Maristela Hertel[1]

RESUMO

Este artigo tem por objetivo abordar aspectos destacados da Emenda Constitucional nº 66/2010, que de forma simples, direta e objetiva, possibilita o rompimento do casamento válido através do divórcio, independentemente de qualquer requisito temporal de duração do casamento, ou de processo prévio de separação judicial, dando aos cônjuges maior liberdade de escolha e da permanência ou não do estado civil de casado.

Palavras-chave: Família. Casamento. Divórcio. Separação Judicial.

1. INTRODUÇÃO.

O dia 18 de julho de 2010 vai marcar a história jurídica do casamento, pois, a partir de então, é possível a extinção formal do casamento, através do divórcio, independentemente de qualquer prazo de duração do matrimônio a ser desfeito. É o que disciplinou a Emenda Constitucional nº 66,  ao alterar o § 6º do artigo 226 da Constituição Federal, mantendo-o com a seguinte redação: ?o casamento pode ser dissolvido com o divórcio?.

Já a redação anterior previa: ?o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos?.

Com esta importante alteração legislativa fecha-se o ciclo de um período de 33 anos que iniciou com a Emenda Constitucional nº 9 de 1977, possibilitando a dissolução do casamento civil em nosso país.

2. DO CASAMENTO E DO DIVÓRCIO.

A Constitucionalização do direito de família teve início em 1934, através da previsão da indissolubilidade do casamento, como se verá adiante, num breve apanhado histórico.

As regras de direito de família afetam o indivíduo dentro daquele núcleo social, relativamente pequeno, em que ele nasce, cresce e se desenvolve, disciplinando suas relações de ordem pessoal e patrimonial[2], reflexos diretos das relações conjugais, independentemente se originadas através da formação de uma família através do casamento, da união estável ou de uma família monoparental, as três espécies atualmente previstas na Constituição Federal.

Tem-se, assim, o reconhecimento formal da pluralidade dos modelos de família, que pode ter sua moldura diversa da do casamento civil, agora arraigada em valores maiores do que a sua oficialização perante o Estado. Tal mudança foi bem apanhada por Eduardo de Oliveira Leite[3], já em 1991, seguindo as pegadas de outros juristas:

?A nova família, estruturada nas relações de autenticidade, afeto, amor, diálogo e igualdade, em nada se confunde com o modelo tradicional, quase sempre próximo da hipocrisia, da falsidade institucionalizada, do fingimento. A noção de vida comum atual repousa soberana sobre sua solidariedade constantemente provocada pela intensidade afetiva.(…) Nesta ótica, a permanência das relações passa a independer de condutas preestabelecidas e formalizadas em códigos e leis, mas decorre da atitude de cada cônjuge em relação ao outro.

Este é o cenário atual, mas, numa rápida digressão histórica, importante relembrar que, a cem anos, o legislador ignorava completamente as famílias desconstituídas, independentemente do motivo, hostilizando qualquer relação conjugal que não a formada através do vínculo matrimonial do casamento, o que levava muitos grupos familiares constituídos de fato, viverem à margem da lei e longe da proteção do Estado.

Tamanha importância tinha a família e o casamento na formação da base da sociedade, que a Constituição Federal de 1934, condicionava a idéia de família à de casamento, o qual era considerado indissolúvel[4], salvo pelo evento natural da morte de um dos cônjuges.

Em julho 1977, a Emenda Constitucional nº 9, alterou a previsão anterior da indissolubilidade do casamento, para o que seria necessário uma lei regulamentadora, o que foi concretizado com a promulgação da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, a conhecida Lei do Divórcio, a qual cuidou de estabelecer, de forma pormenorizada, as conseqüências advindas do reconhecimento judicial da ruptura da sociedade conjugal.[5]

Apesar de, na época, ter representado um grande avanço, há que se destacar que esta lei permitia o divórcio uma única vez por pessoa e somente após 3 anos do desquite amigável ou litigioso.

