MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA.

 

Denise Bartel Bortolini

A multipropriedade imobiliária é um instituto reconhecido pelo STJ desde 2016 (STJ, REsp 1.546.165, rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 24.6.2016), sendo incorporado no Código Civil e, também, na Lei de Registros Públicos, no final do ano de 2018, com o advento da Lei n° 13.777, regulamentando o regime jurídico da multipropriedade de imóveis e o seu registro, além de delimitar questões sobre a transferência e a administração da propriedade compartilhada.

Um direito real sui generis de usar, gozar e dispor da propriedade, cuja limitação não é apenas condominial, mas também temporal.

Mas então, o que é a multipropriedade imobiliária?

Também conhecida pela expressão inglesa time-sharing ou timeshare, é um regime de condomínio em que cada proprietário de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, podendo nela usar e gozar, com exclusividade, da totalidade do imóvel, de forma alternada com os demais proprietários, por consequência, ampliar o potencial de uso do imóvel, especialmente se aplicado em imóveis de veraneio e de repouso.

A multipropriedade “brinca” com conceitos de espaço (na perspectiva da propriedade) e de tempo (na perspectiva de utilização desta propriedade), pois parte do pressuposto de que o imóvel será virtualmente fragmentado em unidades periódicas, com medidas definidas por sua fração de tempo. Assemelha-se ao regime do condomínio edilício, em que cada quota de fração de tempo equivale a uma fração ideal, inclusive para deliberações internas.

A doutrina procura explicá-lo como uma propriedade periódica, propriedade sazonal, propriedade a tempo parcial ou a tempo repartido, etc.

O fenômeno social surgiu pela procura por um grupo social, sem possibilidade financeira ou interesse em manter vários imóveis ao mesmo tempo, de ter um imóvel para passar suas férias na praia ou no campo. Com isto, empresários facilitaram este acesso através da multipropriedade, que pode ser aplicada tanto em apartamentos, como em imóveis de construções térreas, casas em vilas, fazendas ou assemelhados.

Assim, todos os multiproprietários são condôminos de um mesmo imóvel no tempo fixado no pacto, que nossa lei estabelece o prazo mínimo de 07 (sete) dias. Não existe, desse modo, constituição de unidades autônomas, invocando-se as normas típicas do condomínio ordinário. As normas condominiais são aplicadas subsidiariamente.

O condomínio é indivisível e, “as instalações, equipamentos e o mobiliário destinados a seu uso e gozo” (inciso II do art. 1.358-D). Assim, o imóvel deve estar em estado de utilização pelo multiproprietário, sua família e convidados, considerando inclusive utensílios como pratos, talheres, panelas, televisores, refrigeradores, micro-ondas, etc. Sua administração é parecida com a de um hotel e inclusive, as unidades não utilizadas servem para este fim, trazendo uma renda, obedecendo a contratação e regulamento.

Em tempos de uma sociedade do compartilhamento, a busca pela sustentabilidade, ou seja, da utilização dos recursos em benefício do meio ambiente, ganha força. Isso também se aplica aos bens imóveis, que, através da multipropriedade tem-se a possibilidade de um único imóvel ser utilizado por até 52 multiproprietários

diferentes. Isso ocorre porque a Lei da Multipropriedade considera o período de 7 (sete) dias o mínimo razoável para que o indivíduo consiga desfrutar dos benefícios de sua propriedade imobiliária e tudo o que ela tem, ainda que indiretamente, para oferecer.

A fração de tempo indivisível e de, no mínimo, 7 (sete) dias “seguidos ou intercalados”, pode ser: a) fixa e determinada no mesmo período de cada ano; b) variável, com nitidez quanto a escolha e o tratamento igual entre os diversos multiproprietários; c) mista, combinando o sistema fixo com o variável.

São diversos os benefícios da multipropriedade, destacando-se: direito à propriedade; acesso a bem de valor elevado, divisão de despesas de forma proporcional, direito de usufruir de imóvel em período determinado, otimização do uso do bem e de sua função social, etc.

