Julio Max Manske[1]

?DEVEMOS USAR SEMPRE A FORÇA DO DIREITO E, EVENTUALMENTE, O DIREITO DA FORÇA? (Major PM Onivan Elias de Oliveira)

1.Introdução

Crise, segundo o conceito de Aurélio, consiste em: a)manifestação súbita de acidente patológico ou psíquico; b)fase difícil, grave, na evolução das coisas, dos sentimentos; c)deficiência, penúria; e d)ponto de transição entre uma época de prosperidade e outra de depressão.

 

Para a Polícia Militar, no entanto, o conceito de crise adotado é aquele destacado pela Academia Nacional do FBI (EUA), como sendo ?Um evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável?.

 

Tratam-se de situações onde a vida humana é exposta a riscos, seja em decorrência de tentativas de suicídio, de homicídio, de sequestro, de atentados terroristas e até mesmo de eventos naturais, como inundações, secas, vendavais entre outros.

 

Para tanto, os diversos órgãos policiais, desenvolveram programas voltados ao gerenciamento de situações de crise, estabelecendo suas características, objetivos fundamentais, medidas adotáveis, critérios de ação, graus de risco e níveis de resposta, definição de fontes e elementos de Inteligência, fixação de perímetros, posto de comando, elementos operacionais entre outras tantas especificidades.

 

Neste contexto, a Polícia Militar da Paraíba, é tida como referência no cenário nacional, mantendo 100% de êxito em suas operações desde sua criação em 1996. A frente deste trabalho, destaca-se o excepcional trabalho do seu coordenador-instituidor, Major Onivan Elias de Oliveira, pessoa que respira o trabalho policial na antiga, tradicional e esperada missão, que é de ?paz e proteção?.

 

Por tal razão, o presente utilizará como fonte de pesquisa e exposição, o material disponibilizado pelo Major Onivan, apresentado no curso de Gerenciamento de Crise 2011/1, gentilmente disponibilizado pelo mesmo a todos seus participantes.

 

2.Do Gerenciamento da Crise

?Gerenciamento de Crises, é o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma Crise?, novamente segundo a Academia Nacional do FBI.

A crise em tela, possui como características sua imprevisibilidade, consistente no fato que esta pode acontecer com qualquer pessoa ou instituição em qualquer local e a qualquer hora, na compressão do tempo, fundamentada na necessidade de tomada de decisões com urgência e agilidade, mesmo que a situação possa levar dais e, por fim, a ameaça à vida humana.

 

Como objetivos fundamentais, destacam-se a preservação da vida de todos os envolvidos na situação, inclusive do próprio causador da mesma e a aplicação da Lei, nessa ordem. Por tal razão, se for necessário postergar a aplicação da Lei para preservar vida(s) humana(s), essa deverá feita.

 

Qualquer situação de crise exige um gerenciamento, e para que o mesmo seja realizado dentro de uma doutrina especialmente estabelecido para este fim, buscando uma solução aceitável, deve-se atender a determinados procedimentos.

 

Solução aceitável, não é aquela que traga o menor dano para a situação, mas sim, aquela que atenda os objetivos fundamentais do gerenciamento já destacados, quais seja, a preservação da vida e a aplicação da Lei. Em outras palavras, é encerrar a situação de crise com a rendição do causador, sem vítimas e sem a violação de qualquer preceito legal. É inexistência de processos criminais em face dos policiais envolvidos no gerenciamento da crise e a existência de aceitação da sociedade.

 

Antes de continuar a discorrer sobre o gerenciamento de crise, necessário destacar a nomenclatura dos envolvidos na operação, isto é, o causador, o refém, os negociadores, o atirador, o grupo tático e, por fim, o gerente da crise.

 

2.1.Dos envolvidos

2.1.1.O causador

 

O causador é aquele que, literalmente, dá causa a situação de crise. É o sujeito que ameaça tirar a própria vida e/ou de terceiros motivado por razões que podem variar desde a completa alienação mental, até a defesa de causas sociais, religiosas ou territoriais.

 

De forma breve, pode ser classificado como criminoso comum, que é aquele que foi surpreendido pela prática de outro crime e busca a proteção em barricadas ou reféns para fugir das consequências do seu ato, assim como também aquele que utiliza da privação da liberdade da vítima para obter benefícios (extorsão mediante sequestro, por exemplo); criminoso emocionalmente perturbado, consistente no indivíduo portador de psicoses como a esquizofrenia, toxicomania, bipolaridade, etc; e o criminoso terrorista, sendo este último de maior risco, pois busca um espetáculo da maior grandeza para que seja ouvida sua ?causa?. Quanto mais chocante for a situação de crise, maior será a repercussão do seu ato.

