Julio Max Manske[i]

1.Introdução

A situação de crise vivenciada hodiernamente, tem ocasionado a emissão de duplicatas antes do momento legal previsto e o seu desconto junto a instituições financeiras, fundos e fomentos mercantis. Ainda, sendo o desconto de títulos uma modalidade de concessão de crédito, tem sido o mesmo utilizado até mesmo com duplicatas desprovidas de uma relação comercial originária, inicialmente captada para um momento de ?sufoco? financeiro que, mesmo paga nos respectivos vencimentos, poderá trazer consequências criminais aos seus envolvidos, sejam os administradores da empresa, procuradores, diretores, funcionários, bem como os próprios agentes bancários que tenham ciência do fato.

 

2.Da duplicata

 

A duplicata é regulamentada pela Lei 5.474/68 e, apesar do tempo decorrido, continua em vigor, obrigando todos aqueles sujeitos a legislação nacional, ao cumprimento de suas disposições.

 

Nesse sentido, possibilita o artigo 2º da referida lei, que ?No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.?

    

Por ser um título formal, para sua validade, são exigidos os seguintes requisitos:

 

I – a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem;

II – o número da fatura;

III – a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;

IV – o nome e domicílio do vendedor e do comprador;

V – a importância a pagar, em algarismos e por extenso;

VI – a praça de pagamento;

VII – a cláusula à ordem;

VIII – a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial;

IX – a assinatura do emitente.

 

A fatura, por sua vez, essencial para emissão da duplicata, pressupõe a existência de contrato de compra e venda mercantil entre as partes, cujas mercadorias já tenham sido entregues ou despachadas ao comprador pelo vendedor (art. 1º, L. 5.474/68).

 

Desta feita, precedida de um contrato de compra e venda, entregue a mercadoria ou as despachado para tanto, poderá o vendedor emitir a fatura e, após essa, a(s) respectiva(s) duplicata(s), tanto que um de seus requisitos essenciais (da duplicata), é o numero da fatura (inciso II).

 

Inobstante toda a discussão relativa a substituição da duplicata pelo boleto bancário, tem-se que a lei não foi alterada e suas disposições continuam hígidas, havendo dissonância, portanto, entre o título físico e aquele virtual (boleto).

 

Nos termos da lei, portanto, para dar executividade ao título duplicata, é necessário o aceite do comprador, razão pela qual, quando de sua emissão, deve o vendedor providenciá-lo e, não sendo possível obtê-lo no momento, deve encaminhar os títulos para essa providência (em até 30 dias).

 

O comprador, por seu turno, ao receber as duplicatas para opor seu aceite, deverá devolvê-las com o respectivo aceite em até 10 dias, ou ainda, recusá-lo com fundamento nas seguintes razões (art. 8º, L. 5.474/68):

I – avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco;

II – vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados;

III – divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

Não havendo a devolução dos títulos com o respectivo aceite, poderá o vendedor protestar o comprador pela falta de aceite (independente do vencimento da obrigação), mediante emissão da triplicata.

 

Com efeito, observa-se que a duplicata representa uma compra e venda já concretizada, caracterizada pela emissão de fatura e entrega das mercadorias que a origina (ou, ainda, despacho das mesmas).

 

Não se permite, portanto, a emissão de fatura e, por consequência de duplicatas, por expectativa de negócios, como por exemplo, o recebimento de pedido para produção (ou compra) de mercadorias.

 

3.Da Duplicata Simulada

 

Cambiando de legislação, parte-se, agora, para análise das disposições relacionadas a emissão de fatura e duplicata, contidas no Código Penal, o qual, em seu artigo 172, assim descreve:

 

Art. 172 – Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. 

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.  

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquêle que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. 

