Alexandre Brognoli

 

RESUMO: A Responsabilidade Civil de Imprensa é um direito constitucionalmente garantido que, tendo em vista os direitos à liberdade de expressão, de informação e de manifestação do pensamento, diariamente entra em conflito com o princípio da dignidade da pessoa humana, resultando muitas vezes em abusos e distorções da realidade dos fatos, ocasionando grande lesão e pré-julgamento aos ofendidos, restando à parte lesada apenas o direito a reparação.

 

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Imprensa. Abuso. Dignidade da pessoa humana. Intimidade. Honra.

 

 

INTRODUÇÃO:

 

O presente artigo tem o objetivo de abordar aspectos gerais sobre a responsabilidade civil da imprensa na sociedade brasileira, tendo como parâmetro ideológico a liberdade de expressão e o princípio da dignidade da pessoa humana, levando em consideração a linha tênue que existe entre os atos de imprensa visando interesses financeiros em detrimento da veracidade das informações.

 

RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL

 

Inicialmente cabe identificar os dispositivos referentes à responsabilidade civil no CC/02:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

E ainda:

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

O conceito de ato ilícito é de suma importância para a responsabilidade civil, tendo em vista que faz nascer uma obrigação de reparar o dano. Diante disto, há inúmeras definições de ato ilícito pelos renomados doutrinadores brasileiros. De acordo com Carlos Alerto Bittar[1], ?[…] ato ilícito é o procedimento, comissivo (ação) ou omissivo (omissão, ou abstenção), desconforme à ordem jurídica, que causa lesão a outrem, de cunho moral ou patrimonial.?

A partir disto, necessário se faz o estudo acerca do alcance e limitações da responsabilidade da imprensa pelos atos cometidos em relação a terceiros, que se tornam muitas vezes vítimas do material publicado.

 

DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

O atual Estado Democrático de Direito defende, na Constituição, os direitos à liberdade de expressão, de informação e de manifestação do pensamento, tendo em vista o princípio da liberdade.

 

Visando isto, tais liberdades foram incluídas no rol dos direitos e garantias fundamentais, previstos no artigo 5º da Constituição Federal, nos seguintes termos:

CRFB – Art. 5º

[…] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[…] IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

[…] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

 

Além destas previsões, também foi dado tratamento específico à comunicação social, no capítulo V da Seção III do Título VIII (Da Ordem Social), artigos 220 e seguintes da CRFB/88, iniciando o capítulo com uma disposição referente às liberdades de expressão, informação, criação e manifestação do pensamento, o que demonstra a importância dada à questão no ordenamento brasileiro:

 

CRFB – Art. 220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto nos art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Conforme defende Mônica Neves de Aguiar da Silva Castro[2], percebe-se que a liberdade de imprensa disposta no artigo 220 da Constituição Federal, tem natureza de direito fundamental, “embora se encontre protegida em regra apartada do comando do artigo 5º da CF. E, bem por isso, não pode ser limitada, senão na medida estritamente necessária para salvaguardar o direito alheio ou proteger outros bens jurídicos, cuja garantia exija inescusavelmente essa limitação”.

 

Em razão do comentado, percebe-se que há apenas a previsão de cerceamento da liberdade de imprensa em situações muito específicas, nas quais fique clara a ineficácia da medida, como por exemplo, na vigência do estado de sítio. Nessa hipótese, prevê o artigo 139, III da Constituição:

Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; (grifou-se)

 

O direito à liberdade é considerado amplo e assegurado no sistema jurídico brasileiro, porém, não se podem resultar danos a terceiros em virtude de abusos, conforme previsões contidas nos incisos V e X do artigo 5º da CF:

[…]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[…] (grifou-se)

 

Da mesma forma a chamada Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967), que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, dispõe, em seu artigo 1º, que:

 

Art. 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. (grifou-se)

 

Referida lei, em seu artigo 12, também impõe a obrigação de reparar a aqueles que, através dos meios de comunicação, causam danos de qualquer natureza a outrem:

 

Art. 12. Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem. (grifou-se)

 

Conclui-se assim que, da mesma forma que a liberdade de imprensa é assegurada, é garantido o direito ao ressarcimento àqueles que sofrerem danos de ordem moral ou material ou aqueles que forem atingidos na sua intimidade em decorrência da atuação da imprensa.

