Julio Max Manske[i]

 

Trata-se de artigo, visando compreender a classificação do fato típico denominado poluição sonora, isto é, se sua tipicidade está compreendida nos crimes ambientais ou permanece como contravenção penal.

 

Isto porque, comumente observam-se denúncias tipificando a poluição sonora no artigo 54, da Lei 9.605/98. Ocorre, no entanto, que a referida legislação, em sua origem, apontava a ocorrência da poluição sonora, em seu artigo 59, que possuía a seguinte redação:

“Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de  quaisquer atividades: Pena – detenção, de três meses a um ano e multa”.

 

Referido dispositivo foi objeto de veto presidencial, destacando que o bem juridicamente tutelado, qual seja, o meio ambiente, não pode ser perturbado por poluição sonora. Além disso, destaca que a conduta já vem descrita no artigo 42, da Lei das Contravenções Penais, prevendo, inclusive, penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, como se observa:

O bem juridicamente tutelado é a qualidade ambiental, que não poderá ser perturbada por poluição sonora, assim compreendida a produção de sons, ruídos e vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades.

O art. 42 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, que define as contravenções penais, já tipifica a perturbação do trabalho ou do sossego alheio, tutelando juridicamente a qualidade ambiental de forma mais apropriada e abrangente, punindo com prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa, a perturbação provocada pela produção de sons em níveis inadequados ou inoportunos, conforme normas legais ou regulamentares.

Tendo em vista que a redação do dispositivo tipifica penalmente a produção de sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as normas legais ou regulamentares, não a perturbação da tranquilidade ambiental provocada por poluição sonora, além de prever penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, torna-se necessário o veto do art. 59 da norma projetada.”

Compreender que, vetado o dispositivo que trata especificamente da poluição sonora, é possível incuti-lo na redação mais ampla e gravosa que trata o artigo 54, da Lei dos Crimes ambientais, fere os princípios da legalidade (art. 5º, XXXIX da Constituição Federal, bem como no art. 1º do Código Penal) e da proporcionalidade, aplicando-se a analogia em prejuízo do acusado, o que, sem maiores digressões, é vedado pelo sistema constitucional, penal e processual penal vigente.

Se o próprio legislador estabeleceu uma pena específica para a infração de poluição sonora inferior a prevista na imputação do artigo 54, e o dispositivo foi objeto de veto presidencial, cujas razões foram compreendidas e aceitas pelo congresso (senão haveriam de derrubá-lo), destacando-se que a referida conduta enquadra-se na contravenção penal do artigo 42, deve-se reconhecer a que o tipo violado é o contravencional e não aquele descrito nos crimes ambientais.

Nesse sentido, traz-se a colação decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim esclarece:

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 54 DA LEI 9.605/98. POLUIÇÃO SONORA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 42 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS. PRESCRIÇÃO.

I – Para a caracterização do delito previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/98, a poluição gerada deve ter o condão de, ao menos, poder causar danos à saúde humana, fato inocorrente na espécie.

II – Uma vez dada nova qualificação jurídica ao fato, qual seja: art. 42 da Lei de Contravenções Penais, e, levando-se em consideração que o fato se deu em 30/09/2003, e desde então não se verificou a ocorrência de qualquer marco interruptivo da prescrição – uma vez que a denúncia não mais subsiste – é de se declarar a extinção da punibilidade do paciente ex vi do art. 107, IV, c/c art. 109, VI do CP. Ordem concedida. Extinta a punibilidade.

