Marlí Stenger Bertoldi[1]

RESUMO

Este artigo aborda a problemática enfrentada pelas empresas frente a um funcionário com problemas de alcoolismo.  De um lado há o entendimento de que tal procedimento está inserido em lei como um dos motivos ensejadores à demissão motivada (artigo 482 da CLT) e de outro lado existem decisões que entendem que o alcoolismo é doença e, por este motivo não pode o empregado sofrer a punição máxima da demissão por justa causa. O impasse gerou maiores repercussões após a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovar projeto de lei que define novos critérios para a demissão do empregado dependente de álcool, excluindo o alcoolismo das hipóteses de demissão por justa causa.

Palavras-Chave: Alcoolismo; Embriaguez; Doença; Justa Causa.

1 INTRODUÇÃO

O artigo 482 da CLT trata dos motivos de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho e, especificamente a alínea ?f? faz menção à embriaguez habitual ou em serviço.

E justa causa é a forma de dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado que implica a  cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas em lei.

Neste sentido, a alínea “f” do art. 482 da CLT comporta duas hipóteses para a demissão por justa causa: embriaguez habitual ou em serviço. Assim, o trabalhador que comparece ao local de trabalho sob os efeitos de ingestão de bebida alcoólica ou que regularmente se exceda no consumo de álcool pode ser dispensado sem direito a qualquer indenização.

Mas como veremos no decorrer do presente artigo, este assunto está sendo tratado de maneira diversa da relativa conclusão apontada no parágrafo anterior, sendo considerado o alcoolismo como doença, motivo pelo qual não ensejaria a demissão por justa causa.

2. ALCOOLISMO E JUSTA CAUSA

Na relação de emprego, a embriaguez habitual é uma figura típica de falta grave do emprego, capitulada no art. 482, alínea “f”, da CLT, que autoriza a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, nos seguintes termos: “Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: embriaguez habitual ou em serviço“.

2.1. Conceito de alcoolismo

O álcool é uma substância psicoativa que pode interferir de forma significativa no funcionamento do cérebro e, conseqüentemente, vir a comprometer as funções cognitivas de um indivíduo, como memória, concentração, atenção, execução de ações complexas, dentre outras, o que evidentemente prejudica o desempenho e o rendimento do funcionário.

Além do mais, segundo Martins (p. 111), o alcoolismo é reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde. Consta o alcoolismo da Classificação Internacional de Doenças (CID) nos códigos: 10 (transtornos mentais e do comportamento decorrentes  do uso do álcool), 291 (psicose alcoólica), 303 (síndrome de dependência  do álcool) e 305.0 (abuso do álcool sem dependência).

Também podemos definir como o consumo excessivo de bebidas alcoólicas ao ponto que este comportamento interfira na vida pessoal, familiar, social ou profissional da pessoa.

O alcoolismo agudo caracteriza a embriaguez, no qual a intoxicação é imediata. Entretanto, o alcoolismo pode se tornar crônico com o uso habitual, com a impregnação constante do organismo pela droga, o que vem a caracterizar a embriaguez habitual.

2.2. Alcoolismo como doença

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o alcoolismo é considerado doença, assim, há muitos entendimentos de que o empregado deve ser tratado e não dispensado.

Martins (2008, p.111) defende que:

Dispensar o empregado por justa causa não vai ajudar a recuperar o indivíduo. Este fica sem o emprego e com maiores dificuldades para se tratar.

Os tribunais já reconhecem que o alcoolismo não caracteriza justa causa, senão vejamos:

“ALCOÓLATRA ? JUSTA CAUSA ? NÃO CARACTERIZAÇÃO ? A hipótese capitulada na letra f do art. 482 da CLT não pode ser confundida com o alcoolismo, que é doença e, como tal, tem de ser tratada. Neste caso não há caracterização da justa causa para a dispensa do empregado como aliás vem decidindo a mais recente jurisprudência de nossos Tribunais.” (TRT 3ª Reg., no RO nº 13.517/1992, ac. da 4ª T., rel. Juiz Nereu Nunes Pereira, in DJ-MG de 05/02/1994, p. 97);