 

Como se observa, duas são as condições básicas para caracterização do ilícito penal: (a)a conduta de emitir a fatura, duplicata ou nota de venda e; (b)a falta de correspondência com a mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

 

A conduta positiva, isto é, a ação do delito é emitir, que para Rogério Greco (apud Wille Duarte Costa), tem o significado de colocar em circulação:

 

A duplicata é um título de crédito causal e à ordem, que pode ser criada no ato da extração da fatura, para circulação como efeito comercial, decorrente da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços, não sendo admitida outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor ou prestador de serviços pela importância faturada ao comprador ou ao beneficiário dos serviços.?[1]

 

E continua, alertando que embora seja um título causal, não é a duplicata título representativo de mercadorias ou de serviços. Exige uma provisão determinada, que se consubstancia no valor da compra e venda de mercadorias ou da prestação de serviços, discriminados na fatura e na nota fiscal. Sem tal provisão a duplicata torna-se sem lastro e é chamada de fria, constituindo-se em crime de estelionato previsto no artigo 172 do Código Penal, por emissão de duplicata simulada.

 

Nesse sentido, destacam-se as seguintes decisões judiciais:

Tribunal de Justiça de Santa Catarina – APELAÇÃO CRIMINAL. EMISSÃO DE DUPLICATA SIMULADA (ART. 172 DO CÓDIGO PENAL). AGENTE QUE EMITIU FATURA “FRIA”, ISTO É, SEM CORRESPONDÊNCIA COM QUALQUER MERCADORIA VENDIDA OU SERVIÇO PRESTADO. PLEITO ABSOLUTÓRIO ANTE O RESSARCIMENTO DO PREJUÍZO À VÍTIMA. INVIABILIDADE. CRIME DE NATUREZA FORMAL QUE SE CONSUMA COM A EMISSÃO DA CÁRTULA, PRESCINDINDO DE RESULTADO NATURALÍSTICO. FATO TÍPICO PERFECTIBILIZADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTE QUE NÃO INTERFERE NA SANÇÃO IRROGADA ANTE A VEDAÇÃO CONTIDA NA SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PLEITEADO RECONHECIMENTO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE A REPARAÇÃO DO DANO FOI ANTERIOR À DENÚNCIA. ÔNUS DO APELANTE, A TEOR DO ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REPARAÇÃO QUE DEVE SER CONSIDERADA APENAS COMO ATENUANTE GENÉRICA E, PORTANTO, NÃO TEM O CONDÃO DE MITIGAR A REPRIMENDA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. SANÇÃO ESCORREITAMENTE QUANTIFICADA. RECURSO DESPROVIDO.  (Apelação Criminal n. 2007.026089-6, de Criciúma, rel. Des. Tulio Pinheiro)

Tribunal de Justiça de São Paulo ? DUPLICATA SIMULADA ? RÉ QUE ADMITE A EMISSÃO DOS TÍTULOS ? JUNTADA DE NOTAS FISCAIS DESACOMPANHADAS DOS COMPROVANTES DE ENTREGA DA MERCADORIA ? TÍTULO SEM ACEITE ? PROVA ORAL INDICANDO A INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO ? AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS ? CONDENAÇÃO MANTIDA ? RECURSO IMPROVIDO (Apelação Criminal n. 0005211-84.2007.8.26.0062, de SP, rel. Des. Alexandre Almeida)

 

Além da caracterização do ilícito penal, tem-se que a emissão (colocação em circulação) normalmente não se dá apenas com um único título, mas com número maior deles (até mesmo buscando valores menores para possibilitar o desconto).

 

Nesse caso, a legislação penal não irá punir o emitente com penas individuais para cada um dos títulos colocados em circulação, mas sim, aplicará a regra contido no artigo 71, do Código Penal, que trata do crime continuado e que prevê, deste modo, o aumento de pena de 1/6 a 2/3 da  pena, a critério do julgador (considerando o número de duplicatas emitidas).

 

4.Da Formação de Quadrilha

Embora de forte conotação, o empresário não consegue aceitar a denominação de criminoso, no entanto, trata-se de conceituação puramente técnica e literal, imputada aquele que praticou um fato definido na lei como crime.