(HC 54.536/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/06/2006, DJ 01/08/2006, p. 490)

E, do corpo do acórdão, retira-se que:

Sobre este aspecto, ou seja, acerca da lesividade da poluição que está determinada na redação acima transcrita ensina a doutrina que:“o termo em níveis tais exprime um certo quantum – suficiente -, elevado o bastante para resultar ou poder resultar em lesão à saúde humana . Por destruição significativa da flora deve ser entendida aquela realizada de maneira expressiva, de gravidade considerável. Tratam-se de corretivos típicos, excluindo-se do âmbito do injusto típico as condutas escassamente lesivas ou de pouca relevância para o bem jurídico tutelado (caráter fragmentário e subsidiário da intervenção penal. Também o estado de perigo exigido (possam resultar) deve ser grave, intenso e hábil para resultar em lesão à saúde humana .” (Luis Regis Prado, in Crimes Contra o Ambiente, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo:2001, pg.172)

Dessa forma, se afigura necessário concluir que a conduta do paciente não se amolda ao tipo inserto no art. 54 da referida lei. É que a ratio do referido diploma legal, ao buscar tutelar o meio ambiente, pode-se argumentar, não visou alcançar condutas como a que ora se apresenta. Vale mencionar que esta Quinta Turma, ao julgar recurso ordinário em habeas corpus, que tratava de matéria assemelhada à presente, assim decidiu:

“CRIMINAL. RHC. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO HÍDRICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE PERIGO OU DANO À SAÚDE HUMANA, À FAUNA OU À FLORA. ELEMENTO ESSENCIAL AO TIPO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO.

 

Hipótese na qual os recorrentes, processados pela suposta prática de crime contra o meio ambiente, alegam falta de justa causa para a ação penal, sustentando a atipicidade da conduta praticada pelos pacientes, pela não caracterização do perigo ou dano à saúde humana, à fauna ou à flora.

 

A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. Só é punível a emissão de poluentes efetivamente perigosa ou danosa para a saúde humana, ou que provoque a matança de animais ou a destruição significativa da flora, não se adequando ao tipo penal a conduta de poluir, em níveis incapazes de gerar prejuízos aos bens juridicamente tutelados, como no presente caso.

 

Não resta configurada a poluição hídrica, pois mesmo que o rompimento do talude da lagoa de decantação tenha gerado a poluição dos córregos referidos na denúncia, não se pode ter como ilícita a conduta praticada, pois o ato não foi capaz de gerar efetivo perigo ou dano para a saúde humana, ou provocar a matança de animais ou a destruição significativa da flora, elementos essenciais ao tipo penal.

Deve ser cassado o acórdão recorrido, determinando-se o trancamento da ação penal instaurada em desfavor dos pacientes

 

VI. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.”

 

(RHC 17429/GO, 5ª Turma, Rel Min. Gilson Dipp, DJU de 01/08/2005)

Por outro lado, tenho que a conduta do paciente, primo ictu oculi, se ajusta ao disposto no art. 42 da Lei de Contravenções Penais: “Art. 42. Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos. IV… Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.”

 

Corroborando este posicionamento a doutrina de Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas comentado o art. 54 da Lei nº 9.605/98: ” É certo , contudo que tais dispositivos devem ser aplicados apenas em situação de maior gravidade, ficando os fatos menores (v.g. aparelho de som ligado a altas horas da noite) para a figura do art. 42 da Lei das Contravenções Penais. “(in Crimes contra a natureza – De acordo com a Lei 9.605/98, 7ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2001, pg.183)

Também do Superior Tribunal de Justiça:

Meio ambiente. Condutas e atividades lesivas. Poluição sonora. Crime ambiental. Nãoenquadramento. Ação penal. Extinção.

 

1. Considerando que a Lei nº 9.605/98 dispõe sobre condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, nela não se enquadra, relativamente ao art. 54 (“causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana), a conduta de realizar atividades em bar com a emissão de sons e ruídos, ainda que muito acima do volume permitido.

2. Ordem de habeas corpus deferida a fim de se extinguir a ação penal.

(HC 60.654/PE, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 11/12/2008, DJe 09/03/2009)

E, do voto do ministro relator, retira-se que:

Visto que a Lei nº 9.605/98 dispõe sobre condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, não creio que nela se enquadre a conduta exposta pelo denunciante, enquadrada por ele no art. 54, de redação seguinte: “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.” Em tal aspecto, a mim se me apresenta de bom tamanho a posição, no Tribunal de Justiça, do Desembargador Gustavo Augusto, ei-la: “Em que pese, porém, a consagração na linguagem coloquial metafórica, a conduta consistente em provocar ruído, zoada, barulho ou som alto, acima dos decibéis permitidos,

não se ajusta ao tipo penal de que trata a Lei de Crimes Ambientais, em seu art. 54. Isto porque o escopo da lei, sua objetividade jurídica é a preservação do meio ambiente. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, à natureza.