EMBRIAGUEZ HABITUAL. JUSTA CAUSA. NÃO-CONFIGURAÇÃO. Ainda que a ingestão frequente de bebida alcoólica repercuta na vida profissional do empregado, este não pode ser demitido por justa causa, com base no art. 482, “f”, da CLT. O alcoolismo é doença degenerativa e fatal, constando inclusive do Código Internacional de Doenças – CID. O trabalhador doente deve ser tratado, em vez de punido. Assim, verificando-se o etilismo do obreiro, este deve ter seu contrato de trabalho suspenso e ser encaminhado à Previdência Social para aprender a controlar o vício, ou, dependendo do quadro clínico, ser aposentado por invalidez. Não adotando a empresa este procedimento, optando por rescindir o pacto laboral por justa causa, tem-se que a extinção se deu sem motivo aparente. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. FATO IMPEDITIVO AO DIREITO PLEITEADO. Ao se contrapor ao pedido de autor, alegando fato impeditivo ao direito pleiteado, a reclamada atraiu para si o ônus probatório. Todavia, não se desincumbiu de tal encargo, deixando de apresentar provas a corroborar a veracidade das próprias alegações. Assim, faz-se imperiosa a validação das informações trazidas pelo empregado na inicial.  (TRT10 Reg. Processo 01221-2009-018-10-00-5 RO. 18ª Vara do Trabalho de BRASÍLIA/DF. Juíz(a) da Sentença Claudinei da Silva Campos. Relator Desembargador Pedro Luis Vicentin Foltran. Julgado em 13/04/2010).

ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. NÃO CABIMENTO. A OMS catalogou o alcoolismo como doença no Código Internacional de Doenças (CID), denominando-a de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2). O 482, letra f, da CLT, portanto, deve ser reinterpretado à luz de tal reconhecimento legal, de modo que o alcoolismo, por si só, não enseja mais a justa causa. Tratando-se de doença oficialmente reconhecida, incabível a punição máxima, devendo o empregador encaminhar o trabalhador para tratamento médico e afastamento previdenciário. (TRT 2ª.Reg. PROCESSO Nº: 00231-2009-311-02-00-7. RO 20100006528. Relatora: IVANI CONTINI BRAMANTE. DATA DE Publicado em 12/02/2010)

TRABALHADOR ACOMETIDO DE ALCOOLISMO. COMPORTAMENTO PATRONAL. Em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana – fundamento da República previsto no inciso III do artigo 1º da Carta Política – o comportamento empresarial esperado – tanto mais diante da ciência de que o trabalhador havia se submetido, por sua própria iniciativa, a tratamento médico para alcoolismo – não é o de aplicar, seja por que motivo for, a pena máxima do Direito do Trabalho – nódoa que permanece por toda a vida profissional -, descartando o trabalhador. Deve, isso sim, ou reconduzi-lo ao antigo posto ou pagar as verbas rescisórias relativas à resilição por iniciativa patronal. Esse é o sentido da busca de uma sociedade livre, justa e solidária de que trata o artigo 3º, da valorização social do trabalho humano, da função social da propriedade e da busca do pleno emprego previstas no artigo 170 do Texto Constitucional. Os dispositivos citados, principiológicos, são dotados de eficácia normativa imediata que, em sua dimensão subjetiva negativa, impõe a observância do neles contido nas relações contratuais mantidas entre particulares. (TRT 12 Reg. Processo: Nº  01677-2005-033-12-00-3. Juíza Teresa Regina Cotosky – Publicado no DJ/SC em 06-12-2006).

O Egrégio TST também manifesta entendimento no mesmo sentido, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ALCOOLISMO CRÔNICO. JUSTA CAUSA. DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 482, F, DA CLT. A decisão do Regional, quanto ao afastamento da justa causa, não merece reparos, porquanto está em consonância com o entendimento desta Corte Superior, inclusive da SBDI-1, no sentido de que o alcoolismo crônico é visto, atualmente, como uma doença, o que requer tratamento e não punição. Incólume o artigo 482, alínea -f-, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
(Processo: AIRR – 34040-08.2008.5.10.0007 Data de Julgamento: 14/04/2010, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 16/04/2010).

