Juliana Hertel Luchtenberg de Sá[1]

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo traz o tema da propriedade compartilhada, a qual possui relevância jurídica na atualidade, principalmente atingir o princípio da função social da propriedade e da possibilidade do proprietário individual partilhar o seu direito de propriedade com demais condôminos que tenham o mesmo objetivo que o seu e um melhor aproveitamento econômico do imóvel. Ainda sem norma jurídica que o discipline, a propriedade compartilhada já possui aceitação pela jurisprudência e definições pela doutrina.

 

Palavra-chave: propriedade ? compartilhada ? função social ? direito real.

 

2. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

 

A função social e o interesse público participam da configuração do instituto da propriedade, limitando o exercício do direito, bem como a ilegitimidade da propriedade cujo uso não seja em benefício da sociedade.

Assim, a função social da propriedade passa a ser um poder-dever do proprietário, na medida em que compete a este, a faculdade de exigir seu direito sob a propriedade, ao mesmo tempo, impõe o dever de utilizá-la de modo a não ferir o interesse coletivo.

 

Desta forma, a Constituição Federal instituiu a função social da propriedade com uma única finalidade, qual seja, diminuir as desigualdades sociais que se formaram a partir do surgimento da propriedade individual.

Logo após a 2ª Guerra Mundial, surgiu a propriedade compartilhada, como uma solução para o turismo na Europa do pós-guerra, tanto para os proprietários de hotéis e agências de viagens, quanto para as famílias, que já não podiam comprar um imóvel para passar férias.

Sobre o assunto, observa Arthur Rios em ensaio específico:

 

A multipropriedade chega para acelerar e aumentar esta mesma conquista da função social do imóvel, adicionando-lhe a questão do tempo compartilhado em turnos, satisfazendo e proporcionando um maior número de proprietários do mesmo solo ou imóvel. Isto significa um efeito multiplicador no que concerne ao bem estar social, desenvolvimento, justiça social e valorização do trabalho.

Sociabiliza-se, assim, o imóvel, com muitos proprietários utilizando a mesma base material em variados turnos de tempo (Time Sharing ou Propriedade Compartilhada. Jurisprudência Brasileira (JB) – Cível e Comércio. V. 183, 1999, p. 25).

 

Com o compartilhamento da propriedade é possível proporcionar a satisfação individual de cada titular do direito de propriedade, democratizando o acesso à moradia para lazer e fazendo a socialização do imóvel objeto do negócio, que deixa de pertencer a um único proprietário e passa a ser coletivamente aproveitado.

 

3.DA PROPRIEDADE COMPARTILHADA

 

            O instituto da multipropriedade ou propriedade compartilhada constitui uma nova possibilidade jurídica do exercício do direito de propriedade, através do qual uma parcela das prerrogativas inerentes à propriedade, no caso usar, é marcada por características particulares e excepcionais, onde o fator ?tempo? é o elemento que o diferencia de outras modalidades.

            Sobre o assunto, Maria Helena Diniz nos ensina:

O sistema time sharing ou multipropriedade imobiliária é uma espécie condominial relativa aos locais de prazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em unidades fixas de tempo, assegurando a cada co-titular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual (Curso de Direito Civil Brasileiro, 4º volume, Editora Saraiva, São Paulo:2002, p. 212).  

 

A grande dúvida, no entanto, é saber se essa espécie de negócio outorga direito pessoal ou real ao condômino adquirente.

Não existe na legislação brasileira a figura do direito real “para se obter o aproveitamento de imóveis por turnos ou frações de tempo”. O rol dos direitos reais é taxativo, constante do artigo 1225 do Código Civil (propriedade, superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca e anticrese).

Registre-se que por serem taxativos, há uma linha de entendimento que os direitos reais não podem ser criados por convenção privada, sendo nula, então, qualquer disposição real conferida aos condôminos quando da aquisição das cotas para utilização compartilhada do empreendimento.

O Ministério do Turismo do Brasil, por sua vez, através da Deliberação Normativa n. 378, de 12 de setembro de 1997, tentou disciplinar no país o sistema de tempo compartilhado.

O artigo primeiro dessa deliberação dispõe: ?é reconhecido, para todos os efeitos, o interesse turístico do Sistema de Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem de Turismo, pela cessão pelo prazo mínimo de 05 (cinco) anos e a qualquer título, do direito de ocupação de suas unidades habitacionais, por períodos determinados do ano”.