Esta foi razão do veto do art. 59 que se encontrava inserido na Lei 9.605/98, que criava um tipo penal específico para poluição sonora com a seguinte descrição: (…)

Querer enquadrar a conduta que estava prevista no dispositivo vetado no tipo descrito no art. 54 da citada lei é pretender aplicar interpretação por analogia contra o acusado, em total afronta ao princípio da legalidade, mediante a chamada ‘analogia in malam parte.

Vale ressaltar que, sobre caso idêntico ao presente, esta Corte já se manifestou pelo trancamento da ação penal, através do acórdão proferido pela 2ª Câmara Criminal em HC nº 52908-4, publicado no DO nº 179 de 23.9.99, (transcrito às fls. 08 pelo impetrante) do qual foi relator o eminente Des. Geraldo Og Fernandes, por entender não se enquadrar, no art. 54 da Lei dos Crimes Ambientais, a conduta de provocar ruídos ou sons em desacordo com os limites impostos em regulamento administrativo.”

Melhor talvez fosse mesmo o referido art. 59 – “Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades” –, só que sobre tal artigo recaiu veto, e uma das razões foi a existência do art. 42 da Lei das Contravenções Penais – “Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios”.

Observem a ementa do HC-54.536, de 2006, Ministro Fischer: “I – Para a caracterização do delito previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/98, a poluição gerada deve ter o condão de, ao menos, poder causar danos à saúde humana, fato inocorrente na espécie. II – Uma vez dada nova qualificação jurídica ao fato, qual seja: art. 42 da Lei de Contravenções Penais, e, levando-se em consideração que o fato se deu em 30/09/2003, e desde então não se verificou a ocorrência de qualquer marco interruptivo da prescrição – uma vez que a denúncia não mais subsiste – é de se declarar a extinção da punibilidade do paciente ex vi do art. 107,

IV, c/c art. 109, VI do CP. Ordem concedida. Extinta a punibilidade.”

Por também entender que conduta de causar poluição sonora não se encaixa no indicado art. 54, voto pela concessão da ordem a fim de extinguir a ação penal resultante da denúncia de 11.10.05.

Em decisão monocrática, objetivando avaliar o cabimento de recurso de agravo, em face de decisão de presidente de Tribunal Estadual, que negou seguimento a Recurso Especial, aplicando-se o disposto na Súmula 83, do STJ (Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida), tendo em vista que a decisão impugnada encontra-se em sintonia com a jurisprudência daquele Sodalício, segundo a qual a poluição sonora não pode ser caracterizada como crime contra o meio ambiente, como se observa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.290.949 – RS (2010/0051343-8) RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

(…)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 54 DA LEI Nº 9.605/98. POLUIÇÃO SONORA. CRIME AMBIENTAL. ATIPICIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO DESTA CORTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, contra decisão que, com base no enunciado

83 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, inadmitiu seu recurso especial. O recurso obstado, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional, foi apresentado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. No especial, sustenta o recorrente ofensa aos arts. 54 da Lei nº 9.605/1998, e 43, inciso I, do Código de Processo Penal, ao argumento de que a poluição sonora se enquadra como crime ambiental, pois tem a capacidade de causar dano à saúde humana (fls.28/29). Contraminuta apresentada a fls. 42/48. O Ministério Público Federal, a fls. 90/91, opinou pelo não provimento do agravo. É o breve relatório.

