Em artigo anterior, tratei da questão do divórcio e partilha de quota de sócio, discorrendo primeiramente sobre os regimes patrimoniais, visto que, em caso de divórcio, a divisão de bens depende do eleito pelo casal; e a partir de então, em sequência ao raciocínio, abordei: a) a quota de uma sociedade limitada não se confunde com o patrimônio pessoal de cada um dos seus sócios; b) a  “subsociedade” entre cônjuge não sócio da empresa com o seu marido/esposa; e, c) o cônjuge não sócio passa a ter direito de valor patrimonial da quota pertencente ao seu sócio divorciando, e não, de ingressar na sociedade como sócio.

Por sua vez, o presente artigo tem como enfoque a situação de falecimento de sócio e partilha de suas quotas, até porque, as empresas “podem” ser eternas, mas ao contrário, as pessoas físicas possuem existência finita. Então, como conciliar a manutenção da sociedade frente a esta situação?

As sucessões devem ser devidamente planejadas e/ou adequadas, ou seja, preparadas, evitando assim que fraquejem ou coloquem em risco a continuidade da empresa frente ao falecimento do sócio (o que é muito comum), até mesmo diante da diferença que se tem em razão de tempo, visto que o mundo empresária anda mais veloz do que o processo judicial-sucessório.

Predomina o grave engano de se achar que o problema deve ser resolvido, unicamente, no inventário da pessoa que faleceu.

Pode, e recomenda-se, que o contrato social preveja esta situação, evitando assim, entraves entre família do falecido e sócios remanescentes da sociedade.

A situação patrimonial das quotas precisa ser resolvida, o que se pode dar com o ingresso dos herdeiros na sociedade ou com o pagamento do equivalente do capital social do falecido em dinheiro. Uma das opções precisa ser tomada, até mesmo porque é proibido o enriquecimento sem causa (no caso, sócios remanescentes  “tirarem” proveito desta situação, acrescendo à si as quotas do sócios falecido).

Bem, o contrato social é o documento apropriado para dispor a sucessão de sócios, seja com o ingresso de herdeiros; ou, com o pagamento aos herdeiros dos haveres do falecido (neste caso, pode-se ainda convencionar que o pagamento será de forma parcelada, o que é muito importante, pois, dependendo da situação, evita-se o “abalo” a empresa se esta não contar com caixa imediato).

O contrato social também pode prever a inclusão de herdeiros com a exclusão de determinado sucessor, em virtude de algum aspecto pessoal da quota social ou o herdeiro não possuir perfil adequado ou desejado para contribuir com a sociedade. É algo intrínseco ao herdeiro. Embora pareça uma afronta ao direito sucessório, não há norma que impeça a exclusão.

Também, por vontade prévia dos sócios, pode-se convencionar a exclusão do direito do herdeiro de participar (e votar) na sociedade, o que não gera direito a qualquer indenização.

Da mesma forma, mesmo disposto no contrato social que os herdeiros ingressam na sociedade, estes devem concordar, pois, se não for esta a vontade, não serão obrigados, podendo pedir a liquidação da quota social pertencente ao sócio falecido.

Para Pontes de Miranda (1970, p. 141),

O herdeiro, pois que o é legítimo, ou contemplado no testamento, pode aceitar a herança, e não querer entrar para a sociedade. Se o presumível  herdeiro tomou parte no contrato social, para se vincular à entrada eventual, tem de satisfazer, no momento da morte do sócio, às exigências legais e contratuais para a substituição. Porém, tudo isso nada tem com a sucessão em si mesma: o sócio pode deixar mesmo de dizer que a pessoa que tomará o lugar é um dos presumíveis herdeiros. Se estabeleceu que todos os herdeiros seriam sócios, nem por isso a referência a “herdeiro” fez iure hereditário a substituição do sócio.

Quanto a liquidação das quotas, esta se dá por meio de balanço especial, levantando-se a participação (proporcional nos lucros e patrimônio líquido) do sócio falecido na sociedade.