A multipropriedade pode ser instituída por ato entre vivos ou por testamento; com o devido registro na matrícula imobiliária do imóvel do período correspondente a fração de tempo, ou seja, cada fração de tempo possuirá uma matrícula individualizada. Neste sentido, trata BLASKESI (2019, p. 41) que, “uma vez registrado na matrícula-mãe, abrem-se matrículas individuais para cada fração de tempo desse novo direito real, onde consta, de forma específica, quando e como pode ser usado”.

Por consequência, tem-se que o município poderá realizar a inscrição individualizada de cada unidade junto ao cadastro municipal, para fins de cobrança de impostos, nos termos do §11, art. 176 da Lei 6.015/73:

  • 11.  Na hipótese prevista no § 10 deste artigo, cada fração de tempo poderá, em função de legislação tributária municipal, ser objeto de inscrição imobiliária individualizada.

Não é possível a penhora da totalidade do bem em regime de multipropriedade, pois o proprietário é titular de apenas uma fração ideal e não da integralidade do imóvel.

A lei dispõe de direitos e deveres dos multiproprietários, em que inclui-se, por exemplo, a cessão ou locação no período correspondente a sua fração de tempo, o direito de voto (proporcional à quota de fração de tempo de cada condômino e somente se estiver em dia com suas obrigações), da participação nas assembleias gerais do condomínio em multipropriedade (também aos promitentes compradores e os cessionários de fração de tempo), da responsabilidade pelos danos causados no imóvel e/ou suas instalações, etc. O multiproprietário não tem o direito de modificar, alterar ou

substituir o mobiliário, os equipamentos e as instalações do imóvel, pois esta faculdade é exclusiva da administração.

Outras estipulações devem ser reguladas, como: a forma de pagamento de conservação e limpeza, a quantia máxima de ocupantes simultâneos (que cabe ao administrador fiscalizar), o acesso do administrador do condomínio ao imóvel; a instituição de fundo de reserva para repor e manter o imóvel, regras no caso de perda ou destruição e as multas para os casos de descumprimento dos proprietários com seus deveres.

A multipropriedade pode também, por exemplo, ser de uso exclusivo de pessoas da terceira idade, impedindo a ocupação por crianças e jovens, ou ainda, regular a possibilidade de permanência de animais de estimação, enfim, tudo isto devendo ser apreciado em prol da vida condominial e constar da convenção e regulamento.

Também, interessante prever a fração de tempo que servirá para realizar reparos necessários, que pode ser atribuída ao instituidor da multipropriedade ou a cada um dos multiproprietários.

O multiproprietário pode alienar e onerar sua fração de tempo de forma livre, sem qualquer necessidade de anuência dos demais co-proprietários, assim como, da garantia do direito de preferência (salvo se no instrumento de instituição haver disposição a respeito), devendo apenas informar tal fato ao administrador do condomínio em multipropriedade.

A administração da multipropriedade, por sua vez, cabe a um administrador, que, além das incumbências constantes no instrumento de instituição do condomínio, caberá ainda: a) coordenar a utilização do imóvel; b) definir, nos sistemas de fração temporal variável, o período de uso de cada um dos multiproprietários; c) manter e conservar o imóvel; d) trocar ou substituir equipamentos ou mobiliário; e) elaborar orçamento anual; e f) cobrar as quotas de cada um dos multiproprietários, pagando as despesas comuns. O administrador é fundamental para o sucesso do empreendimento, pois cuidará do dia-a-dia do prédio, das despesas, manutenção, contatos com proprietário e terceiros etc.

Os loteamentos urbanos e condomínios poderão limitar ou até mesmo proibir a instituição da multipropriedade, pois há casos em que esta modalidade de compartilhamento pode ser inconveniente e/ou incômoda.

REFERÊNCIA

BLASKESI, Eliane. Multipropriedade ou Time-Sharing: Primeiras Impressões. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, ano IX, n.º 49, Jan-Fev de 2019.

BRASIL. Lei n° 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm>. Acesso em: 23 out. 2020.

BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 23 out. 2020.

BRASIL. Lei n° 13.777, de 20 de Dezembro de 2018. Altera as Leis n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), para dispor sobre o regime jurídico da multipropriedade e seu registro. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13777.htm >. Acesso em: 23 out. 2020.

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