 

2.1.2.O Refém

 

A refém é a pessoa que servirá de garantia ao causador, a exemplo dos sequestros e frustração de crimes anteriores, ou como objetivo da situação de crise, a exemplo dos atos praticados pelos criminosos terroristas, assim como pelo emocionalmente perturbados (crimes passionais). A retenção do refém deve ser mantida contra a vontade do mesmo, pois de forma contrária (havendo seu consentimento em permanecer no local, para dar suporte as reivindicações do causador, este passa a ser tratado como vítima.

 

2.1.3.O Gerente da Crise

 

Gerente da Crise é o comandante de toda a operação, sendo a autoridade máxima da crise. Recomenda-se que a referida função seja exercida sempre por um policial com extensa vivência policial e intensa bagagem de conhecimento teórico e prático sobre situações de crise. Isso porque, caberá ao gerente da crise todas as decisões a respeito das medidas a serem adotadas para solução da mesma, objetivando sempre, a solução aceitável.

 

Os negociadores, o grupo tático e o apoio, respondem e devem seguir as determinações do gerente, sendo este, o responsável pelo sucesso ou não da resolução da crise. Cabe ao gerente, também, a definições de questões técnicas (como definição do perímetro, do posto de comando, atendimento de exigências, etc) e táticas (negociação direcionada para utilização de tiro de comprometimento ou grupo de assalto), bem como o momento de cada ato.

 

2.1.4.Os Negociadores

 

Em uma situação de crise, onde se encontra um criminoso com ou sem refém, mas ameaçando vida humana (ainda que apenas a sua), é de extrema relevância o papel do negociador. É ele quem vai manter os diálogos com o causador, servindo de intermediário entre o mesmo e o gerente da crise. Destaca-se que o negociador não tem o poder de decisão quanto as medidas a serem adotadas, nem quanto as exigências apresentadas, estando sempre subordinado ao Gerente.

 

Por tal razão, a doutrina recomenda que o papel do negociador seja desempenhado por um policial com formação em negociação, pois este terá condições (em razão do treinamento e do conhecimento teórico/prático) de proceder da forma mais prudente que leve a solução aceitável da crise.

 

Embora se saiba das dificuldades práticas de cada situação, em situações de crise, recomenda-se a utilização não de apenas um, mas sim, de ao menos dois negociadores, sendo o primeiro o principal e o segundo o auxiliar/anotador. As finalidades primordiais do segundo negociador, são de suprir o primeiro das informações fornecidas pela inteligência, para manter a conversação, bem como substituí-lo quando necessário.

 

 

2.1.5.O  Grupo Especial Tático

 

Embora o desejo de solução de qualquer crise seja através da negociação técnica, que é aquela onde o causador libera os reféns e entrega-se à polícia sem qualquer tipo de violência, nem sempre é isso que ocorre.

 

Deste modo, ao gerente da crise, compete não apenas contar com um bom negociador, que tenha conhecimento da doutrina de negociação, mas também de um grupo especial tático, equipe formada por um mínimo número de policiais, mas altamente treinados para atuar em situações desta natureza (corresponde a SWAT brasileira e podem ser identificadas por siglas que variam de Estado para Estado, como o BOPE no Rio de Janeiro e o GATE na Paraíba).

 

O grupo especial tático é formado por atiradores de precisão (snipers) e assaltantes (grupo de assalto) e são subordinados ao comandante do grupo tático o qual, por sua vez, quando solicitado em uma situação de crise, responde ao gerente.

 

Os fundamentos que norteiam os integrantes desta equipe altamente especializada são a hierarquia, disciplina, lealdade e voluntariado, além da realização de treinamentos constantes e realísticos, bem como dedicação exclusiva ao grupo, mantendo os compromissos éticos de

responsabilidade coletiva, ridelidade aos objetivos doutrinários e dever do silêncio.

 

 

2.2.Das Medidas Básicas

 

Em qualquer situação de crise, os procedimentos iniciais são de conter, isolar e negociar (estabilizar).

 

Por CONTER, diz-se da ação policial que visa evitar o agravamento da situação ou que ela se alastre, assim como impedir que os causadores: a)aumentem o número de reféns; b)ampliem sua área de controle; c)conquistem posições mais seguras; d)tenham acesso a recursos que facilitem ou ampliem o seu potencial ofensivo.

 

ISOLAR, por seu turno, significa ISOLAR

?congelar? o objetivo, interrompendo o contato dos causadores e reféns com o exterior, assumindo, a Polícia, o controle como único veículo de interlocução, sendo que quanto melhor for o isolamento, melhores as possibilidades de negociação.

 

Por fim, NEGOCIAR, consiste em obter, do causador, as informações necessárias visando a solução aceitável, seja com finalidade técnica ou mesmo tática. Importa em elemento de inteligência ao gerente da crise, pois além de servir de intermediário entre esse e o causador, apresentando os pedidos diretos, também poderá fornecer informações relacionados ao estado emocional daqueles, a quantidade destes, ao armamento existente, ao ponto crítico, entre outras.

