O superendividamento pode ser definido como a insuficiência de recursos financeiros para que o devedor, pessoa física e de boa-fé possa efetivamente cumprir com as suas obrigações previamente assumidas (exigíveis e vincendas), sem comprometer o seu mínimo existencial. O mínimo existencial por sua vez, é tido como o necessário para a sobrevivência humana, fundado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, através do qual se compreende que a pactuação ou repactuação das dívidas, deverá observar medidas para preservar este mínimo necessário, a fim de possibilitar ao devedor o cumprimento de suas obrigações financeiras, sem colocar em risco a subsistência da família.

Para que se possa principiar o respeito à dignidade humana, nota-se a necessidade de se assegurar de forma concreta os direitos sociais dos indivíduos dispostos no artigo 6º da Constituição Federal, tais como: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, etc., de modo que não há como falar em dignidade sem o mínimo de garantias concretas na vida das pessoas1.

Tal estudo sobre a garantia de um mínimo existencial necessário para a preservação da vida digna do indivíduo é importante, pois deverá servir de panorama para a interpretação das normas e das contratações sob o prisma do superendividamento. Vale dizer que no superendividamento, o consumidor por muitas vezes efetiva contratações que podem comprometer significativamente sua sobrevivência digna.

No entendimento de Clarissa Costa de Lima2, não existe uma única definição de superendividamento, mas é possível conceituá-lo através de diferentes definições, no entanto é possível aferir a existência de um delimitador comum nas definições de superendividamento, qual seja, a impossibilidade do devedor de arcar com o pagamento de suas dívidas, sejam elas atuais ou futuras, por meio do seu patrimônio ou seu rendimento mensal.

Entre algumas das causas do superendividamento, verifica-se a concessão irresponsável do crédito; a publicidade do crédito fácil; a falta de informação para o cidadão; a falta de formação do cidadão brasileiro para compreender o impacto das taxas de juros em seu contrato, bem como o comprometimento da renda com o custo do crédito tomado; a falta de controle e intervenção estatal nos contratos privados (em que pese o caráter cogente e preventivo do Código de Defesa do Consumidor)3.

O problema social do superendividamento não é algo recente, no entanto, importante destacar que esta é uma realidade que vem se acentuando cada vez mais, sobretudo nesse período de pandemia que reduziu, de forma considerável, a renda e o poder aquisitivo de grande parte da população, nesta situação muitos dos consumidores necessitaram renegociar as suas dívidas, mas acabaram reincidindo na impontualidade, entrando num círculo vicioso que dificulta cada vez mais a sua saída dessa situação.

Segundo dados atualizados no final de 2020 pela Confederação Nacional do Comércio, estima-se que o Brasil tenha mais de 30 milhões de pessoas em situação de inadimplência, ou seja, àquelas que não conseguiram pagar suas dívidas até o seu vencimento.

Com o intuito de tornar possível a recuperação econômica destes consumidores superendividados, tramita atualmente o Projeto de Lei 3.515/2015 trazendo proposição de alterações na lei 8.078/1990, conhecida popularmente como Código de Defesa do Consumidor, visando aperfeiçoar as normas relacionadas a concessão de crédito ao consumidor, além de disposições sobre a prevenção e o tratamento do consumidor superendividado.

Além de promover a inserção de regras que visam a regulação da concessão de crédito com maior transparência e prevenção do superendividamento, o referido projeto de lei visa elencar novas regras para a publicidade, de modo a esclarecer ao consumidor acerca dos riscos sobre a contração de crédito, além de garantir melhores condições e procedimentos especiais para negociação da dívida com as instituições financeiras.

Dentre as proposições de alteração do Código de Defesa do Consumidor trazidas pelo referido projeto de lei, as principais são:

      • A inclusão da educação financeira e ambiental, bem como da prevenção e tratamento do superendividamento como princípios que deverão ser observados nas relações de consumo (inclusão incisos IX e X do Art. 4º do CDC);
      • A instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento, e instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento como instrumentos do poder público (inclusão incisos VI e VII do Art. 5º do CDC);
      • A garantia de educação financeira, práticas de crédito responsável, revisão e repactuação de dívidas com a preservação do mínimo existencial como direitos básicos do consumidor (inclusão incisos XI e XII do Art. 6º do CDC);
      • A inclusão de um capítulo novo e específico que trata da prevenção e tratamento do superendividamento, com a instituição de obrigações ao fornecedor do crédito quanto a prestação de informações mais detalhadas e claras ao consumidor; a vedação de termos tais como ““sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo”, “taxa zero” ou outra expressão semelhante na oferta de crédito; a vedação da indicação de que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta aos órgãos de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor; a proibição de assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente quando se tratar de consumidor idoso, analfabeto ou doente; a proibição de condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais; a inclusão do direito do consumidor de desistir imotivadamente da contratação de crédito consignado no prazo de 7 dias a contar da assinatura ou do recebimento de cópia do contrato; (inclusão Capítulo VI, Art. 54-A à 54-G do CDC);
      • A previsão de um capítulo novo e específico que trata das regras de conciliação no superendividamento, com vistas a possibilidade de instauração de um processo judicial de repactuação de dívidas (inclusão Capítulo V, Art. 104-A à 104-C do CDC).

Importante dizer que o projeto de lei 3.515 já foi amplamente debatido pela Câmara dos Deputados, momento em que passou por inúmeras reflexões e propostas de emenda, sendo que em maio de 2021 foi encaminhado ao Senado Federal para apreciação deste.

Por fim, vale destacar que os benefícios do referido projeto de lei não serão aplicados em casos de manifesta fraude ou má-fé dos consumidores, ou seja, quando a contratação de dívidas se der além das condições financeiras do consumidor, com intuito de inadimplir o contrato e fazer uso dos benefícios da repactuação das dívidas.
REFERÊNCIAS

1 NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

2 LIMA, Clarissa Costa de. O tratamento do superendividamento e o direito de recomeçar dos consumidores. [livro eletrônico]. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

3 EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

        

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