 

DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:

 

Necessária se faz a análise da responsabilidade de imprensa e sua liberdade em relação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

 

No entanto, ao falar de referido princípio, percebe-se que não há um conceito pacífico definido, mas sim construções que se diversificam de acordo com a cultura, geografia, religião, costumes e outros atributos específicos de cada população regional. Chaves Camargo[3] afirma que

?[…] a pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional. Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser.?

 

Segundo Pietro Alarcón de Jesús[4], a tendência dos ensinamentos constitucionais é no sentido de reconhecer e valorizar o ser humano como a base e o topo do direito.

 

Sendo assim, há no Brasil, o parâmetro para definir a dignidade da pessoa humana, qual seja, a honra e a intimidade de cada um, pois atributos universais, independente de outras características individuais.

 

Percebe-se então que, em princípio, a imprensa tem a ampla liberdade para atuar desde que não seja abusiva e não infrinja a intimidade e honra de cada um, ressalvadas exceções.

 

IMPRENSA NA TEORIA E NA PRÁTICA

 

A imprensa nasceu com o objetivo de levar a informação às pessoas e fornecer conhecimento rápido e eficaz sobre fatos e acontecimentos notórios do mundo todo, sejam econômicos, políticos, esportivos ou de caráter policial.

Contudo, com o desenvolver da humanidade, houve a necessidade de ?sobrevivência? da imprensa, que passou a ter grande concorrência. Se não bastasse, a própria raça humana busca notícias de cunho negativo, como acidentes, polêmicas, mortes, corrupção, etc, obrigando a imprensa a recorrer e apelar para matérias de grande sensacionalismo que, consequentemente, acabam alterando a realidade dos fatos em busca de maior ibope, acessos e vendas, instigando ainda mais o mundo capitalista.

 

Dessa maneira, ocorre a desvirtualização do objetivo real da imprensa, que seria o de informar acontecimentos reais e concretos, sem visar o caráter econômico, sendo que, desta forma, não geraria dano às pessoas, físicas ou jurídicas.

 

DA VERACIDADE DA MATÉRIA PUBLICADA e DO CONDÃO PRÉ-CONDENATÓRIO:

 

Pode-se utilizar como exemplo, hipoteticamente falando, a publicação de determinada matéria de caráter ofensivo, tanto de acesso regional, nacional ou global, como em casos de corrupção política, onde está evidenciada a ocorrência da prática dolosa de desvio de verba pública. Deve-se perguntar se os fatos são realmente verdadeiros e quais as consequências que as partes relacionadas podem sofrer, tendo em vista que pode gerar uma condenação sumária (Complexo de Robin Hood).

 

Faz-se oportuno a citação de um famoso caso, de grande interesse social, onde o Supremos Tribunal Federal concluiu que a matéria jornalística não deveria ser publicada:

 