2.3  Relação de emprego e embriaguez

Como já mencionado anteriormente, na relação de emprego, a embriaguez habitual é uma figura típica de falta grave do emprego, capitulada no art. 482, alínea “f”, da CLT, que autoriza a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, nos seguintes termos: “Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: embriaguez habitual ou em serviço“.

Neste ponto, deverá ser observado e analisado alguns aspectos, senão vejamos:

Não se pode confundir a embriaguez com o hábito de beber ou com a ingestão de bebida alcoólica. O individuo pode ter ingerido algum tipo de bebida alcoólica, mas não ficar embriagado. E a legislação tipifica como justa causa a embriaguez e não o ato de beber.

A embriaguez habitual, na maioria das vezes, acontece fora do local de trabalho, onde embora o empregado não tenha cometido irregularidades no trabalho, o vício a que se entrega fora do labor conduz à perda da confiança do empregador.

O indivíduo que faz uso abusivo do álcool a ponto de fazer com que seu empregador perceba que sua relação com a bebida extrapolou os limites do consumo médio certamente é dependente químico do álcool. Excetuada a possibilidade de a empresa tomar conhecimento por terceiros ou pelo convívio social com seu empregado fora do local de trabalho e, com isso, assistir ao trabalhador em estado de embriaguez, não há outra forma de o empregador saber do alcoolismo de seu funcionário se não pelos seus atos durante o horário de trabalho e ainda, pelas suas atitudes, desempenho, relacionamento no desenvolvimento das atividades normais, contribuindo para as faltas ao serviço e por inúmeros acidentes de trabalho.

Segundo Martins (2008, P. 109)

A embriaguez é fundamento para justa causa, pois o empregador tem interesse em preservar a harmonia, a ordem interna e a disciplina no ambiente de trabalho e a boa execução do serviço. O ébrio pode gerar desarmonia, perturbando o ambiente de trabalho, assim como dar mau exemplo para outros empregados. O trabalhador coloca em risco o nome da empresa.

O empregado embriagado não produz o necessário, podendo causar prejuízos aos bens da empresa, acidentes do trabalho e tornar-se indisciplinado e violento. Em pouco tempo, o empregado pode ter sua capacidade física e mental reduzida.

A embriaguez pressupõe que o empregado perdeu o controle das suas capacidade físicas e não pode executar normalmente o trabalho.

A embriaguez é hipótese de justa causa porque a lei assim disciplina, pois o fato de o empregado apresentar-se embriagado poderá causar prejuízo a empresa e seus clientes, e, inclusive se acidentar.  Entender de forma contrária é negar vigência ao artigo da lei.

Mas no caso concreto, conforme verifica-se nos diversos julgados dos TRT,s pátrios, o entendimento majoritário é pela consideração do alcoolismo como doença,  e com isso, não sendo passível de demissão por justa causa.

Para corroborar neste sentido, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS) aprovou no dia 04 de agosto de 2010, um projeto de lei[2] que define novos critérios para a demissão de trabalhador dependente de álcool. A proposta exclui o alcoolismo das hipóteses de demissão por justa causa. A demissão só será permitida se o dependente recusar tratamento. Como tem caráter terminativo, o projeto segue direto para a Câmara dos Deputados.

O autor do projeto, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), argumenta que a legislação deveria ter evoluído para tratar o tema como uma doença. ?O alcoolismo, já há tempos, deixou de ser tido na conta de uma falha moral e foi reconhecido como a severa e altamente incapacitante moléstia que realmente é. No entanto, a legislação social brasileira não acompanhou essa evolução?.

No lugar da demissão, o projeto recomenda que o empregado diagnosticado como alcoólatra seja conduzido para tratamento médico. A proposta ressalva que, se ele não concordar com o tratamento, poderá ser demitido por justa causa. O projeto acrescenta que o empregado que tenha recebido auxílio-doença em razão da dependência, terá estabilidade no emprego nos 12 meses seguintes ao término do benefício.