Frederico Henrique Viegas de Lima bem aborda a questão:

 

Multipropriedade societária

 

A sociedade multiproprietária é a modalidade existente em países como a França. A opção francesa advém de imperativo legal, estando, atualmente, prevista na Lei de 6 de janeiro de 1986, relativa aux sociétés d?attribution d?immeuble en jouissance a temps partagé. Nesta, o direito do sócio multiproprietário vem incorporada a uma ação ou título representativo da condição de sócio. Sendo modo coletivo de utilização sucessiva[23]. E, no sentir de CARBONNIER é uma verdadeira co-propriedade por alternância[24].

O direito de usar o bem pode ser um direito real ou um direito pessoal. Para DAGOT e SPITERI é um direito pessoal que diz respeito a um direito real.[25] Existe uma sociedade onde o associado tem o direito de usar o imóvel durante o tempo determinado por esta, a cada ano.

Não existe um direito real, mas sim um direito pessoal e mobiliário,concedido em conformidade com o contrato da sociedade. O sócio tem, por isso, o direito de utilização do patrimônio social.[26]Desta forma, não existe transmissão do domínio, pertencendo o imóvel ao patrimônio da sociedade.

Para DAGOT e SPITERI é um direito pessoal que diz respeito a um direito real.[25] Existe uma sociedade onde o associado tem o direito de usar o imóvel durante o tempo determinado por esta, a cada ano. Não existe um direito real, mas sim um direito pessoal e mobiliário, concedido em conformidade com o contrato da sociedade. O sócio tem, por isso, o direito de utilização do patrimônio social.[26]Desta forma, não existe transmissão do domínio, pertencendo o imóvel ao patrimônio da sociedade. A relação entre os sócios e a sociedade é uma relação obrigacional.

Por uma parte, o sócio tem que pagar pelo desfrute mediante a sua entrada na sociedade e esta deve deixar que o sócio desfrute, em caráter exclusivo, de determinado imóvel, pelo tempo contratado e de forma cíclica. O sócio celebra um contrato de constituição de uma sociedade, com subscrição ou compra de ações, não comprando determinado imóvel.[27]

Existe um caráter pessoal porque o título ou ação é um bem móvel. Este leva consigo um gozo turnário que em geral é definido mediante deliberação em assembléia da sociedade. Na Itália, a sociedade emite duas espécies de ações. Uma ação ordinária e uma ação preferencial, que dá direito ao gozo do imóvel no tempo.[28] Enquanto que as ações ordinárias são entregues aos sócios multiproprietários de acordo com o valor do seu período de desfrute. Assim, por exemplo, um sócio que tenha o desfrute para a semana de Natal, terá um número maior de ações ordinárias do que um sócio que tenha o desfrute de uma semana no mês de outubro. Esta distinção ocorre porque o sócio da semana de Natal investiu uma quantia superior ao sócio do mês de outubro e, caso se dissolva a sociedade, estas ações serão computadas para dividir o preço alcançado.

O direito atribuído ao multiproprietário é derivado do contrato de constituição da sociedade, que é o gozo de um imóvel de maneira periódica e perpétua. Sendo também alienável e transmissível, entre vivos ou a causa de morte.[29] Dentro deste âmbito, o direito do sócio na utilização do bem é exclusivo. O direito de uso é limitado segundo o estabelecimento no contrato de constituição da sociedade. Devendo o sócio fazer uso do imóvel segundo o seu destino, de maneira normal, e é obrigado a devolvê-lo quando termine seu direito.[30]

 

Multipropriedade imobiliária

 

A multipropriedade imobiliária tem como principal característica a existência de um direito real. O adquirente, quando compra determinado imóvel sob esta forma de multipropriedade, adquire um verdadeiro direito real, que pode ser registrado, transferido inter vivos ou mortis causa, hipotecado e passível de que se constitua sobre ele qualquer outro direito real, pleno ou menos pleno. A forma ideal de multipropriedade imobiliária deve conter tudo isto, sendo o direito adquirido um verdadeiro direito real como qualquer outro.

Por esta característica de direito real que deve existir na multipropriedade imobiliária, foram estudadas diversas espécies de direitos reais já existentes e, inclusive, foram propostas novas espécies que melhor possam definir a multipropriedade. Caso concreto é a legislação portuguesa. O chamado direito real de habitação periódica é um direito real novo, enquadrado na categoria de direitos menos plenos, recaindo somente sobre bens imóveis destinados ao turismo, que assegura ao adquirente a inscrição deste direito no registro imobiliário, tendo também o poder de disposição sobre ele a qualquer momento.[31]

À parte da legislação portuguesa, que constitui um caso praticamente único de disposição legal sobre a multipropriedade imobiliária, várias teorias foram elaboradas para sua aplicação. Existindo, mesmo na doutrina estrangeira, severas divergências sobre uma identificação uniforme sobre esta nova modalidade de propriedade.[32]

Por certo, a quase unanimidade da doutrina admite a multipropriedade sob a forma imobiliária. E, o cerne da controvérsia está na conformação do direito. Para tanto, foram criadas várias teorias de direitos reais. Sendo certo, ainda, que nenhuma delas atende, na integralidade, a categoria de direitos reais. Ora esbarra na divisibilidade condominial, ora nos numerus clausus de direitos reais e na sua tipicidade (Multipropriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis, artigo virtual disponível em http://geodesia.ufsc.br/wikictm/index.php/Multipropriedade_imobili%C3%A1ria_e_em 14/10/2008).

