Denise Bartel Bortolini[1]

 

RESUMO

Este artigo tem por objetivo um breve estudo acerca do trespasse, que é a venda do estabelecimento empresário num todo, comum sua ocorrência.

O trespasse é regulamentado pelo Código Civil – através dos artigos 1.143 a 1.149, os quais serão mencionados no decorrer do presente; com observância a requisitos a serem preenchidos/cumpridos para sua configuração.

 

Palavras-chave: Trespasse. Estabelecimento. Trespassante. Trespassatário. Alienação.

 

1.  INTRODUÇÃO

O empresário tem a liberdade de vender seu estabelecimento empresarial e quando isso ocorre, o contrato de compra e venda é denominado de trespasse, conhecido no ramo empresarial como ?passa-se o ponto?.

Para a configuração do trespasse, há condições que devem ser observadas, tais como: venda do estabelecimento em um todo, averbação junto ao Registro Público de Empresas, publicação na imprensa oficial, entre outros.

Diversas são as formalidades, prévia ou concomitante com o trespasse, cuja breve abordagem será feita no presente artigo.

 

2. TRESPASSE

Quando há a transferência onerosa ? venda ? de um estabelecimento empresarial como um todo, incluídos bens corpóreos e incorpóreos, com objetivo de manter a atividade, estamos diante do denominado trespasse, com algumas peculiaridades a serem observadas e com regulamentação disposta nos artigos 1.143 a 1.149 do Código Civil.

Conforme Gladston Mamede (2012, p. 252), ?O negócio com o estabelecimento não se confunde com o negócio com a sociedade; vender um estabelecimento não é o mesmo que vender quotas de uma sociedade contratual ou, mesmo, o controle acionário de uma companhia.?.

Com o trespasse, o estabelecimento empresarial deixa de integrar o patrimônio de um empresário e passa para o de outro. Por se tratar da venda como um todo (ponto comercial, estoque, marca, computadores, etc.), a venda de participação societária não configura trespasse.

Embora muitas vezes confundidas, são situações diferentes. Para o presente artigo, interessam os negócios que tenham por objeto o estabelecimento comercial.

Quando do trespasse, o vendedor é denominado de trespassante e o comprador de trespassatário.

O nome empresarial, por ser componente do estabelecimento, quando da venda, deve segui-lo. Isto porque, o nome empresarial ? título do estabelecimento e a insígnia, tem a função objetiva de identificar um fornecedor de produtos/serviços, e se esta função vai além da função subjetiva do nome, é pelo fato de que tal assimilação fica na memória das pessoas, associando às razões de aviamento do estabelecimento.

Preceitua o artigo 1.164 do Código Civil que:

Art. 1.164. O nome empresarial não pode ser objeto de alienação.

Parágrafo único. O adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor.

Diante do regulamento acima, o nome não pode ser vendido sem que haja o trespasse, permitir o contrário seria, de certa maneira, induzir os consumidores a erro caso o trespassatário não venha a manter os mesmos padrões na prestação dos serviços.

Preocupado com eventual confusão e geração de prejuízos aos consumidores, o Código de Defesa do Consumidor preceitua, em seu inciso VI do artigo 4° que:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(…)

 VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; (grifo próprio).

Oscar Barreto Filho apud Wilges Bruscato (2011, p. 146) acrescenta que ?Afigura-se injurídico (…) admitir possam o nome de empresa, o título do estabelecimento ou a insígnia ser transferidos a outrem, independentemente da atividade ou do completo de bens ao qual se referem?.

Há quem sustente o contrário, com fundamento do direito patrimonial.

Quando ocorre o trespasse, o trespassatário é o responsável pelo passivo contabilizado da empresa, conforme dispõe o artigo 1.146 do Código Civil:

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

Porém, pelo prazo de 01 (um) ano contado da publicação da transferência, o trespassante ainda figura como devedor solidário das dívidas vencidas ou do vencimento das dívidas vincendas.

Com a efetivação do trespasse surgem as obrigações mútuas. Quem compra estabelecimento, compra também o seu passivo, ou seja, credores. Mas importante, não todos, apenas credores devidamente contabilizados pelo trespassante. É exigida a contabilização para proteger o trespassatário, deste modo os não contabilizados são responsabilidade do trespassante.

Pelo prazo de um ano, o trespassante e trespassatário são solidariamente responsáveis, isso visa evitar a figura do chamado “laranja”. Esse prazo é a contar das dívidas vincendas e vencidas. Após 01(um) ano, a responsabilidade é exclusiva do trespassatário, ocorrendo à chamada sucessão plena.

Qualquer acordo realizado entre as partes diverso do acima disposto, valerá apenas entre os mesmos, não podendo ser imposta à terceiro, cabendo o trespassatário utilizar-se do direito de regresso contra o trespassante.

