Ítalo Demarchi dos Santos[1]

RESUMO

Este artigo trata especificamente do estudo da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final nos Crimes Contra a Ordem Tributária, tendo em vista que desde a entrada em vigor da Lei n° 8.137/90 que tipificou em seus artigos. 1°, 2° e 3° o conjunto de delitos conhecidos como crimes tributários, houve várias discussões acerca da prescrições dos referidos delitos, uma vez que para o STF, a prescrição se inicia com o fim do processo administrativo fiscal, e em entendimento contrário, há quem defende que o termo inicial para operar a prescrição da ação típica que dispõe o artigo 1° da Lei n.8.137/90, ocorre com a supressão do tributo devido, tendo em vista o que determina o artigo 4° do Código Penal.

Palavras-Chave: Crime. Tributário. Prescrição. Lei 8.137/90

 

I ? INTRODUÇÃO

O presente artigo possui como objetivo principal verificar qual é o momento para se iniciar o termo inicial da contagem da prescrição dos delitos que se refere a Lei 8.137/1990, conhecida como ?Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária?.

Insta destacar, que para o STF, a prescrição começa sua contagem com o fim do processo administrativo fiscal, tendo em vista o julgamento dos seguintes Habeas Corpus (HC n.90.957/RJ, HC n.86.032/RS e HC n.85.207/RS) e de forma interpretativa o que determina a Súmula Vinculante n. 24 e, em entendimento contrário aos que entendem que a ação típica capitulada na Lei n. 8.137/90, ocorre com a supressão do tributo devido, indo em desacordo com a Súmula n. 24 do STF, e tendo como entendimento para prescrição os artigos 4° e 111, inciso I, ambos do Código Penal.

Portanto, verifica-se a seguir que a linha de entendimento mais eficaz a ser aplicada a referida matéria, é a linha de entendimento que entende que o inicio do prazo prescricional deve ser no momento da ação ou omissão (Art. 4° do CP) e não aquele em que é feito o lançamento do crédito tributário, uma vez que a decisão administrativa final, nada interfere em uma possível ação penal, mas tão-somente atesta a materialidade do delito tributário.

 

II ? DA PRESCRIÇÃO

Antes de começar a discussão sobre o assunto, importante se faz saber o que é prescrição, razão pela qual, segue, brevíssimo resumo sobre o tema.

Das palavras do renomado doutrinador FERNANDO CAPEZ retira-se o seguinte conceito de prescrição:

?Prescrição: perda do direito-poder-dever de punir pelo estado em face do não-exercício da pretensão punitiva (interesse em aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse de executá-la) durante certo tempo.?[2]

Portanto, só o Estado detém do direito de punir (jus puniendi), sendo tal Direito exclusivo e indelegável, punindo eventual infrator dentro dos prazos determinados, sob pena de perdê-la.

Assim, prescrição para fins penais, nada mais é do que a perda da pretensão concreta de punir o criminoso ou de executar a punição, devido à inércia do Estado durante determinado período de tempo.

Ainda, a titulo de curiosidade, o Brasil adotou cinco modalidades de prescrição penal, são elas:

 

a) prescrição pela pena em abstrato;

b) prescrição superveniente;

c)prescrição retroativa;

d)prescrição virtual ou antecipada ou em perspectiva;

e) prescrição da pretensão executória

 

Sabendo quais são as modalidades de prescrição, se faz de suma importância abordar a respeito da entrada em vigor da Lei 12.234/10, onde esta alterou alguns artigos relativos à prescrição encontrados no Código Penal.

Mudança essa que, para o presente artigo, importante apenas destacar o que dispõe o artigo 110 e seus parágrafos do Código Penal, uma vez que antes da nova Lei, a prescrição retroativa e a prescrição virtual (ou antecipada ou em perspectiva) podiam acontecer ou entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença penal condenatória.

Portanto, dois eram os momentos prescricionais possíveis como se vê abaixo a redação antiga do referido artigo:

Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

§ 1º – A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.

§ 2º – A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.

Percebe-se a possibilidade nos dois momentos (já mencionados acima) estabelecer a prescrição, fato este que com a nova redação tornou-se impossível computar qualquer tempo antes do recebimento da denúncia como se verifica abaixo a nova redação:

Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

§ 1o A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

§ 2o  (Revogado).

Conclui-se que, a prescrição retroativa e a prescrição virtual, só serão possíveis agora entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença, nada impede de não existir prescrição no período pré-processual (antes do recebimento da denúncia), uma vez que nesse período reger-se-á a prescrição da pretensão punitiva do estado pela pena máxima em abstrato, no qual após a alteração dos referidos artigos, restou apenas esta prescrição para discorrermos no presente artigo.