Decido. O Tribunal de origem concedeu habeas corpus de ofício, determinando o trancamento da ação penal interposta contra o recorrido, por entender que a poluição sonora não caracteriza o crime previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/1998, pois ainda que a poluição seja em patamares elevados, não seria capaz de causar alterações substanciais no meio ambiente (fls. 16). Decidiu, assim, em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende dos seguintes julgados:

Meio ambiente. Condutas e atividades lesivas. Poluição sonora. Crime ambiental. Não-enquadramento. Ação penal. Extinção. 1. Considerando que a Lei nº 9.605/98 dispõe sobre condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, nela não se enquadra, relativamente ao art. 54 (“causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana), a conduta de realizar atividades em bar com a emissão de sons e ruídos, ainda que muito acima do volume permitido. 2. Ordem de habeas corpus deferida a fim de se extinguir a ação penal. (HC 60654/PE, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 11/12/2008, DJe 9/3/2009 – grifo nosso)

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 54 DA LEI 9.605/98. POLUIÇÃO SONORA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 42 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS. PRESCRIÇÃO. I – Para a caracterização do delito previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/98, a poluição gerada deve ter o condão de, ao menos, poder causar danos à saúde humana, fato inocorrente na espécie. II – Uma vez dada nova qualificação jurídica ao fato, qual seja: art. 42 da Lei de Contravenções Penais, e, levando-se em consideração que o fato se deu em 30/09/2003, e desde então não se verificou a ocorrência de qualquer março interruptivo da prescrição- uma vez que a denúncia não mais subsiste – é de se declarar a extinção da punibilidade do paciente ex vi do art. 107, IV, c/c art. 109, VI do CP. Ordem concedida. Extinta a punibilidade. (HC 54536/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 6/6/2006, DJ 1/8/2006 – grifo nosso)

CRIMINAL. RHC. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO HÍDRICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE PERIGO OU DANO À SAÚDE HUMANA, À FAUNA OU À FLORA. ELEMENTO ESSENCIAL AO TIPO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. Hipótese na qual os recorrentes, processados pela suposta prática de crime contra o meio ambiente, alegam falta de justa causa para a ação penal, sustentando a atipicidade da conduta praticada pelos pacientes, pela não caracterização do perigo ou dano à saúde humana,à fauna ou à flora. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a

atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. Só é punível a emissão de poluentes efetivamente perigosa ou danosa para a saúde humana, ou que provoque a matança de animais ou a destruição significativa da flora, não se adequando ao tipo penal a conduta de poluir, em níveis incapazes de gerar prejuízos aos bens juridicamente tutelados, como no presente caso. Não resta configurada a poluição hídrica, pois mesmo que o rompimento do talude da lagoa de decantação tenha gerado a poluição dos córregos referidos na denúncia, não se pode ter como ilícita a conduta praticada, pois o ato não foi capaz de gerar efetivo perigo ou dano para a saúde humana, ou

provocar a matança de animais ou a destruição significativa da flora, elementos essenciais ao tipo penal. Deve ser cassado o acórdão recorrido, determinando-se o trancamento da ação penal instaurada em desfavor dos pacientes VI. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (RHC 17429/GO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/6/2005, DJ 1/8/2005 – grifo nosso)

Incide, portanto, o enunciado 83 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, a impedir o especial. Ante o exposto, nego provimento ao agravo. Publique-se Intime-se. Brasília (DF), 05 de novembro de 2010. MINISTRO CELSO LIMONGI(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) Relator (STJ – Ag: 1290949 , Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO

TJ/SP), Data de Publicação: DJ 17/11/2010, undefined)

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.288.979 – RS (2010/0012926-2) (…)

DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO

contra decisao do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que inadmitiu o recurso especial com fundamento no óbice previsto na Súmula 83/STJ, já que, consoante pacificado neste Sodalício, “a poluição sonora não se encaixa no art. 54 da Lei nº 9.605/98” . O agravante alega que a conduta perpetrad (fl. 17) a pelo réu, de emitir ruídos sonoros acima dos níveis previstos pela legislação, é típica, salientando, ainda, que “o recurso interposto reflete tese recursal plausível”. Requer o provimento do inconformismo a fim dar regular seguimento ao apelo excepcional. O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do reclamo, tendo em vista o disposto na Súmula 83/STJ .É o relatório. O Tribunal a quo assim fundamentou o aresto recorrido: “APELAÇÃO.(“não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”) ART. 54, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. POLUIÇÃO SONORA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL PELO MAGISTRADO DE 1º GRAU. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. INVIABILIDADE. PRESCRIÇÃO. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. Uma vez recebida a denúncia, não pode o magistrado do feito sustar o andamento do processo. A previsão do art. 54, da Leicaput, nº 9605/98, é pertinente ao meio ambiente, não guardando qualquer relação com a poluição sonora, mas viável, em tese, a desclassificação para a contravenção penal da perturbação do sossego que, contudo, está prescrita pela pena em abstrato. Portanto, dada a atipicidade do fato denunciado, impositiva a concessão de habeas corpus de ofício, para trancamento da ação penal. Apelo ministerial provido, para afastar a sentença de 1º grau, mas concedido habeas corpus de ofício, pela atipicidade do fato denunciado”. Verifico que (fls. 20) e o inconformismo não merece acolhimento, visto que a decisão impugnada encontra-se em sintonia com a jurisprudência deste Sodalício, segundo a qual a poluição sonora não pode ser caracterizada como crime contra o meio ambiente (art. 54 da Lei nº 9.605/98), atraindo, assim, a incidência do disposto na Súmula 83/STJ. Nesse sentido, transcrevem-se os precedentes acerca do tema:

“Meio ambiente.seguintes Condutas e atividades lesivas. Poluição sonora. Crime ambiental. Não-enquadramento. Ação penal. Extinção. 1. Considerando que a Lei nº 9.605/98 dispõe sobre condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, nela não se enquadra, relativamente ao art. 54 , a conduta (“causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana) de realizar atividades em bar com a emissão de sons e ruídos, ainda que muito acima do volume permitido. 2. Ordem de habeas corpus deferida a fim de se extinguir a ação penal”.”PEN (HC 60.654/PE, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 11/12/2008, DJe 09/03/2009)

AL. HABEAS CORPUS. ART. 54 DA LEI 9.605/98. POLUIÇÃO SONORA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 42 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS. PRESCRIÇÃO.I – Para a caracterização do delito previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/98, a poluição gerada deve ter o condão de, ao menos, poder causar danos à saúde humana, fato inocorrente na espécie.II – Uma vez dada nova qualificação jurídica ao fato, qual seja: art. 42 da Lei de Contravencoes Penais, e, levando-se em consideração que o fato se deu em 30/09/2003, e desde então não se verificou a ocorrência de qualquer março interruptivo da prescrição- uma vez que a denúncia não mais subsiste – é de se declarar a extinção da punibilidade do paciente ex vi do art. 107, IV, c/c art. 109, VI do CP. Ordem concedida. Extinta a punibilidade” (HC 54.536/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/06/2006, DJ 01/08/2006 p. 490). Ante o exposto, nego provimento ao agravo. Publique-se e intime-se. Brasília , 22 de junho de 2 (DF) 010. MINISTRO JORGE MUSSI Relator (STJ – Ag: 1288979 , Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Publicação: DJe 25/06/2010)

Na mesma linha, traz-se decisão do Colendo Tribunal de Justiça catarinense, que segue:

 

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO SONORA (ART. 54, CAPUT, DA LEI 9.605/98). RECURSO DA DEFESA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR ANEMIA PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA SOBEJAMENTE COMPROVADAS. REQUERIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO. POSSIBILIDADE DADA A AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE O BARULHO PRODUZIDO PELO ESTABELECIMENTO COMERCIAL TENHA PROVOCADO DANOS À SAÚDE HUMANA, MORTANDADE DE ANIMAIS OU DESTRUIÇÃO SIGNIFICATIVA DA FLORA. DESCLASSIFICAÇÃO, TODAVIA, APENAS NO QUE TANGE À PESSOA FÍSICA DENUNCIADA, UMA VEZ QUE A RESPONSABILIDADE PENAL DE ENTE JURÍDICO É ADMITIDA APENAS EM RELAÇÃO A CRIMES AMBIENTAIS. RECONHECIMENTO, EX OFFICIO, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. APELO PROVIDO.

