Por mais de três décadas, jurisprudência e doutrina entenderam que a eficácia das convenções e acordos coletivos de trabalho deveria se limitar ao prazo de sua vigência. Isso porque diante de condições naturalmente mutáveis, seria extremamente prejudicial que as normas coletivas se mantivessem “estáveis”, pois que assim rapidamente poderiam se tornar prejudiciais ao empregado, ou insuportáveis ao empregador. 

Além disso, a negociação coletiva é como um músculo: propriamente exercitado, torna-se cada vez mais forte, adaptável e resistente. Cesse os exercícios, e segue-se a inevitável atrofia.

A limitação da eficácia jurídica das normas coletivas de trabalho atende não só a necessidade de rápida adaptação do direito do trabalho à realidade econômica e social, bem como a necessidade de se favorecer a ampla negociação coletiva, como verdadeiro instrumento de criação de um direito do trabalho moderno e adequado.

É por isso, aliás, que a própria lei determina que as normas coletivas devem vigorar por dois anos, no máximo (CLT, art. 614, parágrafo 3º). Inadmissível a vigência indeterminada (OJ SBDI-1 nº 322).

Porém, surpreendentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), durante a realização da 2ª Semana do TST, reformou completamente a Súmula nº 277, admitindo uma “ultratividade geral e por tempo indeterminado” das normas coletivas de trabalho, admitindo, agora, que “as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.”

Pois bem. Por mais de 60 anos, de 1930 a 1990, o sindicalismo brasileiro padeceu da miséria existencial do controle absoluto pelo Estado. Nesse período, os acordos e convenções coletivas de trabalho eram meras repetições de “fórmulas”, havendo, quando muito, uma modificação cosmética aqui ou ali. Os líderes sindicais eternizavam-se por décadas e passavam suas cadeiras de “pai para filho”, como as “capitanias hereditárias”.

O “peleguismo” e o “sindicalismo de aparências” prosperavam. Muito se preocupavam os dirigentes em receber o funesto “imposto sindical” (metaforicamente alterado para contribuição sindical), e nada mais. Os trabalhadores não confiavam em seus sindicatos, e toda a legislação trabalhista era imposta pelo Estado.

A manutenção das cláusulas interessa aos empresários retrógrados
 
Apenas na segunda metade da década de 1980, especialmente após a criação das primeiras Centrais Sindicais, é que esse histórico de mesmice, de aparências e de falácias começou a ser modificado. Essa alteração se deu mediante a prática das primeiras formas de livre negociação entre sindicatos e empresas, esquecendo-se das formalidades e limites impostos pelo Estado.
 
Desse influxo surgiu uma nova era para o direito coletivo do trabalho brasileiro, a qual foi reforçada pela promulgação da Constituição de 1988, a primeira a reconhecer expressamente os acordos e convenções coletivas do trabalho como fontes formais de direitos e obrigações (CF, artigo 7º, XXVI).
 
Porém, agora, a jurisprudência foi alterada, e com isso ameaçando lançar as relações coletivas de trabalho de volta àquela era que se julgava passada.
 
Em poucas palavras, pelo entendimento jurisprudencial atual, aquilo que foi ajustado no acordo ou convenção de 2012 poderá estar em vigor em 2015, ou até em 2025, bastando que as partes nunca estejam dispostas a negociar um novo acordo ou convenção. E nada mais interessa àquele “peleguismo” a que nos referimos que a desnecessidade de sentar à mesa e negociar novas e melhores condições de trabalho. Afinal, a “mesmice” é extremamente confortável.
 
E quem imagina que essa “ultratividade” vem em favor dos trabalhadores, engana-se. A manutenção das cláusulas coletivas como “normas fixas”, interessa sobremaneira àqueles empresários mais retrógrados, afinal, o que hoje foi negociado só foi aceito porque suportável. E se hoje, por exemplo, o “vale-refeição” foi fixado em R$ 10,00, nada mais interessante que manter esse valor no próximo ano, e assim por diante, pelo maior espaço de tempo possível.
 
Existe ainda uma questão. Para rever, cancelar ou alterar uma súmula de jurisprudência uniforme é necessário seguir os trâmites previstos no artigo 168 do Regimento Interno do TST. A Resolução nº 185, de 2012, que publicou a alteração da Súmula nº 277, não indica qualquer precedente que assim o justificasse (DEJT de 27.09.2012). Outrossim, tendo em vista a ordem legal expressa determinando a eficácia temporária dos acordos e convenções coletivas (CLT, art. 614, parágrafo 3º), não resta dúvida que a “ultratividade geral e indeterminada” só poderia ser admitida mediante lei nova e específica, que assim dispusesse expressamente (como se deu ao tempo da Lei nº 8.542, de 1992). Nada disso ocorreu, e a nova redação da Súmula nº 277 padece de suporte jurídico positivo, a lhe retirar eficácia.

O tempo, mais uma vez, será o verdadeiro juiz da questão.

Fonte: Valor Econômico, por Carlos Zangrando (*), 08.11.2012

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