 

2.3.Dos Perímetros

Uma das primeiras providências a se adotar em uma situação de crise, é estabelecer os perímetros (interno e externo). Perímetro é o espaço territorial do acontecimento da crise, sendo que a sua definição é feita pelo gerente.

 

No perímetro interno, permanecem apenas o causador, o refém, os negociadores e o grupo de assalto. No perímetro externo fica o posto de comando e as equipes de socorro (assim como as demais de apoio, como Cia de Energia e Água, caminhões, alimentação, etc.).

 

O público e a imprensa, devem permanecer fora de ambos os perímetros, visando preservar, em especial, o trabalho do gerente e de forma secundária, dos demais envolvidos.

 

2.3.Das Alternativas Táticas

Como já se asseverou, a finalidade do gerente da crise, é alcançar o seu desfecho com uma solução aceitável, isto é, preservando vidas e aplicando a Lei, sendo que para tanto, terá as seguintes alternativas táticas para alcançar tal desiderato: negociação; uso de armas não letais; tiro de comprometimento e uso do grupo de assalto.

 

A negociação é a primeira e a mais desejada das alternativas para solução de qualquer espécie de conflito, pois é a que menos risco traz a todos os envolvidos na situação, bem como que possui maior aceitabilidade junto a opinião pública.

 

Não se obtendo o resultado pretendido com a negociação técnica surge, como medida alternativa, o uso de armas não letais para obter a rendição do causador sem ofender-lhe a vida, tais como munição de borracha, espagidores de gás, granadas de efeito moral, fumaça, som e luz, além das diversas armas que emitem corrente elétrica.

 

Possui o gerente, ainda, como alternativa à negociação, a utilização dos atiradores de precisão (snipers ou atiradores de elite), que tem como objetivo, além de servirem de fonte de inteligência ao gerente, acertar o causador da crise com único disparo, no sentido de permitir a ação conjunta do grupo de assalto, ou até mesmo, encerrar a situação com a eliminação do causador (medida de exceção, tendo em vista que o objetivo principal é preservar vidas, ainda que do próprio causador).

 

Por fim, dispõe o gerente, ainda, do Grupo de Assalto, sobre o qual, já se abordou e discorreu no tópico 2.1.5, ao qual remete-se o leitor.

2.4.Dos graus de risco e dos níveis de resposta

Em uma situação de crise, os graus de risco são classificados em 4 grupos, quais sejam:

 

a)alto risco, que consiste na ocorrência onde o causador tenta tirar a própria vida, ou quando encontra-se barricado, mas sem vítimas ou reféns.

 

b)altíssimo risco, que ocorre quando o causador mantêm, sob cárcere, reféns ou vítimas;

 

c)ameaça extraordinária, aplicada no momento em que a situação é de terrorismo ou com o uso de equipamento explosivo, pondo em risco, grande número de pessoas;

 

d)ameaça exótica, que é aquela onde o causador possui material radioativo, biológico, químico, etc, ou ainda, quando a situação de crise decorre de fenômenos da natureza, como vendaval, terremoto, inundação, deslizamento, entre outros.

 

Para cada uma das situações apresentadas, caberá uma resposta dentro dos seguintes níveis:

 

a)nível 1: a crise pode ser deliberada com recursos locais (pelos policiais locais);

 

b)nível 2: a situação exige recursos especializados, além daqueles destacados no nível um (uso do grupo de assalto tático)

 

c)nível 3: quando se utilizam recursos de apoio federais, além dos especializados existentes no local

 

d)nível 4: é aquela situação onde são necessários recursos estrangeiros, seja de outro pais, como também de um órgão internacional (recursos exógenos).

 

3.Conclusão

A bem da verdade, todas as questões tratadas no gerenciamento de crise, podem ser utilizadas em qualquer situação de crise, não necessariamente apenas naquelas onde se envolve o risco à vida humana.

 

Em nosso cotidiano, enfrentamos diversas situações de crise, seja na esfera pessoal, como na profissional. Os objetivos do gerenciamento da crise são alterados, por óbvio, mas as medidas básicas a se adotar, que é de conter, isolar e negociar, inserem-se perfeitamente em qualquer uma delas.

 

Em qualquer situação de crise, devemos em primeiro lugar, conter a mesma, evitando seu alastramento. Na sequencia, isolar, isto é, focar qual é efetivamente a situação, identificando-a. Posteriormente, negociar, ou seja, buscar a solução técnica, a solução negociada, aquela que menor risco traz a todos os envolvidos.

 

Para finalizar, parafraseando o nobre Major Onivan, em qualquer situação de crise, deve-se negociar, negociar e negociar e depois, continuar negociando.



[1] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul (2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009.

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