Também poderá o contrato social dispor a forma como se dará a apuração do valor da quota de cada sócio e quais bens devem ou não ser considerados (por exemplo, deixar de incluir bens incorpóreos como a marca e a clientela, ou, eventuais condenações judiciais ou dívidas não contabilizadas, para um sócio que entende-se que não teve participação em tais situações), facilitando a liquidação da quota. Agora, se omisso o contrato social também quanto a forma da apuração de haveres e, o balanço especial deixar de retratar a realidade, os herdeiros podem ingressar judicialmente para avaliação (com suporte de perícia) do patrimônio social.

Mas, e quando o contrato social for omisso quanto à sucessão de sócio, como proceder?

Primeiramente, a legislação impõe uma barreira à terceiros no ingresso da sociedade sem a concordância dos demais sócios, conforme preceitua o artigo 1.003 do Código Civil, “A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.”; mas permite que os herdeiros recebam, em espécie, o que o falecido teria direito.

Mesmo que queiram, e assim deliberem na partilha de bens feita em inventário, os herdeiros não conseguirão obter a condição de sócio forçosamente, ou seja, contra a vontade do(s) outro(s) sócio(s).

Ainda, prevê o artigo 1.027 do Código Civil, “Os herdeiros do cônjuge de sócio, (…) não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.”.

Não se trata de dissolver total ou parcialmente a sociedade, visto ainda que se tem que levar em conta o princípio da preservação da empresa. Desta forma, prevê o artigo 1.028 do Código Civil que,

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I – se o contrato dispuser diferentemente;

II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Ou seja, se não estiver presente as exceções (incisos I, II e III), proceder-se-á a liquidação das quotas do sócio falecido e a apuração dos seus haveres respectivos, pagando-se aos herdeiros o equivalente a sua participação, mas sem que os mesmos ingressem na sociedade.

Quando da liquidação de quotas, os recursos para o pagamento dos haveres podem ser suportados pelos demais sócios, ou, diretamente, pela sociedade, com a redução do capital social, conforme estabelece o §1° do artigo 1.031 do Código Civil:

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§1oO capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

Se não previsto em contrato, a forma de pagamento esta se dará conforme preceitua o §2° do mesmo artigo, “A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.”.

Os herdeiros não podem exigir como forma de pagamento a restituição de bens que foram integralizados na sociedade, pois estes fazem parte do patrimônio da empresa.

Isto porque, a empresa limitada é pessoa jurídica com personalidade própria (princípio da entidade), não se confundindo com as pessoas físicas de seus sócios. O capital social pertence tão somente à empresa, passando os sócios a terem o direito patrimonial de crédito, condicionado a existência de lucros ou ativos líquidos.

Seguindo este entendimento, O direito que regula as empresas é o Societário e não o Sucessório, contemplando assim os interesses da empresa, que, quando da sua constituição, os sócios a criaram com o intuito de manter sociedade com determinada pessoa (caráter contratual intuitu personae), e não com os herdeiros desta, sob pena de vulnerar os princípios que norteiam a affectio societatis.

Outro problema enfrentado é quando o falecido é o administrador da sociedade, visto que é comum os herdeiros “acharem” que o inventariante ocupará este cargo, mesmo em situações que sequer seja sócio. Equívoco frequente, porém, frente a esta situação, a sociedade é quem deve nomear outro administrador para a empresa, levando-se em consideração a preservação da empresa conforme acima exposto.

Dúvidas também surgem quanto a possibilidade da permanência da empresa quando do falecimento de todos os sócios.

Para estes casos, deve-se prestigiar o princípio da preservação da empresa. Então, para a suposta situação, em tendo os herdeiros a intenção de continuar com o negócio, aplica-se o disposto no artigo 1.028 do Código Civil, acima transcrito, com exceção do inciso II, visto a inexistência de sócio remanescente para fazer cumprir a determinação.

Por fim, tem-se que o evento morte é um fato inevitável, mas o seu planejamento (levando-se em consideração a característica do negócio e dos sócios); pode simplificar, trazer tranquilidade, conforto e segurança para todos os envolvidos, contribuindo no sucesso empresarial frente a um momento que traz consigo muita dor e emoção, invadindo a razão e conflitando com o dia-a-dia empresarial.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Institui o Código Civil. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 20 nov. 2016.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.

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