 

Já vimos que a emissão de duplicata em desacordo com as exigências legais, corresponde a prática do crime de estelionato, na modalidade de emissão de duplicata simulada. Observa-se, ainda, que o crime se perfectibiliza com a colocação do título em circulação, não sendo necessário que o cessionário efetivamente proceda ao desconto da mesma (crime formal). Ainda, mesmo que o título venha a ser pago antes do vencimento, tem-se que o crime caracterizou-se do mesmo modo.

 

Assim, praticado o ilícito e, envolvendo-se mais de três pessoas para tanto (podem ser sócios, procuradores, empregados, etc), ainda haverá a incidência da figura penal prevista no artigo 288, do Código Penal, qual seja:

 

Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena – reclusão, de um a três anos

 

Ao contrário da emissão de múltiplos títulos, a caracterização do crime de duplicata simulada com a formação de quadrilha, implica na soma de penas, conforme artigo 69, do mesmo diploma repressivo.

 

5.DO COAF

 

COAF é a abreviatura de Conselho de Controle de Atividades Financeiras e corresponde a unidade do governo federal de inteligência financeira, com a finalidade coibir a lavagem de dinheiro, através de medidas preventivas, notadamente fiscalizatórias.

O referido órgão aprovou nova Resolução para os setores econômicos que, nos termos da Lei nº 9.613/98, são por ele regulados, em 29/02/2012 e publicada no Diário Oficial da União em 05/04/2012, com entrada em vigor 1º/03/2013 e ?aplica-se a todos os setores e estabelece os princípios gerais e as diretrizes que devem orientar as pessoas obrigadas na prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.?

?Entre as principais inovações destaca-se a necessidade de a empresa analisar os riscos específicos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo no seu negócio e adotar procedimentos que sejam compatíveis com esses níveis de risco. Essa nova abordagem visa ajudar as empresas ? e por conseqüência todo o sistema de prevenção ? a concentrar sua atenção e seus esforços naqueles clientes, produtos e serviços cujos riscos justifiquem.?

?Além dos setores do comércio de artes e antiguidades, jóias, pedras e metais preciosos, do fomento mercantil, da transferência de fundos e dos jogos e loterias, passam a ser alcançados pela regulamentação do COAF os setores que comercializam bens de luxo ou de alto valor, como o comércio de automóveis, aeronaves e embarcações ou que exercem atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie.?[2]

Dentre as comunicações que devem ser feitas ao COAF no prazo de 24 horas pelas instituições financeiras, fundos e empresas de fomento, dentre outras, encontram-se as operações lastreadas em títulos ou recebíveis falsos ou negócios simulados.

 

6.CONCLUSÃO

 

Sem adentrar nos aspectos civis decorrentes da emissão de duplicata desprovida de origem, ou mesmo, em momento anterior a sua previsão legal (entrega da mercadoria ou despacho das mesmas), tem-se que na esfera penal, é possível imputar a(os) responsável(is) pela emissão, utilização, enfim, aquele que a coloca em circulação e (ou) que tenha ciência da situação não verdadeira, a prática da conduta descrita no artigo 172, do Código Penal. Além disso, ultrapassando o número de 3 pessoas envolvidas com os fatos (cientes dos mesmos) e não sendo esta praticada em única oportunidade, incidirão sob a pena do crime em questão, o aumento decorrente da continuidade delitiva e a soma pelo crime de formação de quadrilha. Além do mais, a instituição/empresa (fundo, fomento, banco) que tiver recebido os títulos desprovidos de origem, tem o dever normativo de comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a ocorrência dos fatos, pois suspeito de lavagem de capitais (dinheiro).

 



[1] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 5ª Edição. Editora Impetus. 2011. Pág. 534.

[2] https://www.coaf.fazenda.gov.br/destaques/coaf-publica-nova-resolucao-para-setores-obrigados/

 

 



[i] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral e Processo Penal no Centro Universitário Católica de Santa Catarina (desde 2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009. Especialista em Corrupção, Crime Organizado e Terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha 2011); Pacificador Social, através do Curso de Gerenciamento de Crise, turma 2011/1, pela Polícia Militar da Paraíba.

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