Maristela Hertel[1]

 

 

INTRODUÇÃO: Objetiva este artigo investigar como tema central os efeitos da inédita decisão da 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, em 24/10/2011, por 4 votos a 1, pronunciou-se a favor da oficialização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, ao decidir pelo deferimento de um recurso especial em que as interessadas pugnavam pela tutela do Estado para proteção da família, formada por um par de mulheres, através do casamento civil e seus efeitos.

 

1. DO CASAMENTO:

A família, célula mater da sociedade, sempre esteve relacionada diretamente ao casamento, uma das mais importantes e poderosas instituições do direito privado, mantendo esse status ao longo da história da sociedade civilizada.

 

Para Maria Helena Diniz[2] o matrimônio não é apenas a formalização ou legalização da união sexual, como pretendem Jemolo e Kant, mas a conjunção de matéria e espirito de dois seres de sexo diferente para atingirem a plenitude do desenvolvimento de sua personalidade, através do compenhairismo e do amor. Afigura-se como uma relação dinâmica e progressiva entre marido e mulher, onde cada cônjuge reconhece a pratica a necessidade de vida em comum, para, como diz Portalis, ajudar-se, socorrer-se e mutuamente, suportar o peso da vida, compartilhar o mesmo destino e perpetuar sua espécie. Ou como escreve Wetter, o “casamento é a união do homem e da mulher com o fim de criar uma comunidade de existência”. Reforça essas idéias a clássica definição de Clóvis Beviláquoa: “o casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexsuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer”.

 

Em todos os tradicionais conceitos jurídicos do casamento acima citados, a diversidade dos sexos está presente como requisito essencial, pois este sempre foi o retrato da formação da família ideal tutelada pelo Estado, a qual, no direito brasileiro, iniciou suas mudanças com o reconhecimento da possibilidade da dissolução do casamento, no ano de 1977, através da Emenda Constitucional nº 9/77, regulamentada pela Lei 6.515/77, promulgada no mesmo ano.

 

 

3. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E CÓDIGO CIVIL:

 

Depois da importante Lei do Divórcio, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226 e o Código Civil de 2002, artigo 1.580 e seguintes, o direito de família ampliou a tutela do Estado com o reconhecimento de outras formas de constituição de família, como a união estável e a monoparentalidade, exemplos de que os conceitos tradicionais do casamento já não mais atendiam às necessidades e anseios da sociedade, que se rearranjou nos papéis familiares.

 

Notou-se, no último século, como ressaltam, Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho[3], que a secularização[4] (laicização) é a ruptura entre a cultura eclesiástica e as doutrinas filosóficas, especialmente entre a moral do clero e a forma de produção da ciência. Por isso, o Estado não deve se imiscuir coercitivamente na vida moral dos cidadãos e nem tampouco promover coativamente sua moralidade, mas apenas tutelar sua segurança, impedindo que se lesem uns aos outros. Com o princípio da secularização, concluem os articulistas, podem ser invocados inúmeros (sub)princípios: da inviolabilidade da intimidade e do respeito à vida privada (art. 5º, X), do resguardo da liberdade de manifestação de pensamento (art. 5º, IV), da liberdade de consciência e crença religiosa (art. 5º, VI), da liberdade de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII) e da garantia de livre manifestação do pensar (art. 5º, IX).[5]

 

E assim, com base em vários princípios constitucionais do indivíduo, é que, pela primeira vez na história do direito brasileiro, foi autorizado o casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo.

 

4. DA DECISÃO

O Recurso Especial Nº 1.183.378 – RS (2010/0036663-8), foi interposto por duas mulheres, que tiveram negado pedido de habilitação do casamento civil entre si, e, após ingressar judicialmente com esta solicitação, tiveram sentença negando o pedido, e esta decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, motivo pelo qual foi interposto Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça.

 

Do corpo do acórdão, da lavra do eminente Min. Luis Felipe Salomão, colhe-se a seguinte fundamentação justificadora do deferimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo:

o STF explicitou que o julgamento proferido pelo Pleno, na ADPF n. 132/RJ, “proclamou que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual” (RE477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe).

 

No mesmo passo, asseverou o eminente relator: “Isso significa que também os homossexuais têm o direito de receber igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual.

 

Essa afirmação, mais do que simples proclamação retórica, traduz o reconhecimento, que emerge do quadro das liberdades públicas, de que o Estado não pode adotar medidas nem formular prescrições normativas que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão jurídica de grupos, minoritários ou não, que integrem a comunhão nacional.

 

De fato, a igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito a auto afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias.

Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença.”

 

 

5. DOS EFEITOS DESTE PRECEDENTE

 

Apesar de ser um importante precedente, o mais importante na conquista do direito de ter reconhecida como família a união entre pessoas do mesmo sexo, ela, por si só, não efetiva o direito dos casais homossexuais que pretendem se casar.

 

Como a legislação não sofreu alterações, ainda há necessidade de que cada um dos pares homoafetivos que pretenderem oficializar sua união através do casamento civil, busquem a tutela Estatal inicialmente através de processo judicial encaminhado ao Juiz da Vara da Família, competente para tal julgamento, para que seja autorizado o pedido de habilitação para o casamento civil, para, somente então, terem a almejada proteção Estatal.

 

Enquanto não houver alteração na legislação, este é o caminho que se tem a percorrer na busca do reconhecimento jurídico do casamento civil e os efeitos decorrentes, tanto pessoais (nome, estado civil), quanto patrimoniais (direito de meação e regime de bens), como, também, efeitos sucessórios.


[1] Maristela Hertel, advogada, sócia fundadora da Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados (OAB/SC 1029), Mestre em Ciências Jurídicas, Professora nos cursos de Direito e Ciências Contábeis do Centro Universitário Católica de Santa Catarina, Campus de Jaraguá do Sul (SC).

[2] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 23 ed. 2008, p.38.

[3] CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. pp. 01 e 09.

[4] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. Laicizar significa tornar laico ou leigo; excluir o elemento religioso ou eclesiástico de (organização estatal, ensino etc); laicificar. Laico: que vive no, ou é próprio do mundo, do século; secular (por oposição a eclesiástico). Secularizar: tornar secular ou leigo (o que era eclesiástico), sujeitar à lei civil: secularizar instituições.

[5] WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no Direito de Família. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 22.09.2003

 

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