Caso O GLOBO X GAROTINHO. 1. Liminar deferida em primeiro grau e confirmada pelo Tribunal de Justiça, que proíbe empresa jornalística de publicar conversas telefônicas entre o requerente – então Governador de Estado e, ainda hoje, pretendente à presidência da República – e outras pessoas, objeto de interceptação ilícita e gravação por terceiros, a cujo conteúdo teve acesso o jornal. 2. Interposição pela empresa de recurso extraordinário pendente de admissão no Tribunal a quo. 3. Propositura pela recorrente de ação cautelar – que o STF recebe como petição – a pleitear, liminarmente, (1) autorização de publicação imediata da matéria e (2) subida imediata do RE à apreciação do STF, porque inaplicável ao caso o art. 542, § 3º, C.Pr.Civil. 4. Objeções da PGR à admissibilidade (1) de pedido cautelar ao STF, antes de admitido o RE na instância a qua; (b) do próprio RE contra decisão de caráter liminar: razões que aconselham, no caso, fazer abstração delas. 5. Primeiro pedido liminar: natureza de tutela recursal antecipada: exigência de qualificada probabilidade de provimento do recurso extraordinário. 6. Impossibilidade de afirmação no caso de tal pressuposto da tutela recursal antecipada: (a) polêmica – ainda aberta no STF – acerca da viabilidade ou não da tutela jurisdicional preventiva de publicação de matéria jornalística ofensiva a direitos da personalidade; (b) peculiaridade, de extremo relevo, de discutir-se no caso da divulgação jornalística de produto de interceptação ilícita – hoje, criminosa – de comunicação telefônica, que a Constituição protege independentemente do seu conteúdo e, consequentemente, do interesse público em seu conhecimento e da notoriedade ou do protagonismo político ou social dos interlocutores. 7. Vedação, de qualquer modo, da antecipação de tutela, quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (C.Pr.Civ., art. 273, § 2º), que é óbvio, no caso, na perspectiva do requerido, sob a qual deve ser examinado. 8. Deferimento parcial do primeiro pedido para que se processe imediatamente o recurso extraordinário, de retenção incabível nas circunstâncias, quando ambas as partes estão acordes, ainda que sob prismas contrários, em que a execução, ou não, da decisão recorrida lhes afetaria, irreversivelmente as pretensões substanciais conflitantes.[1]

 

A partir desse caso, necessária se faz a interpretação do posicionamento do Supremo, ou seja, percebe-se que para a publicação de matérias desse gênero, é necessário que haja a condenação transitada em julgado (ausência de cabimento de peça recursal), realizada com a presença dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que a imprensa não pode ter caráter pré-condenatório, apenas informativo.

 

DA SÚMULA 221 DO STJ:

Em complemento ao abordado, importante citar a Súmula no 221 do Superior Tribunal de Justiça, editada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, que trata sobre o tema da responsabilidade solidária entre escritor e chefe que autorizam uma publicação, caso gere algum dano. Vejamos:

STJ Súmula nº 221 – 12/05/1999 – DJ 26.05.1999. Responsabilidade Civil – Publicação pela Imprensa – Ressarcimento de Dano. São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.

 

Pelo exposto, conclui-se que ambos agentes acima descritos são civilmente responsáveis pelos danos causados por publicações pela imprensa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o direito constitucionalmente garantido à liberdade de imprensa encontra limites em conflito com outros direitos de mesma magnitude no sistema jurídico.

 

Percebe-se que, da mesma forma que a Constituição Federal assegura os direitos à liberdade de expressão, de informação e de manifestação do pensamento, também impõe a obrigação de reparação no caso de lesão a direitos de terceiros.

 

Assim, ainda que a liberdade de imprensa seja extremamente ampla, não se pode afirmar que ela é ilimitada, já que não pode atuar de forma abusiva, prejudicando particulares ou a sociedade como um todo apenas de acordo com seus interesses.

 

É necessário que haja cerca cautela na aplicação da Lei de Imprensa, tendo em vista que não foi inteiramente recepcionada pela Constituição. Sendo assim, ao aplicá-la, necessário se faz o estudo junto à Constituição Federal e atuais tendências da responsabilidade civil.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

 [1] SANTOS, Herez. O ato ilícito no Código Civil. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1373>. Acesso em 11 nov 2013.

[2] CASTRO, Mônica Neves de Aguiar da Silva. Honra Imagem, Vida Privada e Intimidade em Colisão com outros Direitos. Rio de Janeiro : Renovar, 2002, p. 108

 

[3] CAMARGO, Chaves. Culpabilidade e Reprovação Penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1994, p. 27-28.

[4] JESÚS, Pietro Alarcón de. Patrimônio Genético Humano: e Sua Proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004, p. 244-256.

BARREIROS, Yvana Savedra de Andrade. Responsabilidade civil na lei de imprensa. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1450, 21 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10043>. Acesso em: 13 nov. 2013.

 

 



[1] (STF – Pet: 2702 RJ , Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 18/09/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 19-09-2003 PP-00016 EMENT VOL-02124-04 PP-00804)

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