Grande transformação no direito de família foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, marco histórico a partir do qual o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio após dois anos de separação de fato ou um ano após a separação judicial (art. 226, § 6º da Constituição Federal).

Vê-se, pois, que, desde 1977, o pressuposto temporal sempre foi requisito para a dissolução da sociedade conjugal através da separação conjugal (exigência de, no mínimo, um ano de casamento) ou, então, separação de fato por mais de 2 anos para possibilitar o divórcio direto.

3. DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010

A principal alteração da Emenda Constitucional nº 66 de 2010, foi a de afastar o requisito temporal para a decretação do divórcio, o qual dissolve o vínculo matrimonial e a sociedade conjugal do casal.

Outro ponto destacado é a extinção do instituto da separação judicial no direito brasileiro e com ele a tão discutida necessidade de imputação de culpa nos processos litigiosos, no qual se objetivava apontar o cônjuge culpado pela separação, reconhecendo a inocência do outro.

Simples assim? Sim, mas com alguns reflexos diretos e indiretos na forma de dissolução do casamento, que valem ser destacados.

O primeiro deles diz respeito à desnecessidade da imposição da culpa pela dissolução do casamento quando ela não for requerida pelo consenso de ambos os cônjuges.  Neste aspecto, bem destacado pelo Professor Paulo Luiz Netto Lobo[6]:

No direito brasileiro, há grande consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da força normativa própria da Constituição. Sejam as normas constitucionais regras ou princípios não dependem de normas infraconstitucionais para estas prescreverem o que aquelas já prescreveram. O § 6º do art. 226 da Constituição qualifica-se como norma-regra, pois seu suporte fático é precisamente determinado: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, sem qualquer requisito prévio, por exclusivo ato de vontade dos cônjuges.

No plano da interpretação teleológica, indaga-se quais os fins sociais da nova norma constitucional. Responde-se: permitir sem empeços e sem intervenção estatal na intimidade dos cônjuges, que estes possam exercer com liberdade seu direito de desconstituir a sociedade conjugal, a qualquer tempo e sem precisar declinar os motivos. Conseqüentemente, quais os fins sociais da suposta sobrevivência da separação judicial, considerando que não mais poderia ser convertida em divórcio? Ou ainda, que interesse juridicamente relevante subsistiria em buscar-se um caminho que não pode levar à dissolução do casamento, pois o divórcio é o único modo que passa a ser previsto na Constituição? O resultado da sobrevivência da separação judicial é de palmar inocuidade, além de aberto confronto com os valores que a Constituição passou a exprimir, expurgando os resíduos de quantum despótico: liberdade e autonomia sem interferência estatal.

Ainda que se admitisse a sobrevivência da sociedade conjugal, a nova redação da norma constitucional permite que os cônjuges alcancem suas finalidades, com muito mais vantagem. Por outro lado, entre duas interpretações possíveis, não poderia prevalecer a que consultasse apenas o interesse individual do cônjuge que desejasse instrumentalizar a separação para o fim de punir o outro, comprometendo a boa administração da justiça e a paz social. É da tradição de nosso direito o que estabelece o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. O uso da justiça para punir o outro cônjuge não atende aos fins sociais nem ao bem comum, que devem iluminar a decisão judicial sobre os únicos pontos em litígio, quando os cônjuges sobre eles não transigem: a guarda e a proteção dos filhos menores, os alimentos que sejam devidos, a continuidade ou não do nome de casado e a partilha dos bens comuns.

A importância e a discussão da culpa pela ruptura do casamento estariam reservadas a situações bem específicas como no pedido de anulação do casamento, em razão dos reflexos previstos no artigo 1.564 do Código Civil) ou pedido de indenização por danos morais entre os cônjuges, discussão esta que não necessariamente precisa estar  vinculada ao pedido de divórcio.

