Julio Max Manske[i]

1.INTRODUÇÃO.

É sempre tormentosa, ao empresário, a decisão pelas medidas de recuperação judicial. Dá-se, de início, a impressão que a empresa está a beira da falência e a opção eleita serve unicamente como sobrevida de algo inevitável. O objetivo do presente artigo, no entanto, é procurar demonstrar que a recuperação judicial deve ser vista justamente de forma oposta, tendo em vista que criada em nossa legislação, de uma maneira inovadora e que prestigia o empreendedorismo e a capacidade de recriação do empresário.

Apresentada como alternativa ao modelo engessado da antiga concordata, a recuperação judicial, inicialmente, foi elaborada de tal forma que apenas as grandes empresas e corporações poderiam fazer uso da mesma, pois para as micro e pequenas empresas, manteve-se o engessamento, impedindo o pequeno empresário de criar alternativas de salvar sua empresa, exceto pelo parcelamento de seus débitos em condições desproporcionais aquelas que poderiam ser obtidas diretamente com seus credores, como se verá nesta abordagem.

2.DO CONCEITO DE MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE

O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, as define como sendo aquela que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) para a Microempresa e receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) para a Empresa de Pequeno Porte (art. 3º, I e II, da LCP 123/06).

3.DA REDAÇÃO ORIGINAL DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A Lei em tela  (l. 11.101/05) previa, para as Micro e Pequenas Empresas, um tratamento que as afastava dos benefícios da referida legislação. Isso porquê, para essas, previu-se um plano especial de parcelamento de débitos, que excluía de sua composição as dívidas de natureza trabalhista e com garantia real (leia-se, bancárias).

O parcelamento legal, consistia na divisão dos débitos devidos aos credores quirografários (aqueles que não possuem nenhuma garantia ou privilégio) em 36 parcelas mensais, o que é  muito inferior aqueles prazos já concedidos regularmente em renegociações diretas, ainda mais quando se trata de instituições financeiras.

Tais parcelas, mensais, fixas e sucessivas, deve ter início até o 180º dia da distribuição do pedido de recuperação judicial, mediante o acréscimo de correção monetária e juros de 12% ao ano.

Já não havia (e assim permanece), assembleia geral de credores para deliberação a respeito da aprovação, rejeição ou modificação deste plano especial, pois uma vez apresentado dentro destas premissas, apenas sua rejeição seria possível, caso apresentadas objeções por credores que representassem mais da metade dos créditos objeto do pedido.

3.DA NOVA REDAÇÃO LEGAL

Após nove anos de vigência, apresentou-se a primeira alteração substancial na Lei de Recuperações Judiciais (Lei 11.101/05, alterada pela Lei Complementar 147/14), a qual, em suma, trouxe os seguintes benefícios às Micro e Pequenas empresas.

3.1.Do plano especial (art. 70)

O plano especial de parcelamento dos débitos das Micro e Pequenas Empresas, manteve o período máximo de 36 parcelas mensais, após o decurso do período de 6 meses de carência.

A novidade trazida, consiste na possibilidade de inclusão, neste parcelamento, de todos os débitos existentes na data do pedido, vencidos, ou não, ainda que originários de outras classes de credores, como a trabalhista e aqueles detentores de garantias reais, sem exclusão de todos os demais possíveis as empresas de grande porte. Recorda-se que anteriormente, apenas as dívidas dos credores quirografários (que são aqueles que não possuem nenhuma garantia ou privilégio) poderiam ser parceladas desta forma.

A exceção continua a mesma para empresas de qualquer tamanho, quais sejam, créditos tributários, credores fiduciários, créditos decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio para exportação, dentre outros.

Outra modificação, foi quanto a correção das parcelas mensais, aplicando-se, pela nova redação, a taxa SELIC, em substituição a correção monetária e juros de 12% anuais.  Para exemplificar, embora a SELIC esteja em seu maior percentual histórico (12.75% a.a.), ainda fica muito inferior a correção monetária do INPC (8,416%, acumulado nos últimos 12 meses – mar/15) acrescentado dos juros de 12% a.a..

A modificação ainda mais considerável, no entanto, parece ser a parte final deste mesmo dispositivo (art. 71, II), que permite a proposta de abatimento do valor das dívidas (abatimento do valor do principal).

Em síntese, optando por este novo plano especial, a Micro ou Pequena Empresa, poderá apresentar proposta de pagamento de seus débitos com desconto no valor do principal (30%, por exemplo), pagando o saldo em 36 parcelas mensais fixas, corrigidas unicamente pela Taxa SELIC, isso após o prazo de carência de 6 meses.

Tal intento apenas não alcançará êxito caso existam objeções ao plano. Estas objeções deverão ser de mais da metade dos credores de cada uma das classes que trata a recuperação, recordando que a classe dos credores trabalhistas e dos credores classificados como micro e pequenas empresas, serão contabilizados por número, independente do valor do crédito, sendo que as demais classes, são computadas tanto pelo número, como pelo valor do crédito (mais da metade dos credores, que representem mais da metade do crédito).

