1. INTRODUÇÃO

Dentre as várias alterações advindas com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (em vigor desde 2016), uma das que merecem destaque é a positivação da até então conhecida pela doutrina como “Teoria da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica”.

Tendo em vista este importante instituto, serve o presente estudo para análise do mesmo, dando ênfase à possibilidade de aplicação no direito de família e das sucessões.

Diante disso, inicialmente abordar-se-á a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, bem como os requisitos para que tal medida seja adotada, passando-se à análise da desconsideração inversa da personalidade jurídica, para então chegarmos ao ponto principal da pesquisa, ou seja, verificar a possibilidade de aplicação deste instituto no direito de família e das sucessões.

  1. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Antes mesmo da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, a desconsideração da personalidade jurídica era plenamente aceita nos tribunais e na doutrina, e estava prevista no artigo 50 do Código Civil, carecendo, no entanto, de regulamentação a respeito do seu procedimento. A respeito, em novembro de 2003 houve uma movimentação no sentido de disciplinar o emprego da desconsideração da personalidade jurídica, por meio do Projeto de Lei nº 2.426/2003, proposto pelo Deputado Federal Ricardo Fiuza, o qual, no entanto, foi arquivado em janeiro de 2007 (SOUZA, 2009).

Agora, com o atual Código de Processo Civil, tem-se a regulamentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com previsão no artigo 133 e seguintes, determinando, entre outros aspectos, a legitimidade para solicitá-lo, a fase processual em que poderá ser requerido, etc.

Mas afinal, o que seria este instituto da desconsideração da personalidade jurídica? De acordo com Souza (2009), é o meio pelo qual o juízo ignora a personalidade jurídica da empresa, a fim de buscar bens em nome dos sócios para adimplir eventual débito frente a terceiros. Evidentemente, há alguns requisitos para que tal medida seja tomada, afinal, a personalidade jurídica é distinta da personalidade (física) dos sócios e apenas nos casos previstos em lei é que poderá ser desconsiderada.

Assim, a doutrina e a legislação instituíram o que se conhece por desconsideração da personalidade jurídica, a qual pode se dar pela teoria maior ou pela teoria menor, onde “a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados por meio dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial” (COELHO apud SOUZA, 2009, p. 38).

Em outras palavras, para restar configurada a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica pela teoria maior, nos termos do artigo 50 do Código Civil, a qual incide sobre as relações civis, notadamente aquelas vinculadas ao direito das famílias e das sucessões, deve ficar comprovado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, além do prejuízo ao credor (TARTUCE, 2017).

Já a teoria menor, adotada quando da existência de danos ambientais e, conforme entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, aos casos envolvendo relações consumeristas, depende de apenas um elemento, qual seja: a comprovação do prejuízo ao credor (TARTUCE, 2017).

Assim, visto que a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica é a de buscar bens em nome dos sócios (pessoa física) da empresa, a fim de adimplir dívida frente a credores (cumprindo requisitos de acordo com a espécie de direito envolvido: civil ou ambiental/consumerista), passa-se à análise da desconsideração inversa da personalidade jurídica e a possibilidade de utilização deste instituto nas relações envolvendo o direito das famílias e das sucessões.

  1. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA RELAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

Diferentemente da desconsideração da personalidade jurídica, a desconsideração inversa não estava prevista em lei, sendo tratada, até a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, como “teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica”. No entanto, apesar de, legislativamente não estar prevista, a teoria da desconsideração inversa era bastante aceita pelos tribunais superiores, tendo, inclusive, sido reconhecida em 2006, através do enunciado nº 283 da IV Jornada de Direito Civil[1] (TARTUCE, 2017). Nesse sentido, destaca-se um caso prático, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2013:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPANHEIRO LESADO PELA CONDUTA DO SÓCIO. ARTIGO ANALISADO: 50 DO CC/02. 1. Ação de dissolução de união estável ajuizada em 14.12.2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 08.11.2011. 2. Discute-se se a regra contida no art. 50 do CC/02 autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica e se o sócio da sociedade empresária pode requerer a desconsideração da personalidade jurídica desta. 3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva. […] (REsp 1236916/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013). (grifo próprio)

Assim, com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, então, dentro do Capítulo IV, o qual trata do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, houve expressa previsão legislativa a respeito da desconsideração inversa da personalidade jurídica, indicando que esta se processará nos mesmos moldes que a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita.

Mas, no fim das contas, o que é a desconsideração inversa da personalidade jurídica? A ideia central é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, no entanto, inverte-se a desconsideração e buscam-se bens da pessoa jurídica para responder pelas dívidas dos sócios ou administradores (pessoa física).

Ainda, conforme visto anteriormente, apenas a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica é aplicável às relações civis, razão pela qual para que seja desconsiderada a personalidade jurídica, inversamente, deve-se comprovar o abuso da personalidade por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, além do prejuízo a terceiro (TARTUCE, 2009). Por exemplo, uma pessoa jurídica que tem bens incorporados ao seu patrimônio por sócio ou administrador com a finalidade de fraudar partilha em divórcio pode ter sua personalidade desconsiderada (inversamente), a fim de reverter aqueles bens ao patrimônio da pessoa física e então possibilitar a correta partilha, desde que restem comprovados os requisitos dispostos na teoria maior.

Diante disso, verifica-se ser possível a utilização da desconsideração da personalidade jurídica inversa nas relações envolvendo o direito de família e das sucessões, desde que se atente à teoria maior e aos requisitos necessários para sua configuração, quais sejam: o comprovado abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, além de prejuízo a terceiro.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vistos os pontos que embasaram a presente pesquisa, verificou-se que a positivação do procedimento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi uma das aclamadas inovações trazidas pelo atual Código de Processo Civil, além da previsão expressa da desconsideração da personalidade jurídica inversa, a qual deverá seguir os mesmos requisitos e se processará pelo mesmo meio que a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita.

Ainda, verificou-se ser perfeitamente possível (mesmo antes da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil) a utilização da desconsideração da personalidade jurídica inversa nas relações envolvendo direito de família e das sucessões, quando resultar em lesão ao direito de terceiro.

Assim, tendo em vista que apenas a teoria maior se aplica às relações cíveis (e às de direito de famílias e sucessões), uma vez que a teoria menor é cabível apenas nos processos ambientais e consumeristas, para o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica inversa, deverá restar comprovado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, além do prejuízo a terceiro.

REFERÊNCIAS

SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. São Paulo: Saraiva, 2009.

TARTUCE, Flávio. A desconsideração da personalidade jurídica e suas aplicações ao Direito de Família e das Sucessões. 2017. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/512847682/a-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-suas-aplicacoes-ao-direito-de-familia-e-das-sucessoes?utm_campaign=newsletter-daily_20171025_6204&utm_medium=email&utm_source=newsletter>. Acesso em: 28 nov. 2017.

[1] Enunciado nº 283: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

        

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