O segundo reflexo diz respeito à desnecessidade do cumprimento de qualquer lapso temporal para requerer o divórcio, afastando, por completo, a vinculação da concessão do divórcio à permanência do casamento por pelo menos 01 ano.

Também como terceira conseqüência pode-se apontar que, a partir de agora, não haverá mais a dicotomia vinculada ao casamento outrora existente, ou seja, que o casamento, formado pela sociedade conjugal e pelo vínculo matrimonial, fosse dissolvido também de forma distinta, onde a separação judicial atingiria somente a sociedade conjugal, permanecendo hígido o vínculo matrimonial, o qual somente seria rompido pelo divórcio. A partir de agora, o divórcio dissolve todos os vínculos formados pelo casamento.

Uma quarta conseqüência é o estado civil dos separados judicialmente, os quais continuarão nessa qualidade até que o divórcio seja obtido; no entanto, os processos de separação judicial ou extrajudicial em trâmite deverão ser ajustados ao divórcio ou, então, arquivados.

Também, no caso de divórcio decretado judicialmente, os cônjuges, divorciados, que tiverem intenção de reatar o casamento, terão de fazê-los através de um novo casamento, ainda que com a mesma pessoa, uma vez que, de ora em diante, não haverá mais a separação judicial, situação em que era permitido aos casais separados judicialmente entre si, reativarem o casamento, anulando os efeitos da separação judicial.

Além desses efeitos ora apontados, existem tantos outros que serão estudados, discutidos e finalmente harmonizados com a atual realidade fática e legislativa, até que seja absorvido pela população como o melhor caminho para se atingir a tão sonhada paz social.

De tudo isso, vê-se que, pela interpretação literal da Emenda Constitucional nº 66/10, aliada ao histórico do direito brasileiro, hoje se permite 3 tipos de processos de divórcio: a) divórcio judicial litigioso; b) divórcio judicial consensual e c) divórcio extrajudicial consensual, cada um deles com seus requisitos formais próprios, conforme já regulamentados pelo Código Civil, tornando mais dinâmico o processo da dissolução do casamento.



[1] Advogada inscria na OAB/SC sob nº 14.149. Sócia Fundadora do Escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados, inscrito na OAB/SC sob nº 1.029. Professora do Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj.

[2] RODRIGUES, Silvio. Direito civil VI. Direito de família. São Paulo: Editora Saraiva. 2004.p.3.

[3] LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família. Origem e evolução. Curitiba: Juruá. 1991. p.367.

[4] Artigo 144 da Constituição Federal de 1934: ?a família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.? Também: CF de 1946: art. 163; CF de 1947: art.167; EC nº 1/69: artigo 175.

[5] ?As estatísticas brasileiras são precárias, mas oferecem mais alguns indícios do quem acontecendo no país, em termos de relacionamento entre os sexos. Quem lidera os pedidos de separação, no Estado de São Paulo, são mas mulheres. Segundo o IBGE, em 1995 as mulheres estiveram à frente de cerca de 70% dos divórcios e das separações judiciais litigiosas. Um estudo feito pelo instituto descobriu que o casamento formal deixou de ser o sonho de brasileiros e brasileiras. Em uma década, entre 1984 e 1994, o número de casamentos caiu cerca de 25%. A mais recente pesquisa feita pelo Grupo Catho, especializado em recursos humanos, aponta que no Brasil as mulheres estão sendo contratadas em maior proporção que os homens, são promovidas mais rapidamente e ocupam 14% dos cargos de direção nas pequenas e médias empresas. Entre os magistrados, as juízas eram 8% em 1980. Hoje são 25%.? Revista VEJA. Edição 1664. Ano 33 nº 35, de 30 de agosto de 2000. P.124-125.

[6] In Divórcio: Alteração constitucional e suas conseqüências. Publicado no site: www.ibdfam.com.br em 08/07/2010. acesso em 30 de julho de 2010.

 

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