Este artigo pretende abordar os efeitos jurídicos das relações interpessoais no âmbito familiar, em especial a constituição de uma família através da união estável, diferenciando-a do atualmente chamado namoro qualificado.

 

 

INTRODUÇÃO

Na dinâmica das relações interpessoais e nas mais variadas formas de constituição de família, há uma área cinzenta que precisa ser tonalizada a fim de que motivos legais não sirvam de óbice ao exercício da liberdade da pessoa humana na esfera dos relacionamentos.

Oficializar ou não a relação conjugal através do casamento deve representar uma opção, uma liberalidade que decorre da vontade humana e não de uma imposição do Estado para a garantia e proteção de direitos individuais.

Neste mesmo raciocínio estão inseridas as relações de namoro ou de amizade entre pessoas que, apesar de manterem relações de afeto entre si, não formam uma família em todos os seus aspectos. E como provar, nos casos de litígio, que um namoro não era união estável e que amizade não era namoro nem união estável?

A prova do fato negativo (não é união estável) ou modificativo (era “namorido”) é mais difícil de se comprovar do que o fato constitutivo (era união estável), uma vez que fundado em critérios subjetivos (vontade) dos envolvidos e não em provas objetivas como é o caso de documento.

Se os próprios partícipes da relação discordam do que realmente viveram ou vivem, imaginem a dificuldade para o Judiciário decidir ou o legislador estabelecer critérios legais para serem aplicados.

  1. DA FAMÍLIA

Cada vez mais o Estado vem sendo chamado para dar solução aos litígios decorrentes de escolhas pessoais oriundas do direito de liberdade, seja convivendo como amigos, como namorados, noivos ou, realmente como família, através da união estável.

Aliás, o que é uma família e como ela se constitui – do ponto de vista jurídico? Pela Constituição Federal de 1988, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, e, no parágrafo 3º do Artigo 226:

  • 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Além das fronteiras constitucionais que ainda não alterado, está a Resolução nº 175 do CNJ (na esteira das decisões do STF no julgamento da ADPF 132/RJ, da ADI 4277/DF e do posicionamento do STJ no RESP 1.183.378/RS) que vedou às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo, ampliando o leque dos modelos familiares sob a proteção do Estado e da própria sociedade.

  1. NAMORO QUALIFICADO OU UNIÃO ESTÁVEL

 

Basicamente o que diferencia o casamento da união estável é a forma da contratação: enquanto o casamento civil é ato expresso, público, formal e solene, celebrado no dia, hora e lugar previamente designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante petição dos contraentes, que se mostrem (artigo 1.533 do Código Civil) a união estável é situação de fato, cujos requisitos legais sequer exigem documento escrito, pois, segundo a redação do artigo 1.723 do CC:

É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Então, na união estável, não há necessidade de coabitação, nem de consentimento expresso ou lapso temporal mínimo de convivência, mas a intenção de efetivamente constituir uma família é fundamental – e deve ser para ambos.

No dizer de Zeno Veloso:

O pressuposto subjetivo, a convicção de que se está constituindo uma família, vivendo numa entidade familiar, deve ser comum aos conviventes. Se apenas um deles entende assim, ou só um está convicto disso, o elemento não está cumprido, pois não pode ser unilateral. Mas, como se trata de pressuposto interno, anímico, psicológico, é de verificação tormentosa, intrincada, e de dificílima comprovação. Maria Berenice Dias, com a experiência de Desembargadora e do alto de sua estatura de jurista consagrada, depõe: “Não é fácil distinguir união estável e namoro, que se estabelece pelo nível de comprometimento do casal, sendo enorme o desafio dos operadores do direito para estabelecer sua caracterização” ( in Manual de Direito das Famílias, 10ª ed. RT/SP, 2015, pág. 261). In http://www.ibdfam.org.br/noticias/6060. Acesso em 08.09.2016.

Este elemento caracterizador da união estável é a affectio maritalis, que é uma vontade, um desejo, um compromisso muito maior do que o oficializado no casamento, mas precisa ser pelo casal e não só por um deles.

Pelo caráter subjetivo, há uma área cinzenta nessas relações, nem casamento, nem união estável por faltar justamente esse elemento volitivo e subjetivo em uma relação, o affectio maritalis. É o caso de namoro qualificado: mais do que um simples namoro, mas menos do que a constituição de uma família pela união estável. É um relacionamento estreito com projeto de constituição de uma família no futuro, formalmente constituída através de união estável ou de casamento.

Em julgado recente, o STJ (RESP nº 1454643, Relator Marco Aurélio Belizze, Terceira Turma, j. em 10/03/2015) rejeitou o apelo de uma noiva que pleiteava o reconhecimento de união estável durante os dois anos anteriores ao casamento e, via de consequência, a meação sobre imóvel adquirido anterior ao casamento e registrado em nome do noivo.

Para o Ministro relator:

“No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem.”

A terceirização da decisão da escolha da natureza jurídica da relação vivenciada pelo casal ao Poder Judiciário não é uma tarefa fácil, pois a linha é tênue entre o namoro qualificado e união estável. Destaca o Relator Ministro:

“Trata-se, na prática, da relação amorosa e sexual madura, entre pessoas maiores e capazes que, apesar de apreciarem a companhia uma da outra, e, por vezes, até pernoitarem com seus namorados, não têm o objetivo de constituir família. Por esse motivo é tão difícil, na prática, encontrar as diferenças entre a união estável e o namoro qualificado. Muito embora as semelhanças existentes entre ambos, o que os diferencia é o objetivo precípuo de constituir família – presente na união estável e ausente no namoro qualificado.”

CONCLUSÃO

 

                        Os casos que necessitarem de decisão do Poder Judiciário para o reconhecimento ou não da formação de uma família através da união estável são aqueles justamente que estão na área cinzenta e em que um dos partícipes é resistente ao reconhecimento da união estável.

O conjunto probatório contido nos autos irá definir o tom do cinza: se é união estável ou era um namoro – sem gerar os mesmos efeitos jurídicos: seja em divórcio, seja no direito de herança quando eventual sucessão for aberta, ao falecer um dos envolvidos na relação sub judice.

Tamanha importância o tema recebe pois o convivente em união estável é herdeiro legítimo e poderá concorrer com os demais na herança do convivente falecido.

Quanto mais clara e transparente for a relação entre os partícipes de uma família (ou não, se for namoro), maior será a segurança jurídica e mais fácil se tornará o rompimento e o acerto dos efeitos, seja em caso de rompimento da família pela dissolução, seja pela morte.

Por tais motivos, recomenda-se aos que pretendam constituir ou já constituem família através da união estável sejam firmes no seu própósito e deem a devida publicidade, evitando terceirizar a decisão ou opção ao Poder Judiciário ou deixar um problema para os sucessores.

BIBLIGRAFIA:

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 11 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, p.1

RESP nº 1454643, Relator Marco Aurélio Belizze, Terceira Turma, j. em 10/03/2015.

VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável? Disponível em http://www.ibdfam.org.br/noticias/6060. 20/06/2016.  Acesso em 08.09.2016.

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