 

 

 

A multipropriedade imobiliária, representando uma variação do condomínio tradicional especializada pelos intervalos de fruição, não se enquadra, é certo, em nenhuma das categorias tradicionalmente conhecidas de direito real (art. 1.225, I-X, CC/02), cujo rol, em princípio, é taxativo. Mas nem por isso deixa de merecer trato jurídico similar, condizente com suas características.

Não se está diante, portanto, de mero direito de uso derivado de relação pessoal, porque o vínculo é real (cf. Gustavo Tepedino. Multipropriedade Imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 48).

Atualmente o Direito autoriza, portanto, manobras de flexibilização que permitem se empreste à multipropriedade imobiliária (time sharing) disciplinamento jurídico equivalente ao reservado, genericamente, aos direitos reais (Código Civil) e, especificamente, aos condomínios edilícios sobre uma base imobiliária (art. 6°, Lei n. 4.591/64), respeitadas as regras específicas necessárias à adaptação do trato normativo à natureza do instituto, como o (a) afastamento da prerrogativa, inerente aos condôminos, de livre divisão do condomínio e (b) o direito de preferência assegurado aos condôminos na aquisição tanto por tanto (cf. Frederico Henrique Viegas de Lima, artigo citado).

A doutrina de Arthur Rios, ainda uma vez, é pertinente:

 

Algumas dificuldades têm de ser enfrentadas para se chegar à conceituação da multipropriedade ou propriedade compartilhada e que são: a transitoriedade de toda propriedade em comunhão, a divisibilidade da coisa e o direito de preferência dos co-proprietários, quando da alienação de parte da coisa comum.

A transitoriedade do condomínio imobiliário é de ser, no caso da multipropriedade, obstaculada pela finalidade lógica do instituto, que é a do uso de todos os multiproprietários.

Admitida, no caso e na espécie, a transitoriedade genérica, teremos a destruição do destino da própria base material da estrutura. Seria tanto um contra-senso e agressão à legítima pretensão de uso por todos os contratantes da multipropriedade, quando não há nada que a proíba e ao contrário existe a garantia constitucional de sua existência, via do direito de associar-se e contratar.

A ‘divisibilidade’, também, não poderá ser admitida, visto que além de se adotar as mesmas razões acima contra a transitoriedade é de se adicionar as do interesse e sociedade social, para que se mantenha o estado de comunhão, com o aumento de empregos, do crescimento econômico e da satisfação dos seus titulares ou contratantes…

O ‘direito de preferência’ nas alienações, da mesma forma, não é de ser aqui admitido, em nome do critério de exclusividade da multipropriedade, encontrada com o tempo dividido em turnos de satisfação de todos os titulares. Por analogia, é de ser feita a adoção das regras do condomínio especial das Leis n. 4.591, 4.864/65, onde as unidades individuais são exclusivas de seus proprietários, substituídas, analogicamente, aquelas pelas multipropriedade de unidades condominiais, que se dividem por turnos de utilização.

O instituto, por moderno, sofrerá ataques conservadores, mas vingará forçado pelo benefício social que produz.

 

 

Por fim, por se enquadrar o presente instituto ao direito real, para aquisição desta quota temporal, necessária a instrumentalização pública prevista no artigo 134 do Código Civil.

 

3. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina: Apelação Cível n. 2008.019293-6, de Armazém, rel. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta;



[1] Advogada inscrita na OAB/SC sob nº 31.124; Advogada do escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados. Formada no Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj. Pós graduanda em Direito Imobiliário pela PUC – Católica de Santa Catarina.

 

 

CategoryArtigos
Write a comment:

You must be logged in to post a comment.

        

© 2020 por Puxavante

PHMP Advogados OAB/SC 1.029

logo-footer

47 3084 4100

Rua Olívio Domingos Brugnago, 125

Vila Nova - CEP 89.259-260 - Jaraguá do Sul - SC

Termos de uso Politicas de Privacidade