Gustavo Pacher

 

Introdução:

Mantendo a tradição, o contribuinte brasileiro continua sofrendo com os atos perpetrados pelo Estado Leviatã, devido ao descaso com que tem sido tratado pelo legislador e pelos intérpretes fiscalistas de plantão que, fazendo vista grossa à princípios e postulados consagrados, alterando normas jurídicas à sua livre conveniência política e econômica, com  total desprezo ao Estado Democrático de Direito.

 

Uma das situações que exemplifica a nossa insatisfação, manifestada no parágrafo anterior, encontra-se veiculada pelo art. 17 da Lei nº 11051/04, que buscando ressuscitar o art. 32 da Lei nº 4.357/64, impôs aos contribuintes pesadas multas em caso de distribuição de lucros aos contribuintes que possuam débitos ?não garantidos? com a União e suas Autarquias de Previdência, gerando aos contribuintes uma situação de verdadeira insegurança jurídica.

 

Nessa senda, surgiram diversas dúvidas acerca do alcance da norma, como por exemplo: essa vedação de distribuição de lucros se aplica aos casos em que o débito esteja parcelado sem garantia (parcelamento ordinário, por exemplo)? Os parcelamentos especiais, com ou sem garantia, ou com garantia parcial estão contemplados pela vedação? E as demais hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas no art. 151 do Código Tributário Nacional, impedem a distribuição?

 

 

Insegurança e contrariedade à ordem jurídica nacional:

 

Para exemplificar o caos tributário, somado ao total desrespeito das normas vigentes, já disse Leon Szklarowsky[1] que, No Brasil, perdura o péssimo hábito de violar-se não só a Constituição, mas também a legislação infraconstitucional, num crescendo cada vez mais assustador.

 

A situação que por ora assola os contribuintes diz respeito à vagueza do recém desenterrado art. 32 da Lei nº 4.357/64 (promulgada no calor do golpe militar e impôs um regime ditatorial), que pretende votar ao mundo jurídico por intermédio do art. 17 da Lei nº 11.051/2004.

 

Tal norma, que havia sido editada ainda sob a ordem da Constituição vigente desde 1946 determinava que in verbis:

 

Art 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de impôsto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão:

a) distribuir … (vetado) … quaisquer bonificações a seus acionistas;

b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;

c) vetado.

 

Parágrafo único. A desobediência ao disposto neste artigo importa em multa, reajustável na forma do art. 7º, que será      imposta:
a) às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem … (
vetado) … bonificações ou remunerações, em montante igual 50% a (cinqüenta por cento) das quantias que houverem pago indevidamente;
b) aos diretores e demais membros da administração superior que houverem recebido as importâncias indevidas, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) destas importâncias.

 

Naquela conjuntura política (de um regime de força) o objetivo era utilizar o impedimento a distribuição de lucros como forma coercitiva de cobrança de tributos, mesmo porque, àquela época, o direito da Fazenda Pública ainda não contava com outras tantas normas jurídicas de que hoje dispõe para assegurar seus direitos[2].

 

O advento da Carta Constitucional de 1988 fez surgir um novo tempo, de respeito a Lei e a Ordem. E, dentro desse novo contexto histórico dispôs a Constituição que se manteriam vigentes no ordenamento jurídico nacional somente as regras jurídicas que não conflitassem com essa nova ordem. Os comandos e preceitos que não se coadunassem com os novos comandos  estariam automaticamente revogados em razão da incompatibilidade com a Carta Constitucional.

 

Não é necessário muito esforço para compreender que o art. 32 da Lei nº 4.357/64 afrontava os princípios do livre exercício da atividade econômica e o da propriedade privada, ambos assegurados na Constituição de 1988, a saber:

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

II ? propriedade privada;

[…]

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

 

A incompatibilidade entre o conteúdo da norma contida no art. 32 e o teor do art. 170 da nova Constituição é evidente. Tanto que jamais havia sido aplicado após a Carta Constitucional de 1988.

 

Contudo, embora morta e sepultada a Lei nº 4.357/64, o legislador infraconstitucional, em desacordo a Princípios Constitucionais e afrontando regras de legalidade formal e material, como adiante se verá, entendeu que poderia modificar dispositivo contido nessa lei e o fez através do art. 17 da Lei nº 11.051/04.

 

Na verdade a alteração consubstanciou-se na mera alteração do valor da multa prevista, como se pode conferir na transcrição que se faz do combatido dispositivo, mas, ao fazê-lo, lhe conferiu um tratamento regular de norma plenamente vigente, manifestando assim o legislador oportunista o seu desrespeito para com a Constituição. Dispôs, então, a Lei n. 11.051/04:

 

Art. 17. O art. 32[3] da Lei no 4.357, de 16 de julho de 1964, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 32….

§ 1o A inobservância do disposto neste artigo importa em multa que será imposta:

I – às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem bonificações ou remunerações, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente; e

II – aos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) dessas importâncias.