(TJSC, Apelação Criminal n. 2010.044065-2, de Balneário Camboriú, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. 17-05-2011).

E, do Desembargador Alexandro Moraes da Rosa, retira-se a brilhante e elucidativa explicação, afastando-se, conclusivamente, a poluição sonora como tipo penal do artigo 54, da Lei 9.605/98, como segue:

CRIME AMBIENTAL – ART. 60 DA LEI N. 9.605/98 – POLUIÇÃO SONORA – VETO PRESIDENCIAL AO ART. 59 DA LEI N. 9.605/98 – INEXISTÊNCIA DE CRIME AMBIENTAL – TIPO PENAL EM BRANCO QUE VIOLA OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE ESTRITA (FERRAJOLI) E DA TAXATIVIDADE – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – DESOBEDIÊNCIA INCONFIGURADA – RECURSO PROVIDO.

O Direito ao meio ambiente sadio é um dos direitos fundamentais. A primazia dos Direitos Fundamentais, na linha de Ferrajoli, Canotilho e Alexy, possibilita a edição pelo Poder Legislativo de tipos penais, apesar dos riscos da ‘Esquerda Punitiva’ (Karam). Esses tipos penais, todavia, devem seguir os requisitos de sua legitimidade democrática. Ferrajoli sustenta a inafastabilidade do ‘Princípio da Estrita Legalidade’ eis que só é possível verificar empiricamente que se cometeu um delito se, antes, uma convenção legal estabelecer com exatidão que fatos empíricos devem ser considerados como delitos. Caso contrário, a pretensão passa a ser substancial/material, isto é, uma verdade absoluta e onicompreensiva em relação às pessoas investigadas, carente de limites e de confins legais, alcançável por qualquer meio, para além das rígidas regras procedimentais. E a estrita legalidade pressupõe taxatividade, entendida como a proibição de uma conduta do mundo da vida, a ser descrita na acusação. Isto é básico no Estado (que se diz) Democrático de Direito, conforme aponta Binder: el principio de legalidad impone una ley cierta, precisa (tanto el el delito como en la pena) y queda prohibido todo uso de la analogia o de cualquier forma de interpretación extensiva para ampliar essas prohibiciones o esas penas. Apesar da problemática constitucional dos ‘tipos penais em branco’ (Binding), a possibilidade de remissão deve ser excepcional e expressa, não podendo se dar de maneira genérica, sob pena de macular o ‘Princípio da Estrita Legalidade’, devendo, de qualquer forma, possuir um ‘núcleo essencial’ (Mir) no tocante ao bem jurídico protegido. É que a denúncia descreve, em verdade, o cometimento, em tese, da conduta então prevista no art. 59 da Lei n. 9.605/98: Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares ou desrespeitando as normas sobre a emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades. Este dispositivo, contudo, foi vetado pelo Presidente da República, atendendo, segundo Constantino, as pressões da comunidade evangélica, cujas práticas envolvem atividades sonoras fora dos padrões razoáveis. Resultado disto é que sem o art. 59, a doutrina pretende acomodar/forçar a conduta no art. 54 e/ou 60 da Lei n. 9.605/98, ou ainda no art. 42 da LCP, na ânsia de responder aos anseios populares ao preço da Democracia, violando os ‘Princípios da legalidade estrita’ e da ‘taxatividade’. Por mais que se pretenda tutelar o meio ambiente, com os perigos daí inerentes (Karam), não se pode transbordar os limites do poder estatal. A pretensão de inserir a ‘poluição sonora’ no âmbito semântico do art. 60 da Lei n. 9.605/98 se mostra incompatível com o sentido do processo legislativo democrático (Cattoni). É bem verdade que o sentido de um texto somente se faz ao depois (Cordero), não se constituindo num a priori, como queria ingenuamente toda a ‘Filosofia da Consciência’. Por tais razões, é impossível a inclusão, via ‘forceps’, da poluição sonora no tipo previsto, não sendo admissível democraticamente, a previsão genérica do art. 60 da Lei n. 9.605/98.

