DOAÇÃO REMUNERATÓRIA x MÚTUA ASSISTÊNCIA ENTRE CÔNJUGES

Recentemente, a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, negou provimento ao recurso de Agravo de Instrumento que tem como celeuma a cessão de crédito de valores de precatórios, denominado como uma “doação remuneratória”, feita pelo marido à sua esposa, em razão dos serviços e cuidados dedicados a ele. A ementa do acórdão é a seguinte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. ALEGAÇÃO DE DOAÇÃO REMUNERATÓRIA NÃO SUJEITA À COLAÇÃO.

Casados a agravante e o falecido pelo regime da separação de bens, ela foi contemplada com cessão de créditos de valores de precatórios, que eram a totalidade do patrimônio, em ato que o cedente consignou ser “doação remuneratória” por serviços e cuidados dedicados a ele. A decisão agravada considerou o ato como adiantamento de legítima, cabendo à filha herdeira 50% da quantia. Deve ser mantida a decisão porque não se configura na hipótese a doação remuneratória para os efeitos do art. 2.011 do CCB que prevê não estar sujeita à colação a doação remuneratória de serviços feitos ao ascendente. Trata-se no caso, de cessão entre marido e mulher e, independentemente de qual seja o regime de bens a vigorar no casamento, o art. 1.566 do CCB estabelece deveres de ambos os cônjuges, entre os quais a mútua assistência e consideração mútua. Assim, cuidados prestados ao cônjuge não são passíveis de reembolso, remuneração ou indenização, pois traduzem o cumprimento de um dever legal. De sorte que o ato do falecido não pode ser tomado como gratificação à prestação de um serviço, stricto sensu, de sorte a caracterizar doação remuneratória e afastar a colação.

NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento: 70076068881, Órgão Julgador: Oitava Câmara Cível; Comarca de Origem: Passo Fundo, Tribunal: Tribunal de Justiça do RS, Assunto CNJ: Inventário e Partilha, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 12/04/2018 e Publicado no Diário da Justiça do dia 16/04/2018).

Na decisão, tem-se o entendimento de que a doação remuneratória – que alias, trata da integralidade do patrimônio -, em razão de cuidados prestados pela esposa, foi considerada adiantamento de legítima, cabendo à filha (única herdeira) 50% da quantia.

Dito isto, o que é a doação remuneratória?

Bem, em geral, a doção é o contrato de transferência em que uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para o de outra (art. 538 do Código Civil). Por sua vez, a doação remuneratória é uma doação por agradecimento, que é feita em retribuição a favor ou serviço prestado que não pode ser exigido judicialmente (pois se fosse, não seria doação remuneratória, e sim, pagamento), pois o doador não tem o dever jurídico de doar, porém, sente-se na obrigação moral de remunerar o donatário.

Toda liberalidade pressupõe gratuidade. A vontade do doador não nasce de uma obrigação e não exige uma contraprestação para que ocorra a transferência, bem como, a vontade não deve ser confundida com os motivos individuais (que podem ser: gratidão, simpatia, orgulho, etc.).

Por sua vez, na doação remuneratória, sob aparência da mera liberalidade, há o firme objetivo do doador em pagar ao donatário por um serviço prestado ou vantagem por ele recebida.

Exemplificando: o filho que doa um automóvel ao médico, por ter salvo a vida da sua mãe. Ao exemplo, ausente está o efetivo caráter da liberalidade, porém, se o “valor” doado é superior ao benefício recebido, está caracterizada a liberalidade, e assim estabelece o artigo 540 do Código Civil, com a seguinte redação:

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.

Também são exemplos de doação remuneratória: gorjeta, salva vidas, prestar socorro à vítima de um acidente.

Além da característica da gratidão em retribuição de um favor, por reconhecimento, tem-se ainda que:

  • A ingratidão não revoga a doação remuneratória – inciso I do artigo 564 do Código Civil:

Art. 564. Não se revogam por ingratidão:

I – as doações puramente remuneratórias;

  • Bens móveis do casal podem ser doados sem necessidade de concordância do cônjuge – incisos I e IV do artigo 1.647 do Código Civil:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

(…)

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

  • A doação remuneratória dos serviços realizados em benefícios dos ascendentes não se sujeita a colação, ou seja, do dever de trazer ao inventário para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente – artigo 2.011 do Código Civil:

Art. 2.011. As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas a colação.

  • Quanto a forma, a doação remuneratória está dispensada da pública, podendo ser feita por instrumento particular (artigo 541 do Código Civil).

Dito isto, e, retomando o julgado citado no início do presente artigo, tem-se que a cessão de crédito de valores de precatórios, celebrada pelo então falecido marido à sua esposa, através de ato denominado de “doação remuneratória”, embora formalizado com os cuidados legais (contrato particular, firma reconhecida, local onde firmado, qualificação das partes, data, objetivos e extensão do negócio jurídico – artigo 541 e §1° do artigo 654 do Código Civil) e ser por gratidão e reconhecimento dos serviços e cuidados dedicados, foi considerada pelo juiz um adiantamento de legítima em razão da condição de cônjuges.

Melhor explicando, independentemente do regime patrimonial de bens eleito pelo casal, há deveres entre si que devem ser observados, conforme determina o artigo 1.566 do Código Civil,

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

O esforço, serviços e cuidados prestados pela esposa ao marido estão inseridos nos deveres que devem ser respeitados por ambos os cônjuges, motivo pelo qual não há que se falar em reembolso, remuneração ou indenização desta natureza, pois resultam no cumprimento de um dever estabelecido em lei.

O documento de doação feito pelo marido não foi declarado nulo, em razão da possibilidade de livremente dispor de 50%, e sim, em aproveitamento ao máximo do ato e em respeito a vontade manifestada em vida pelo falecido, foi convertido em adiantamento de legítima, respeitado o percentual de 50% permitido.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Institui o Código Civil. Brasília: Planalto. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 29 jun. 2018.

        

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