Contudo, importante se faz saber, qual é o termo inicial para a prescrição da pretensão punitiva antes de transitar em julgado a sentença final adotada pelo nosso Código Penal, que é determinada em seu artigo 111, inciso I:

Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:

I – do dia em que o crime se consumou;

Observa-se, portanto que o Código Penal adotou o momento da ação ou omissão (art. 4° CP), para o começo do prazo prescricional, operando-se contudo a prescrição em abstrato, só começará a ser contada a partir da consumação do evento delituoso, que é nesse momento em que surge o objeto do presente artigo.

 

III ? DA CONSUMAÇÃO

Em 27 de dezembro de 1990, entrou em vigor a Lei n. 8.137/90, que em seus artigos. 1°, 2° e 3°, tipificou os delitos conhecidos como crimes contra a Ordem Tributária.

Desde a época da entrada em vigor do referido diploma, surgiu a discussão se era possível a instauração de ação penal, mesmo não findado procedimento administrativo fiscal, uma vez que naquele momento muitas pessoas estavam submetidas a tal constrangimento, ainda que pendente o procedimento administrativo fiscal, já sofriam as agruras de um eventual processo crime.

Tal discussão, em parte se cessou com o julgamento da medida liminar na Adin n. 1.571 de 1997, pela qual o Supremo Tribunal Federal, entendeu que o término do procedimento administrativo fiscal, não era causa de condição para instauração de Ação Penal a eventual infrator.

Em 2001, o Supremo ao julgar o Habeas Corpus N. 77.002-8-RJ, passou a entender que só a partir de comprovado dano ao erário que se configuraria o crime capitulado no art. 1, inciso I, da Lei 8.137/90, o que então só aconteceria com o lançamento definitivo do débito em dívida ativa.

Contudo, diante das diversas decisões que condicionaram o esgotamento da via administrativo fiscal para instauração da ação penal, o Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2009, aprovou a Súmula Vinculante N. 24, que assim determina:

 

?Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo?

Apesar de tal súmula, ser um marco ao longo dos anos, pelas várias divergências apontadas, existem entendimentos contrários, no sentido da iniciação da ação penal, que agora (sem mais disposições em contrário) somente se dá após findado o procedimento administrativo, criou-se outro ponto a ser discutido, qual seja o exato momento de partida do termo inicial para contagem da prescrição do referido delito.

 

IV ? DO ENTENDIMENTO DO STF

Entendimento majoritário do nosso Supremo Tribunal Federal, em que pese ao termo inicial para contagem da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final nos crimes contra a ordem tributária, se dá através da constituição definitiva do débito, uma vez que é neste momento em que se terá caracterizado a tipicidade penal, e por conseguinte o crime previsto no art. 1° da Lei 8.137/90.

Portanto, sendo neste momento caracterizado o referido crime, é a partir daí que o STF entende como sendo o termo inicial para dar inicio a fluência da prescrição penal, como se percebe do comentário do Ministro Celso de Mello no HC 84.092/CE:

?(…) ? Enquanto não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, o crédito tributário, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1° da Lei N. 8.137/90. Em conseqüência, e por ainda não se achar configurada a própria criminalidade da conduta do agente, sequer é licito cogitar-se da fluência da prescrição penal, que somente se iniciará com a consumação do delito (CP art. 111, I). Precedentes.? [3] (Grifou-se)

Tal analise sobre o tema, tem sido observada em sucessivos julgamentos nos delitos contra a ordem tributária, pela jurisprudência do STF, abaixo segue alguns julgados referentes a matéria, senão vejamos:

?HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1°, I, LEI N° 8.137/90. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM CURSO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL DA RELATORA. [4] (STF. HC 84.457/SP, Rel. Min. Elle Gracie. DJ de 29/04/2005)

1. A decisão definitiva do processo administrativo em que se impugna o lançamento do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade dos crimes previstos no art. 1° da Lei 8.137/90. Precedente: HC 81.611 (Pleno).

2. Não há fluência do prazo prescricional enquanto não exaurido o procedimento administrativo fiscal. (Grifou-se)

 

3. Ordem concedida para trancar a ação penal.

Ainda:

?PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90, ART. 1°. LANÇAMENTO FISCAL: CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO FISCAL [5] (STF . HC 85.051-1 MG . Min. Rel. Carlo Velloso . Data 07/06/2005)

(…)

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decidiu que falta justa causa para ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1° da Lei 8.137/90, de 1990, enquanto não constituído, em definitivo, o crédito fiscal pelo lançamento. É dizer, a consumação do crime tipificado no art. 1° da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição (Grifou-se)

Conclui-se, em síntese que o Supremo Tribunal Federal adotou o termo inicial para a prescrição antes da sentença, a partir de findado o procedimento administrativo fiscal, entendimento divergente, no qual verifica-se no tópico seguinte.