(TJSC, Apelação Criminal n. 177, de Joinville, rel. Des. Alexandre Morais da Rosa, j. 16-08-2004).

Ainda, a título de precedentes, traz-se a colação julgados do vizinho Estado do Rio Grande do Sul, que afastam qualquer possibilidade de vinculação da poluição sonora, com o tipo do artigo 54, da Lei 9.605/98:

Ementa: APELAÇÃO. CRIME. POLUIÇÃO SONORA. ART. 54, “CAPUT”, DA LEI Nº 9.605/98. FATO ATÍPICO. A poluição sonora não se presta à conformação típica do art. 54, da Lei nº 9.605/98, por não alcançar o bem jurídico nela tutelado, ou seja, os sons, os ruídos ou as vibrações, ainda que em níveis excessivos, porque não são capazes de causar alterações substanciais no meio ambiente. Entendimento desta Câmara. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70055400451, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 26/09/2013)

Ementa: HABEAS CORPUS. ARTIGO 54, CAPUT, DA LEI N.º 9.605/98. POLUIÇÃO SONORA. ATIPICIDADE. O DIPLOMA LEGAL DIZ RESPEITO AO MEIO AMBIENTE, NÃO GUARDANDO QUALQUER RELAÇÃO COM A POLUIÇÃO SONORA DECORRENTE DA EMISSÃO ABUSIVA DE SONS, RUÍDOS OU VIBRAÇÕES. NO CASO, NÃO HOUVE DANOS À SAÚDE HUMANA, NÃO ACARRETOU A MORTANDADE DE ANIMAIS OU PROVOCOU A DESTRUIÇÃO DA FLORA. CONCEDERAM A ORDEM. (Habeas Corpus Nº 70051717999, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em 06/12/2012)

 

Ementa: APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ART. 54 DA LEI Nº 9.605/98, POLUIÇÃO SONORA. ABSOLVIÇÃO. DECISÃO MANTIDA. O art. 54, caput, da Lei nº 9.605/98, diz respeito ao meio ambiente, não guardando qualquer relação com a poluição sonora decorrente do uso abusivo de instrumentos musicais ou aparelhos sonoros. Apelo improvido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70051057438, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 22/11/2012)

Na mesma esteira, traz-se decisão paradigma do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco:

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. POLUIÇÃO SONORA. ART. 54 DA LEI Nº 9.605 /98. LEI DE CRIMES AMBIENTAIS NÃO SE APLICA À CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE DANO OU DO PERIGO DE DANO À SAÚDE HUMANA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. – À UNANIMIDADE DE VOTOS, NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Não se justifica o enquadramento da conduta imputada ao acusado no artigo 54 da Lei dos Crimes Ambientais, configurando tal procedimento clara interpretação in malan partem, por haver dispositivo específico para a hipótese, no caso o art. 42 da Lei de Contravencoes Penais . De outra parte, não restou demonstrado o perigo da conduta do recorrido para a saúde humana, ou seja, a materialidade do delito não foi comprovada. 2. Faltando justa causa para a ação penal, forçosa é a rejeição da denúncia, com base no artigo 395 , III , do Código de Processo Penal. (TJ-PE – Recurso em Sentido Estrito RSE 184382 PE 233200800070239 – Data de publicação: 21/07/2009)

Diante do farto material jurisprudencial consultado, não há como esperar posicionamento diverso, do que entender que a tipificação para a poluição sonora, uma vez caracterizada, é aquela prevista no artigo 42, da Lei de Contravenções Penais e não do artigo 54, da Lei dos Crimes Ambientais, o que afasta, ainda, qualquer apontamento de autoria a pessoa jurídica eventualmente denunciada, por inexistência de previsão constitucional nesse sentido.



[i] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); Especialização em Corrupção, Crime Organizado e Terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha 2011); Especializando em Gestão de Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela FGV; Professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral e Processo Penal no Centro Universitário Católica de Santa Catarina (2003-2013);Especialista em Pacificador Social, através do Curso de Gerenciamento de Crise, turma 2011/1, pela Polícia Militar da Paraíba.

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