Vale ressaltar que além deste parcelamento especial, poderá a Micro ou Pequena Empresa, apresentar soluções alternativas de recuperação da empresa, como venda de ativos, cisão, fusão, dentre outras que se aplicarem ao caso e que serão objeto de deliberação em assembléia de credores.

3.2.Redução dos honorários do administrador (art. 24, par. 5º)

O ingresso de uma recuperação judicial implica na nomeação, pelo juiz, de um administrador judicial que terá, dentre outras funções, aquela de fiscalizar as atividades da empresa e o cumprimento do plano apresentado.

Este profissional é remunerado pela empresa em recuperação em valores estabelecidos pelo juiz, após analisada a capacidade de pagamento da empresa, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes, mas que, em nenhuma hipótese, pode exceder o limite de 5% do valor devido as credores submetidos a recuperação.

Para as recuperações judiciais de Micro e Pequenas Empresas, mantêm-se a figura e atribuições do administrador judicial, mas sua remuneração ficou reduzida ao limite de 2%, sob a mesma base de cálculo.

3.3.Ampliação do prazo para parcelamento do débito tributário (art. 68, par. único)

Após um vácuo de quase 10 anos, foi pulicada a Lei 13.043/14 que, dentre várias outras matérias, trouxe a redação específica do parcelamento dos débitos tributários das empresas que pleitearem e tiverem deferido seu pedido de recuperação judicial.

Sem adentrar em suas minúcias, concedeu-se o prazo de 84 meses para pagamento dos débitos tributários, escalonando suas parcelas em três períodos (1ª a 12ª parcela; 13ª a 24ª parcela e 25ª a 83ª parcela).

Tratando-se Micro ou Pequena Empresa, os prazos estabelecidos para tal parcelamento deverão ser acrescidos de 20%, elevando, no caso concreto, o referido parcelamento, para 100 meses.

3.4.Criação de categoria específica na assembleia de credores e direito de voto por cabeça (art. 41, IV e 45, par. 2º)

As alterações da Lei de Recuperação Judicial, não trouxeram apenas benefícios às Micro e Pequenas empresas devedoras, mas também, às credoras nesta mesma qualidade (de Micro e Pequena Empresa).

Foi criada uma nova classe de credores, justamente composta de titulares de créditos enquadrados como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte.

Atente-se que neste momento, a Micro e Pequena empresa são como credoras e, não mais como devedoras.

Assim, sendo a Micro ou Pequena Empresa credora de outra Micro ou Pequena empresa, ou mesmo de Empresa de Grande Porte e, esta, vier a pedir sua recuperação judicial, os credores (Micro e Pequenas Empresas) formarão uma classe específica e terão a possibilidade de, sozinhas (pela maioria dos votos dos credores desta classe presentes na respectiva assembleia), decidirem pela rejeição do plano apresentado pela então devedora, ou sua aprovação, caso seguidas pelas demais classes de credores.

Organizou-se esta classe atribuindo aos seus integrantes, a mesma importância do voto, independente do valor de seu crédito (a exemplo dos créditos trabalhistas, onde o voto, igualmente despreza o valor do crédito). Trata-se do voto por cabeça.

3.5.Reordenamento dos créditos de micro e pequenas empresas (art. 83, IV, d)

Outra grande dificuldade enfrentada pelas Micro e Pequenas Empresas credoras de empresas em Recuperação Judicial, ou mesmo falência, é nada receber, pois faziam parte da categoria geral de credores, tendo de receber valores proporcionais a seu crédito que, comparados a outros, tornavam-no quase que irrisórios.

O Legislador ateve-se a esta desproporção e elevou a ordem os créditos das Micro e Pequenas empresas, para a categoria dos créditos privilegiados, estando apenas abaixo dos créditos trabalhistas, dos créditos com garantias reais e dos créditos tributários.

4.CONCLUSÃO

Em bom tempo o legislador percebeu que as Micro e Pequenas Empresas vinham sofrendo verdadeira discriminação em relação as empresas de maior porte (principalmente do mercado financeiro) nas relações ligadas a Recuperação Judicial, não apenas quando amarguradas pela situação de inadimplência perante seus credores, como também, quando credoras e sufocadas pelos grandes representantes financeiros.

O tempo dirá se as medidas são suficientes, assim como levará à diversas interpretações do mesmo texto legal, até o momento de sua sedimentação pelo Superior Tribunal de Justiça, o que apenas agora acontece com alguns pontos controvertidos da Lei de 2005.

De qualquer modo, são positivas as alterações apresentadas e, principalmente, o duplo olhar às Micro e Pequenas empresas, sejam como devedoras, sejam como credoras.



[i][i] Graduado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998; Especialização em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim(2007); Especialização em Corrupção, Crime Organizado e Terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha 2011); Especializando em Gestão de Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela FGV;

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