 

V ? DO ENTENDIMENTO CONTRÁRIO

A batalha perpetrada em sentido contrário, consiste em demonstrar a correção jurídica do entendimento do STF, de que a ação típica descrita no artigo 1° da Lei n. 8.137/90, ocorre com a supressão do tributo devido.

Assim, verifica-se que contrários ao entendimento do STF, fundamentam que uma vez ocorrido a supressão do tributo devido, que ocorre no momento da expiração do prazo para o seu recolhimento, se consuma o delito em comento, e não no momento da inscrição do débito na dívida ativa, como dispõe a Súmula n°24 do STF.

Para fundamentar tal entendimento, traz-se o art. 4 do Código Penal, já que este estabelece que o crime se consuma no momento da ação ou omissão, ainda que em outro momento seja caracterizado o resultado do delito.

Partindo de tal premissa, o art. 111, inciso I, do Código Penal, o que determina que ?a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr (…) do dia em que o crime se consumou (…)?

Portanto, a ação do delito previsto no art. 1° e seus incisos I a V da Lei 8.137/90 é aquele em que ocorreu a supressão ou redução do tributo, contudo a prescrição deve ocorrer a partir desse momento.

Assim, quem entende desta forma, alega não poder prosperar o entendimento do STF, no sentido de que o inicio do prazo prescricional ocorrerá com o lançamento definitivo do crédito tributário, uma vez que esse não deve-se confundir com o momento consumativo do crime, mas tão-somente atestar sua materialidade.

Portanto, serve-se como exemplo para corroborar com o entendimento descrito em tela, o crime de lesão corporal, onde este se consumou em determinada data, mas o exame de corpo delito para atestar tal lesão, ocorreu em data diferente (posterior) a do fato.

Retira-se do exemplo acima o seguinte para o crime tipificado no art. 1° da lei 8.137/90, que no caso do crime de lesão corporal, a data do fato e consequentemente o prazo prescricional irá correr a partir daí, e não do dia em que se atestou a materialidade do delito com o exame de corpo delito, é o que deve ocorrer nos crimes contra a ordem tributária, uma vez que o crime se consuma com a ação ou omissão do agente, e a decisão definitiva no âmbito administrativo apenas servirá como uma espécie de exame de corpo delito, atestando tão somente a materialidade do delito, não podendo em hipótese alguma ser confundido com o momento da ocorrência do crime.

Assim, não poderá ser considerado como termo inicial antes de transitar em julgado a sentença final para contagem do prazo prescricional.

 

VI ? CONCLUSÕES

Com a realização do presente artigo, conclui-se que com a aprovação da Súmula Vinculante N. 24 terminou-se uma briga de anos entre o Supremo Tribunal Federal e os que entendiam de forma contrária no que tange o inicio da persecução penal, uma vez que essa só poderá ser feita, findado o procedimento administrativo fiscal, contudo tal Súmula deu causa a uma nova discussão, que é o termo inicial para a prescrição, onde a linha de entendimento do STF é no sentido de que se começa a contagem a partir da constituição definitiva do crédito, e em sentido contrário os que entendem que o momento para o termo inicial passar a operar é a partir data da consumação do eventual delito (art. 4° e 111, inciso I ambos do CP), uma vez que a constituição definitiva do crédito resta tão-somente para atestar a materialidade do crime em comento, e não para operar o termo inicial para contagem do prazo prescricional antes de transitar em julgado a sentença final.

 

VII ? BIBLIOGRAFIA

[1] Estudante, cursando a 9ª fase do curso de Direito da Uniasselvi/FAMEG, estagiário no departamento penal e ambiental do Piazera, Hertel, Manske e Pacher advogados Associados e estagiário na Delegacia de Policia da Comarca de Jaraguá do Sul, nos procedimentos relativos a TC?s e AAAI.

[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1: parte geral, pág. 572

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus Nº: 84.092/CE, Rel. Min. Celso de Mello

[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus N. 84.457/SP, Rel. Min. Elle Gracie. DJ de 29/04/2005

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal . HC 85.051-1 MG . Min. Rel. Carlo Velloso. Data 07/06/2005

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