 Outra questão a ser observada diz respeito quanto ao fato da obrigação do trespassante não se estabelecer no mesmo ramo de negócio no prazo de 05 (cinco) anos, salvo se houver autorização expressa para que o trespassante se reestabeleça na mesma área empresarial, e, por consequência, ser concorrente do trespassatário.

Estabelece o artigo 1.147 do Código Civil que:

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

O legislador menciona ?fazer concorrência?, sendo vedado somente o restabelecimento quando o mesmo implicar em concorrência. Assim, explica Gladston Mamede (2012, p. 254) que: ?O trespasse de um bar no Rio de Janeiro não impede o restabelecimento no Ceará, já que não há concorrência entre as empresas; mas o trespasse de uma editora jurídica no Rio Grande do Sul impede o restabelecimento no Acre, já que são empresas de atuação nacional. Também não há vedação para que o trespassante se estabeleça em outra área, que não implique concorrência com o trespassatário.?.

Quando ocorre o trespasse, ocorre a transferência do ativo da empresa. Desta forma, preocupado com a solvibilidade do passivo ? por consequência, com terceiros, ou seja, com credores, o legislador determinou que, quando o trespassante vender o estabelecimento, sem ficar com bens que sejam suficientes para quitar o passivo, o trespasse só terá eficácia se forem pagos todos os credores, ou, da concordância destes, de modo expresso ou tácito, em 30 (trinta) dias contados de sua notificação.

Dispõe o artigo 94, inciso III, c da Lei n° 11.101/2005 o seguinte:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

(…)

III ? pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

(…)

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

Por isso a importância de, no momento em que o comerciante pretende vender seu estabelecimento, verificar a existência de credores, e, em caso positivo, notificá-los de sua intenção de venda, antes de realizá-la.

Efetivado o trespasse, automaticamente o trespassante sub-rogar-se-á nos contratos de exploração do estabelecimento empresarial, com exceção de acordo em sentido contrário. Esta sub-rogação refere-se a todos os direitos e deveres do trespassante, desde que não tenham caráter pessoal, conforme previsto no artigo 1.148 (1ª parte) do Código Civil:

Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, (…)

O contrato de trespasse deve ser averbado junto ao Registro Público de Empresas e ser publicado na imprensa oficial para que produza efeitos contra terceiros. Não o sendo averbado e publicado, o negócio jurídico será válido apenas entre as partes, sem vinculação de terceiros, com exceção da hipótese de comprovação de má-fé.

Assim dispõe o artigo 1.144 do Código Civil:

Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.

Ressalvando-se, porém, a responsabilidade do trespassatário, conforme disposto no artigo 1.148 (2ª parte) do Código Civil:

(…) podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

Quando da publicação, explica Wilges Bruscato (2011, p. 145) que, ?Terceiros prejudicados podem, no prazo de noventa dias da publicação, rescindir contratos mantidos antes da transferência.?.

No mesmo sentido, ensina Maria Helena Diniz (2011, p. 165): ?Havendo justa causa, terceiros poderão rescindir contratos estipulados pelo alienante do estabelecimento comercial para o desenvolvimento de sua atividade econômica, dentro do prazo de noventa dias, contados da publicação da transferência (…).?.

E por fim, se o estabelecimento estiver em imóvel alugado, quando da ocorrência do trespasse, é necessário que o trespassatário solicite o(s) contrato(s) de locação anterior(es) para que se possa preencher as condições de eventual ação de renovação compulsória.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentemente da venda de cotas de uma empresa, o trespasse refere-se a venda do estabelecimento empresarial como um todo.

Regulamento pelo Código Civil (artigos 1.143 a 1.149), no trespasse há questões que se inobservadas, fazem com que o trespasse não se concretize. Acima de tudo, sua observação tem o propósito de proteger os credores e consumidores.

E, para que esta operação tenha eficácia perante terceiros (sociedade) são necessários três requisitos: Arquivamento na Junta Comercial do Estado, publicação no Diário Oficial e anuência dos credores. Um ponto muito importante neste último requisito é que se a venda for efetivada sem a anuência dos credores estará caracterizado ato de falência.

 

4. REFERÊNCIAS

BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. São Paulo: Max Limonad, 1969.

BRASIL. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1.990. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 31 out. 2013.

BRASIL. Institui o Código Civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2.002. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 31 out. 2013.

BRASIL. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2.005. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 31 out. 2013.

BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo : Saraiva, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Lições de Direito Empresarial. São Paulo : Saraiva, 2011.

MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 6. ed. São Paulo : Atlas, 2012.



[1] Advogada inscrita na OAB/SC sob n° 34.061. Funcionária do Escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados (OAB/SC 1.029). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? UNERJ. Graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Católica SC – Joinville.

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