Daniele Janssen

 

É sabido que para a constituição de sociedade, salvo tipos societários específicos, faz-se necessária a participação de duas ou mais pessoas. Neste sentido, comumente são criadas sociedades que são formadas por pessoas da mesma família, e até mesmo entre cônjuges, seja pela atração do planejamento estratégico, seja pela concentração de bens familiares, confiança mútua, dentre outros motivos.

Entretanto, um passo inicial à constituição de uma sociedade, e que deve também ser aplicada quando do ingresso de um dos cônjuges à sociedade já constituída pelo outro cônjuge, é a análise do regime de bens escolhido pelo casal, que obrigatoriamente deve ser observado.

Ao adentrarmos na esfera jurídica da discussão, o Código Civil de 2002, em seu artigo nº 977, destaca que é facultado aos “(…) cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória” (BRASIL, 2015a).

Partindo desta premissa, há que ser dividida a questão em duas partes.

Primeiro, insta esclarecer que, atualmente, como regra geral, o ordenamento jurídico adota a comunhão parcial aos casais que nada convencionaram a respeito do regime de bens, salvo nas situações em que deve-se, obrigatoriamente, adotar o regime da separação de bens, aplicado às seguintes hipóteses: a) pessoas que contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; b) pessoa maior de 70 (setenta) anos; e, c) de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Abre parênteses, porém, para lembrar que há distinção entre a separação de bens obrigatória pela lei e a separação voluntária de bens, uma vez que esta última não é imposta obrigatoriamente, mas sim, trata-se de regime de bens definido através de um acordo de vontade do próprio casal, devidamente registrado em pacto antenupcial.

Ultrapassada esta questão, e voltando a aplicabilidade do já mencionado art. 977 do Código Civil, o impedimento expresso para a constituição de sociedade entre cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória tem o intuito de assegurar, principalmente, os bens adquiridos na constância do casamento, ou seja, a relação patrimonial em relação ao cônjuge.

Portanto, diante da vedação expressa na constituição de sociedade entre pessoas casadas pelo regimes da comunhão universal de bens e da separação obrigatória, aqueles que adotaram os regimes da comunhão parcial de bens, da separação voluntária e da participação final nos aqüestos estão, pois, livres para constituir qualquer sociedade, sem esta restrição.

            O segundo ponto a ser esclarecido diz respeito à seguinte dúvida: o que fazer com as sociedades entre cônjuges já constituídas antes no novo Código Civil de 2002?

            Isso porque, anteriormente à promulgação do Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico brasileiro, em sua esfera civil, era regido pelo Código Civil de 1916 e, nas questões atinentes à constituição de sociedade entre cônjuges, nada dizia a respeito, o que possibilitou que fossem criadas diversas sociedades entre casais.

A indagação, portanto, nada mais é do que a insegurança de validade das sociedades constituídas por cônjuges casados à luz do regime da comunhão universal de bens, ou da separação obrigatória, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002.

Neste sentido, a predominância dos doutrinadores asseguram-se do art. 5º inciso XXXVI da Constituição Federal para justificar a questão, o qual dispõe que “(…) a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 2015b).

Neste diapasão, ainda que o art. 2.031 do Código Civil de 2002 resolve que “as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007” (BRASIL, 2015a), a legislação atual, sendo posterior, não poderá retroagir e forçar a alteração dos atos constitutivos das sociedades que foram constituídas na vigência do Código Civil de 1916, vez que respeitaram suas disposições naquela época.

            Neste rumo, diante das dúvidas trazidas com a promulgação do Código Civil de 2002, o Departamento Nacional de Registro de Comércio firmou posicionamento, através do Parecer Jurídico DNRC/COJUR/N° 125/03, sobre “Sociedade empresária entre cônjuges constituída antes da vigência do Código Civil, de 2002”, que, em respeito ao ato jurídico perfeito e o direito adquirido pelos sócios, ora cônjuges da sociedade, assim dispõe:

De outro lado, em respeito ao ato jurídico perfeito, essa proibição não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor do Código, alcançando, tão somente, as que viessem a ser constituídas posteriormente. Desse modo, não há necessidade de se promover alteração do quadro societário ou mesmo da modificação do regime de casamento dos sócios-cônjuges, em tal hipótese. (DRNC, 2015)

Quanto a isso, portanto, conclui-se que aquelas sociedades entre cônjuges, constituídas antes da vigência do diploma Civil de 2002, não precisam adequar seus atos constitutivos e efetuar uma reorganização societária e no regime de bens, em respeito ao ato jurídico perfeito e direito adquirido assegurados pela Constituição Federal.

É possível verificar, portanto, que a principal intenção do art. 977 do Código Civil é a proteção patrimonial àqueles que são casados pelo regime da comunhão universal de bens, a fim de evitar a confusão patrimonial e a má administração da sociedade, bem como àqueles que, obrigatoriamente, tiveram a separação obrigatória como regime de bens, com o intuito de evitar possíveis fraudes a esta imposição legal.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de janeiro de 2002. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 27 out. 2015a.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 27 out. 2015b.

DNRC. Parecer Jurídico DNRC/COJUR nº 125/03. Disponível em: <http://www.facil.dnrc.gov.br/pareceres/pa125_03.htm> Acesso em: 27 out. 2015.

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