É evidente que a perda do emprego leva à redução da renda familiar, gera conflitos com os demais integrantes da família, torna o indivíduo deslocado na sociedade, entre diversas outras sérias conseqüências, levando o indivíduo à depressão, à sensação de fracasso, o que reforça o ciclo da dependência psicológica do álcool.

Mas a doença deve ser tratada por médicos e pelo governo e não pelos empregadores, uma vez que seu compromisso social já está incluso nas suas obrigações tributárias.

Se as empresas tiverem que ser obrigadas a aceitar funcionários que se embriagam antes ou durante o trabalho, significa que terão que assumir a responsabilidade de outras pessoas e de outras instituições.

Não seria justo com o empregador obrigá-lo a conviver em sua empresa com um empregado doente, sem tratamento, com redução de rendimento, podendo causar acidentes.

Neste sentido, como o alcoolismo vem sendo entendido como doença, não seria um problema somente do empregador, mas do Estado. Este é responsável pela saúde das pessoas.

O alcoolismo, sem sombra de dúvidas, constitui sério e angustiante problema social e cuja solução independe de medidas simples, como a despedida do empregado.

O que se poderia fazer, então, para resguardar tanto o funcionário alcoólatra quanto o empregador?

Dependendo do porte da empresa, é possível a implementação de programas de prevenção e recuperação dos empregados dependentes do álcool. Para o empregado, a vantagem óbvia: a melhoria de sua saúde física e mental somada à manutenção do emprego. Para o empregador, a contenção de gastos com treinamento de novos empregados, contratados para substituir os dependentes demitidos, perda de produtividade em decorrência do excesso de gozo de licenças-médicas e faltas injustificadas.

Isto porque, do ponto de vista social e econômico, muitas empresas já concluíram que sai mais barato orientar, tratar e enfrentar o problema de forma bastante aberta do que arcar com os custos de uma demissão.

Infelizmente, nem todos os empregadores que se deparam com um alcoólatra em seus quadros funcionais têm condições de implantar um programa de prevenção e recuperação, principalmente empresas de pequeno porte, com número reduzido de funcionários.

Assim, o entendimento hodierno caminha no sentido de considerar que o doente alcoólico deve ser afastado do trabalho, sem ruptura do contrato laboral, e submetido a tratamento médico, através da Previdência Social, assumindo o Estado o seu papel social.

Se o Estado assumir esse papel, será mais fácil e correto tanto para o empregador como para o empregado, na busca da solução deste problema.

Como o alcoolismo está sendo tratado como doença, correto é o Estado assumir seu papel social, como também está previsto na lei 8.213/91 o benefício do auxílio-doença para os indivíduos incapacitados para o trabalho, o que é o caso.

Se o caso é de doença, cabe tratamento médico, através dos meios adequados, devendo o empregado em questão, ser afastado do trabalho, para preservação do ambiente de trabalho e conforme sua função, garantindo sua própria integridade física e a de outros trabalhadores.

O caput do art. 59 da Lei 8.213/91 assim estabelece:

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O alcoolismo, sem sombra de dúvidas, constitui sério e angustiante problema social e cuja solução independe de medidas simples, como a despedida do empregado.

A embriaguez no trabalho prejudica ao empregado, aos colegas, ao empregador e a sociedade , portanto, o doente alcoólico deve ser afastado do trabalho, sem ruptura do contrato laboral, e submetido a tratamento médico, através da Previdência Social.

As mudanças quanto ao entendimento sobre o alcoolismo, exige que o Estado, através da Previdência Social, se adapte aos novos tempos para acolher como sendo um doente o empregado alcoólatra e, permita, ao mesmo ser submetido aos cuidados médicos até que se restabeleça, sem com isso, recair a total responsabilidade para o empregador.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Consolidação das leis do Trabalho. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho.  Vade Mecum: ed. Saraiva. São Paulo, 2006.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual da Justa Causa. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

www.tst.gov.br



[1] Advogada inscrita na OAB/SC sob nº 27.728; Advogada do escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados ? Jaraguá do Sul, SC. Formada em Pedagogia, Pós Graduada em Gestão de Recursos Humanos. Professora do Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj ? SC.

[2] PLS nº 48/10

CategoryArtigos
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