Julio Max Manske[i]

1.Introdução

Ao anunciar a progressão de regime dos já conhecidos ?Irmãos Cravinhos? do fechado para o semiaberto, restou divulgado pela mídia como sendo aquele onde ?o detento apenas dorme na prisão?, razão pela qual, serve o presente artigo como forma de esclarecer, de forma sucinta e compreensível, a adequada aplicação do regime prisional semiaberto, com suas características que, nem de longe, são aquelas expostas.

2.Da Fixação do Regime Prisional

 

Antes de ingressar na explicação direta do regime em tela (semiaberto), torna-se prudente nortear o leitor a respeito de como o mesmo é estabelecido.

Nesse sentido, é bom recordar que regime prisional, é o nome que se dá a um conjunto de medidas que determina a forma como será cumprida, inicialmente, a pena de um condenado. Isto porque, somente há que se falar em regime prisional, a quem foi condenado por uma pena transitada em julgado (salvo a execução provisória), assim como o local do referido cumprimento, o que será abordado em seguida.

O regramento relativo aos regimes prisionais encontram-se previstos tanto na Lei de Execução Penal (L. 7.210/84), como também, no próprio Código Penal (recorda-se que sua parte geral foi reformada através da L. 7.209/84, por isso, da similitude das leis e temas).

São três os regimes prisionais, quais sejam:  fechado, semiaberto e aberto, havendo, ainda, o RDD ? Regime Disciplinar Diferenciado, mas que corresponde a um regime provisório e de exceção (art. 52, L. 7.2120/84).

O momento da fixação do regime prisional, é após o estabelecimento da pena em concreta do agente (art. 59, III, CP), uma vez que esta é, em regra, fundamental para sua definição, haja vista que o artigo 33, par. 2, do Código Penal, assim determina:

§ 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Diz-se em regra, pois conforme extrai-se do próprio texto legal, a quantificação da pena apenas serve para base do estabelecimento do regime prisional, quando o condenado for primário, caso contrário, sempre deverá começar a cumprir sua reprimenda no regime mais severo (fechado, para os crimes punidos com reclusão e semiaberto para os crimes punidos com detenção ? art. 33, caput, CP).

Outra regra a observar, é aquela relativa aos condenados por crimes hediondos, que segundo disposição legal expressa, devem iniciar o cumprimento da pena sempre em regime fechado (o que apesar de parecer por demais grave, já caracteriza uma evolução, pois quando de sua entrada em vigor ? da L. 8.072/90 ? constava a determinação que toda a pena deveria ser cumprida no regime fechado), segundo artigo 2º, par. 1º, da Lei 8.072/90.

3.Dos Estabelecimentos Penais

 

Cada regime prisional comporta um conjunto de medidas a serem aplicadas aos condenado, visando sua recuperação, reeducação e visando sua reinserção social, razão pela qual, são cumpridos em estabelecimentos penais distintos, quais sejam: as penitenciárias, para os presos que estiverem cumprindo sua pena em regime fechado; as colônias agrícolas, industriais e similares, para aqueles que estiverem no regime semiaberto e; as casas de albergado, para os condenado em regime aberto.

Vale destacar, ainda, a Cadeia Pública, popularmente conhecida como ?Presídio?, que destina-se exclusivamente (na teoria) aos presos provisórios, ou seja, aqueles que ainda não possuem condenação e o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, dedicado aqueles que deverão cumprir a medida de segurança de internação.

A LEP ? Lei de Execução Penal, disciplina regras gerais a serem aplicadas a quaisquer estabelecimentos, assim como regras específicas de cada um deles. Como regras gerais, pode-se citar (sem esgotar):

Art. 82 (…).

§ 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal.

§ 2º – O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados.

Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.

§ 1º Haverá instalação destinada a estágio de estudantes universitários.

§ 2o  Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. 

§ 3o  Os estabelecimentos de que trata o § 2o deste artigo deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas.

§ 4o  Serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante

Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.

§ 1° O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.

§ 2° O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada.

Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.

Como regras específicas das Penitenciarias, local destinado ao cumprimento da pena em regime fechado, tem-se que o recolhimento individualmente será em unidade celular (cela), a qual deverá contar com dormitório, aparelho sanitário e lavatório, além dos seguintes requisitos básicos: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

As Colônias Agrícolas ou Industriais, por sua vez, destinadas ao cumprimento da pena em regime semiaberto, tem como pressuposto o alojamento do condenado em compartimento coletivo, observados os mesmos requisitos de salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, além da necessária seleção adequada dos presos e que respeite ao limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena.

As Casas do Albergado, por seu turno, destinam-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto e da pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana.  O prédio deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga, sendo que em cada região deverá haver, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras.

4.Dos Regimes Prisionais

 

Com visto, 3 são os regimes prisionais.

No Regime Fechado, a ser cumprido nas Penitenciárias, o condenado ficará sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.  Este trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena. O trabalho externo é admissível, mas apenas serviços ou obras públicas e mediante vigilância.

