Bruna Motta Piazera1

Resumo

Ação popular é o meio processual a que tem direito qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Pretende-se com este artigo, demonstrar a importância da sua aplicação como um remédio constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.

 

Palavras-chave: Ação Popular, Lei 4.717/65, remédios constitucionais.

 

I. INTRODUÇÃO

A Ação Popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para ?obter a invalidação de atos ou contratos administrativos ilegais e lesivos ao patrimônio federal, estadual ou municipal, ou ao patrimônio de autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiro público? (CAPEZ, 2000, p. 193). O representante popular procede de natureza impessoal do interesse defendido; trata-se da defesa da coisa pública, da coisa do povo.

A referência constitucional dá-se pelo Art. 5º, LXXIII da CF (in verbis):

?qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de identidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência?.

 

II. Aplicações da Ação Popular

A Ação Popular só pode ser proposta por cidadão brasileiro ? pessoa física maior de dezoito anos ? no gozo de seus direitos políticos. Não têm qualidade para propor esta ação os partidos políticos, os inalistáveis, as entidades de classe, e qualquer pessoa jurídica (Súmula nº 365 do STF).

Deve também demonstrar a ilegalidade ou ilegitimidade do ato impugnado, na sua formação ou no seu objeto. Ou, ainda, a lesividade do ato ao patrimônio público ? ato lesivo é todo aquele que desfalca o erário da Administração, que atinge a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. A ação popular também alcança aqueles atos que ferem a moralidade administrativa.

Tem finalidade repressiva e preventiva. Como forma preventiva, a Ação Popular pode ser ajuizada antes da consumação dos efeitos lesivos do ato, sendo que a lei permite a suspensão liminar do ato impugnado para prevenir a lesão. Já como meio repressivo, vem para corrigir atos danosos consumados. Há também a finalidade supletiva da ação popular, em que o autor obriga a Administração omissa a atuar.

O objeto da Ação Popular é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público. Por ato, entende-se a lei de efeitos concretos, o decreto, a resolução, a portaria, o contrato, o ato administrativo, enfim, como classifica Capez (2000, p.194), ?toda manifestação de vontade da Administração danosa aos interesses da comunidade?.

São passíveis de anulação não apenas os atos de entidades públicas, mas também ?atos de sociedades mútuas de seguros, nas quais a União represente os segurados ausentes; empresas públicas; serviços sociais autônomos; instituições ou fundações (…); empresas incorporadas ao patrimônio da União? (idem).

Anulam-se todos os atos que contiverem quaisquer destes vícios: incompetência de quem os praticou; forma não prescrita em lei; desvio de finalidade; ilegalidade do objeto e inexistência de motivos, além de outros elencados pela Lei da Ação Popular.

A ação popular ganha sua característica especial quanto a legitimação, pois há a possibilidade de qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos (cidadania mínima) poder intentar, litisconsorciar ou dar prosseguimento a este remédio constitucional. Tal direito político é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, parágrafo único.

Segundo Cunha (2010), os autores da ação precisam ser legítimos, capazes e qualificados. Deste modo, o pólo ativo da ação popular só poderá ser composto por uma pessoa física, singular. Exceções existem onde é possível o litisconsórcio facultativo originário com outros cidadãos.

No que tange ao pólo passivo da ação, este é composto pelo réu e estes estão determinados no Art. 6º da Lei 4.717 de 1965:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

§ 1º Se não houver benefício direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste artigo.

§ 2º No caso de que trata o inciso II, item “b”, do art. 4º, quando o valor real do bem for inferior ao da avaliação, citar-se-ão como réus, além das pessoas públicas ou privadas e entidades referidas no art. 1º, apenas os responsáveis pela avaliação inexata e os beneficiários da mesma.

§ 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.

§ 5º É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular.

 

Nos termos do artigo art. 5° da Lei nº 4.717/65, a ação popular prescreve em cinco anos a contar do evento lesivo:

Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação, processá-la e julgá-la o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou ao Município.

§ 1º Para fins de competência, equiparam-se atos da União, do Distrito Federal, do Estado ou dos Municípios os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas sejam acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às quais tenham interesse patrimonial.

§ 2º Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoas ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do Estado, se houver.

§ 3º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.

§ 4º Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado. (Incluído pela Lei nº 6.513, de 1977)

 

O autor da Ação Popular se enquadra na qualidade jurídica de defensor de direito próprio, conforme explica MIRRA:

[…] a ação popular constitui um meio de participação do cidadão na vida política do Estado. Por isso, o autor popular age em juízo e em nome próprio e na defesa de direito de ação próprio, conquanto o seja também de todos os indivíduos de uma coletividade a que o mesmo, inclusive pertence.

Assim, a ação popular é um instrumento de tutela de direitos políticos e democráticos que se resumem no direito de participação na rotina política do Estado, fiscalizando a gestão do patrimônio público e a probidade dos atos administrativos. Deste modo, a tutela coletiva, nada mais é que uma parcela do interesse do próprio cidadão em atuar na vida política do Estado.

 

III. Efeitos e Possibilidade de Deferimento da Decisão Final

Sendo julgada procedente a ação o ente da administração pública será compelido a corrigir o ato anulado voltando para o estado anterior, ou quando não for possível responderá patrimonialmente pelos danos causados, havendo a possibilidade de ação regressiva para com seus agentes administrativos e favorecidos que beneficiaram-se do ato ora impugnado.

Por ter como finalidade o bem social, pois trata-se de interesses supraindividuais, e que o ente público na maioria das vezes iria pagar às expensas da fazenda pública que receberia tal indenização o legislador previu a possibilidade de tal indenização reverter para um fundo próprio criado por lei para subvencionar não somente a lesão ora causada mas a maioria dos interesses difusos de nossa sociedade. Citamos, ainda, a finalidade supletiva deste remédio constitucional que é a de compelir o ente público omisso a atuar.

