Tendo em vista os interesses prestigiados pelo princípio da imutabilidade, apenas o pronunciamento judicial pode garantir que nenhum dos cônjuges, nem terceiros, estariam sendo prejudicados com a adoção do novo regime.
  3. motivação pertinente e comprovada: o requisito da motivação pertinente e comprovada define-se por exclusão. Não vem ao caso os motivos que levaram os cônjuges a buscar a mudança do regime de bens. Desde que não esteja nenhum deles sendo pressionado e não haja prejuízo aos credores, o juiz deve atender ao pedido. De qualquer modo, as hipóteses mais corriqueiras são as ligadas ao regime da separação obrigatória por força das causas suspensivas ou da insuficiência da idade.
  4. preservação dos direitos de terceiros: é incabível a mudança do regime patrimonial quando puder lesar direitos de terceiros. Se eventualmente for deferida em juízo a alteração, sem que o conhecimento judicial tivesse alcançado, em razão da provas produzidas pelos consortes, a possibilidade do prejuízo a terceiros, perante esses ela não produzirá efeitos.

Há um ponto específico que a lei deixou de regulamentar: o início dos efeitos dessa alteração. Seriam retroativos à data do casamento? Serão a partir do trânsito em julgado da sentença que julgar procedente o pedido de alteração do regime de bens? Poderá ser válido a partir de um termo certo?

No silêncio da lei, a doutrina tem apontado que:

?a regra a ser observada é a seguinte: a mudança de regime de bens apenas valerá para o futuro, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos; a mudança poderá alcançar os atos passados se o regime adotado (exemplo: substituição de separação convencional por comunhão parcial ou universal) beneficiar terceiro credor, pela ampliação das garantias patrimoniais. Em relação aos terceiros, especialmente os credores, não pode a mudança de regime permitir aos cônjuges que ajam fraudulentamente contra os interesses daqueles.?(LOBO, op.cit. p.296)

Importante também destacar que o pedido judicial para alteração do regime de bens não exige prazo mínimo do casamento válido, nem condiciona o número de alterações do regime de bens durante a constância do casamento, podendo, então, o mesmo casal, alterar o regime de bens quantas vezes lhe aprouver, desde que observados os requisitos legais acima indicados.

3. CONCLUSÃO

As transformações sociais pelas quais a sociedade tem passado, principalmente no último século, exigiram do direito resposta aos novos anseios dos seus componentes e, dentre eles, no campo do direito de família, os efeitos patrimoniais do casamento.

Desta forma, o regime de bens, cujo princípio norteador era a sua imutabilidade durante a sociedade conjugal, tornou-se relativizado, desde que a permissão para alterar o regime de bens seja através de autorização judicial após  perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, o pedido seja motivado e em conjunto por ambos os cônjuges e não cause prejuízo para terceiros.

Os efeitos da alteração do regime de bens serão a partir do trânsito em julgado da decisão judicial, resguardados direitos de terceiros, com averbação no registro do assento do casamento.

BIBLIOGRAFIA

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil. Família e Sucessões. 3 ed. São Paulo: Saraiva. 2010

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2 volume, 1999

Fachin, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999

LOBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva. 2008.

[1] Advogada inscria na OAB/SC sob nº 14.149. Sócia Fundadora do Escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados, inscrito na OAB/SC sob nº 1.029. Professora do Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj.

[2] Sentido amplo: ?O conceito abrange todos os indivíduos ligados pelo vínculo da consagüinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como as pessoas de serviço doméstico ou as que vivam às suas expensas; além dos cônjuges e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins?.

Sentido restrito: ?Alcança não só o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio, concubinato e da filiação, ou seja, os cônjuges, os conviventes e a prole, mas também a comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes, independentemente de existir o vínculo conjugal que a originou?.(DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2 volume, 1999, p.513).

[3] ?Parece inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas por fenômenos sociais.? (Fachin, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999).

[4] Fachin, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. P.56-57.

[5] Quanto aos modelos de família recepcionados pela Constituição Federal de 1988, o respeitado doutrinador mencionado na nota de rodapé 14 aborda a união livre como possível de receber proteção Estatal; tal modelo de família, no entanto, não é mencionado por outros autores, os quais, entendem que a família constitucionalizada pode ser: a família tradicional (constituída pelo casamento civil), a união estável (constituída pela união do homem e da mulher sem casamento civil) e a monoparental (constituída por um ascendente, homem ou mulher, e seus descendentes.)

[6] LOBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva. 2008. p.292.

[7] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil. Família e Sucessões. 3 ed. São Paulo: Saraiva. 2010. p.86.

[8] Esta liberdade é relativa nos casos previstos no artigo 1.641 do Código Civil Brasileiro, ou seja: quando ocorrer alguma causa suspensiva para o casamento, quando o nubente for maior de 60 anos, quando o nubente necessitar de suprimento judicial para casar. Nesses casos, o regime de bens obrigatoriamente será o da separação absoluta de bens.

[9] Op.ci.p.292

[10] COELHO, Fabio Ulhoa. Op.cit. p.104.

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