Para o condenado que estiver cumprindo sua pena no regime semiaberto, ficará sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, podendo realizar trabalhos externos, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. Quanto ao trabalho externo, vale destacar que igualmente ao fechado, este também se dará em instituições públicas, onde o Estado possa exercer vigilância sobre o apenado, como se observa:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. REGIME SEMIABERTO. TRABALHO EXTERNO EM EMPRESA PRIVADA. IMPOSSIBILIDADE DE VIGILÂNCIA E FISCALIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. CUMPRIMENTO DE 1/6 DA PENA. DESNECESSIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que é desnecessário o cumprimento mínimo da pena, de 1/6, para a concessão do benefício do trabalho externo ao condenado a cumprir a reprimenda no regime semiaberto, desde que satisfeitos os demais requisitos necessários, de natureza subjetiva.

2. O trabalho externo, no regime fechado e semiaberto, é admitido em obras públicas ou particulares, desde que regido por regras de direito público (art. 35 do CP).

3. O trabalho externo em empresa privada afasta o regime público do benefício, de modo que impossibilita um mínimo de vigilância, inerente ao regime prisional fechado e semiaberto, uma vez que se desenvolverá em local onde o Poder Público não poderá exercer o seu dever de fiscalização disciplinar, por ser atividade externa.

Precedentes do STJ.

4. Ordem denegada.

(HC 98.849/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe 15/06/2009)

O Regime Semiaberto pressupõe um abrandamento das restrições à liberdade contida no Regime Fechado, mas nem por isso, significa dizer que encontram-se em liberdade, apenas tendo de retornar a noite para dormir, pois como se verá, nem mesmo no mais brando dos regimes (Aberto), isso é possível.

O que ocorre, é que no Regime Fechado, o cidadão se encontra totalmente enclausurado, sendo que no Regime Semiaberto, ele adquire alguns benefícios visando sua reintegração social, dentre eles, quem sabe dos mais favoráveis, encontram-se as saídas temporárias (art. 122, da LEP).

As saídas temporárias são destinadas aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto, que poderão obter esta autorização para saída do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I – visita à família; II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano, com exceção da hipótese de frequência a curso, que durará o tempo destinado ao seu deslocamento e permanência no mesmo.

Já o Regime Aberto, baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado, sendo cumpridono estabelecimento penal denominado Casa de Albergado.  Aqui, o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.

O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação de seu programa e das condições impostas pelo Juiz.  Somente podendo ingressar neste regime o condenado que: I – estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente (o que pode ser flexibilizado) e; II – apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime.

O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: I – permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II – sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III – não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; IV – comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.

5.Conclusão

Retira-se da ?renomada? Folha de São Paulo, em sua versão virtual[ii], a seguinte notícia:  ?Os irmãos Cristian e Daniel Cravinhos vão cumprir o restante da pena em regime semiaberto – onde o detento apenas dorme na prisão. Os dois foram condenados, em 2006, junto com Suzane Von Richthofen pelo assassinato dos pais dela, ocorrido em 2002.?.

Da mesma forma, em outras manchetes televisas, a notícia a respeito da progressão para o Regime Semiaberto dos Irmãos Cravinhos (condenados por duplo homicídio qualificado), levava o cidadão leigo a pensar que estes poderiam circular livremente pelas ruas a partir daquele instante, tendo que retornar, a noite, à prisão, apenas para dormir.

Como se observou, porém, o Regime Semiaberto efetivamente traz aos seus incursos, benefícios que permitem a liberdade sem vigilância, como no caso das saídas temporárias, onde nem mesmo é necessário retornar no período noturno, restrito, entretanto, ao período de 7 dias, por 5 vezes ao ano.

Nem mesmo no Regime Aberto, é possível aquele que esteja cumprimento pena sair todos os dias e retornar apenas para dormir. A permanência na casa do albergado é obrigatória todas as noites, assim como durante todos os dias de folga, leia-se, sábados, domingos e feriados. A ideia central, portanto, é que a pessoa apenas saia para exercer atividades laborativas.

Assim, enganosa é a notícia que aponta a regime semiaberto, como aquele onde o detento apenas ?dorme? na prisão.

A mídia, sem conhecimento técnico e de forma equivocada, cria um regime inexistente na legislação penal brasileira, talvez com o objetivo de destacar determinada notícia, causando, deste modo, maior complexidade e atração para a matéria que será debatida.

Nos cabe, portanto, a ver este exemplo, tomar maior precaução com os noticiários, pois desprovidos da técnica aprofundada sobre o assunto narrado, preocupando-se mais com o despertar do interesse de seu público, do que com a verdade dos fatos.

 



[i] [i] Graduado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998), pós-graduado em Direito – Especialização em Processo Civil – convênio UNERJ/FURB (2003); pós-graduado em Direito – Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2007); professor da disciplina de Direito Penal, Parte Geral e Processo Penal no Centro Universitário Católica de Santa Catarina (desde 2003); vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Jaraguá do Sul, na gestão 2007-2009. Especialista em Corrupção, Crime Organizado e Terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha 2011); Pacificador Social, através do Curso de Gerenciamento de Crise, turma 2011/1, pela Polícia Militar da Paraíba.

CategoryArtigos
Write a comment:

You must be logged in to post a comment.

        

© 2020 por Puxavante

PHMP Advogados OAB/SC 1.029

logo-footer

47 3084 4100

Rua Olívio Domingos Brugnago, 125

Vila Nova - CEP 89.259-260 - Jaraguá do Sul - SC

Termos de uso Politicas de Privacidade