Quando a ação popular receber sentença final desfavorável à pretensão dela havendo o trânsito em julgado e não comprovada a má-fé ou autor popular ficará isento de custas, emolumentos e honorários. Tal provimento judicial surtirá efeito para todos, não podendo ser intentada nova ação pelos mesmos motivos a não ser no caso do seu indeferimento ter ocorrido por falta de provas (não fazendo coisa julgada).

A Ação Popular pode ser utilizada para reparar danos causados, ?até mesmo, pela chamada Lei dos Efeitos Concretos, entendida como aquela que já traz em si consequências imediatas de sua incidência, por possuir destinatário certo e objeto particularizado? (PAULO, 2005). Se uma lei desapropria um imóvel, com ofensa ao princípio da impessoalidade e da moralidade; se uma lei concede isenção individual, com ofensa ao princípio da isonomia e da moralidade, por exemplo, referidos atos podem, de pronto, serem atingidas por meio da ação popular.

O mesmo não vale para a lei de caráter normativo, que regula uma situação genérica e abstrata. Estas leis, por não violarem direito subjetivo, não podem ser inquinadas de inconstitucionais por meio da ação popular (usa-se neste caso a Ação Direita da Inconstitucionalidade ? ADIn).

Desta forma, a Ação Popular não vem substituir Ação Direta de Inconstitucionalidade, com o fim de questionar a constitucionalidade de uma lei em questão. Sendo assim, a orientação consolidada do Pretório Excelso:

?O julgamento da lei em tese, em sede de ação popular, por juiz de primeiro grau, implica usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal para o controle concentrado, acarretando a nulidade do respectivo processo? (STF, Recl. 434-1).

 

IV. Aplicação Prática: caso exemplificativo

É importante salientarmos para a aplicação prática da Ação Popular. A título de exemplo, colhe-se uma matéria publicada no site Bahia Notícias do dia 18/03/2011, na seção Justiça, que trata justamente do tema em questão.

Tal matéria conta que os advogados Irani Mariani e Marco Pollo Giordani ajuizaram uma ação popular na 5ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre (RS) com o objetivo de contestar, dentre outras irregularidades, o pagamento de horas extras não trabalhadas à servidores do Senado. Na petição inicial foi elucidado que 3.833 servidores receberam, em 2009, o valor de R$ 6,2 milhões em horas extras não trabalhadas. Tal evento teria ocorrido durante um recesso, quando não havia nenhum parlamentar no Senado.

Os pagamentos tiveram a autorização do ex-presidente do Senado, Garibaldi Alves, e do ex-secretário da mesa, Efraim Morais. A ação também contesta o quanto cada senador vem a custar ao Estado. Além do salário eles recebem “R$ 16.500,00 (13º, 14º e 15º salários), R$ 15.000,00 de verba de gabinete isenta de impostos, R$ 3.800,00 de auxílio moradia, R$ 8.500,00 de cotas para materiais gráficos, R$ 500,00 para telefonia fixa residencial, 11 assessores parlamentares com salários a partir de R$ 6.800,00, 25 litros por dia de combustível, com carro e motorista, cota de 5 a 7 passagens aéreas, ida e volta, para visitar a ”base eleitoral”, restituição integral de despesas médicas para si e todos os seus dependentes, sem limite de valor, e cota de R$ 25.000,00 ao ano para tratamentos odontológicos e psicológicos. A petição ainda afirma que a despesa anual com cada Senador é de R$ 5 milhões, chegando a um total de R$ 400 milhões em todo o Senado.

V. CONCLUSÃO

A Constituição de 1988 inovou, ao dispor, no Inciso LXXIII do art. 5º, que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (VELLOSO, 1989, p.11).

O objeto da ação popular, fica elucidado, por expressa recomendação constitucional, à defesa da moralidade administrativa, compreendida em termos amplos. Preocupa-se a Constituição, aliás, sobremaneira, com o princípio da moralidade administrativa, tanto que expressamente fixou, no art. 37, que a Administração Pública, direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (CF, art. 37). Além da moralidade administrativa, a ação popular visa, hoje, por expressa determinação da Constituição, à defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.

Direitos individuais, direitos coletivos e interesses difusos encontram, pois, ampla proteção no texto da Constituição, quer através do mandado de segurança coletivo, quer mediante a ação popular. ?Esclareça-se, de outro lado, que, conferindo às associações de classe a faculdade de representarem, judicialmente, os seus filiados, a Constituição praticou avanço em termos de facilitação de acesso à Justiça? (COUTINHO, 2003).

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. Edições Paloma: São Paulo, 2000.

CARVALHO, Victor. Advogados questionam custo de senadores. Disponível em: Acesso em: 21 mar 2011.

COUTINHO, Francisco Wellington Coelho. Diferenças entre Ação Civil Pública e Ação Popular. 2003. Disponível em: Acesso em: 16 mar 2011.

CUNHA, Juliana Frei. Ação Popular: O exercício do direito à tutela dos Interesses transindividuais por parte dos cidadãos. Disponível em: Acesso em: 17 mar 2011.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Um estudo sobre a legitimação para agir no direito processual civil: A legitimação ordinária do autor popular. Revista dos Tribunais: São Paulo, v.76, n.618, abr.1987.

PAULO, Vicente. Ação Popular. Disponível em: Acesso em: 17 mar 2011.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva. As Novas Garantias Constitucionais. RT 644. jun.1989.

VITAGLIANO, José Arnaldo. Ação Popular características gerais e direito comparado. 2001. Disponível em: Acesso em: 17 mar 2011.

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1 Estudante da 3ª fase de Direito da UNERJ-PUC e estagiária.
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