§ 2o A multa referida nos incisos I e II do § 1o deste artigo fica limitada, respectivamente, a 50% (cinqüenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica.” (NR)

Com tal modificação normativa tendente a devolver ao mundo jurídico norma já banida do ordenamento, a Fazenda Federal sentiu-se autorizada a exigir o cumprimento de tal dispositivo, não permitindo a distribuição de lucros de empresas que se encontrem em débito para com a Fazenda Pública Federal ou com suas Autarquias Previdenciárias, até mesmo aquelas que estão com sua exigibilidade suspensa de acordo com o art. 151 do CTN (liminares, parcelamentos, garantias, processos administrativos, etc), aplicando-se a multa prevista nessa legislação espúria.

Esse ressurgimento de norma revogada por nova ordem está eivada de vícios desde a sua formalidade até mesmo de ordem material, o que a torna incapaz de gerar efeitos capazes, sendo o objetivo desse apelo ao Judiciário que se reconheça tais irregularidades, liberando, por consequência, o contribuinte, da obrigação do cumprimento de seus comando.

E mais, não bastassem os argumentos apresentados, há que se destacar que grande parte da incerteza gerada dentre os contribuintes resume-se ao conteúdo vertido da expressão contida no caput do art. 32, ?…enquanto estiverem em débito, não garantido…?, se bastariam os débitos estarem parcelados, com exigibilidade suspensa, assegurando a transferência àquelas empresas que detivessem CND, por exemplo, ou, se imprescindível seria o ajuizamento de uma ação específica de caução.

 

DA NÃO RECEPÇÃO DO ART. 32 DA LEI 4.357/64 PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 05.10.1988

É impossível pensar, aplicar ou viver o Direito sem que se passe pela Teoria Tridimensional de Miguel Reale. O Direito não é apenas uma norma (com respeito à Kelsen), mas é também um fato e um valor.

Referida Teoria considera o contexto histórico em que a norma é instituída, para a partir dele extrair a interpretação. Como dito, a Lei n. 4.357/64 foi promulgada enquanto vigente o Ato Institucional nº 1 baixado pelo governo ditatorial militar, que não possuía legitimidade constitucional, embora vigente a Carta Constitucional de 1946, o qual (o AI-1) cassava mandatos de parlamentares e suspendia garantias de magistrados. Outras garantias constitucionais eram simplesmente defenestradas do ordenamento pelo regime de força.

Nesse clima encontrava justificação a penalização instituída pelo art. 32 da Lei 4.357/64 às empresas que, mesmo apresentando débitos para com a Fazenda Pública Federal ou suas Autarquias, fizesse a distribuição de lucros ou o pagamento de bonificações a seus acionistas, sócios ou quotistas.

O regime político não conhecia e nem dispunha de outras formas de ver honradas as dívidas tributárias. Àquele sistema, que vilipendiou leis e princípios ainda mais importantes, tal procedimento fosse até compatível e justificável.

Contudo, a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã foi instituído no Brasil, um Estado Democrático de Direito e com este, uma nova ordem e um novo.  Já não mais se admitem normas ?cujos fins justificam os meios?.

Como visto, no que tange a forma, não houve a recepção da antiga norma pela nova ordem constitucional. Mas a falta de recepção também se deu em sentido material, pois que a antiga norma, efetivamente, contraria os ditames contidos na Carta Constitucional de 1988.

a)           Razoabilidade ? due process of law:

 

A proibição destinada às pessoas jurídicas que se encontrem em ?débito não garantido? para com a Fazenda Pública, de distribuir lucros está em confronto direto com a razoabilidade e a proporcionalidade preconizada pela Carta Constitucional e que deve ser aplicada para que seja assegurado o devido processo legal ? art. 5º, LIV, da CF.

Segundo Douglas Yamashita[4] faz um estudo a respeito do assunto do qual conclui que o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, como ele próprio denomina, popularmente exemplificado com a tentativa de matar mosquito com bala de canhão, é necessário devendo ser cumpridos determinados requisitos que enumera:

i) fim ou fins perseguidos sejam legítimos; ii) o meio empregado seja apropriado para realizar o fim legítimo; iii) o meio escolhido seja um instrumento menos danoso e pelo menos tão eficiente quanto outros meios disponíveis para realizar o fim legítimo; iv) o sacrifício decorrente do meio utilizado esteja em relação devidamente sopesada e ponderada com a legítima finalidade perseguida?.

Diante desse estudo ainda conclui o autor que:

?[…] embora a cobrança de tributos federais até fosse um fim legítimo, a vedação de distribuição de lucros por pessoas jurídicas em débito tributário federal não garantido, sob pena de multa, não seria instrumento apropriado para a cobrança de tributos […]. Além de ser um meio inapropriado, a proibição de distribuição de lucros em questão seria um instrumento mais danoso e ineficiente que todos os demais meios disponíveis para a cobrança de tributos […] por qualquer ângulo que se observe, a vedação de distribuição de lucros por pessoas jurídicas com debito tributário federal não garantido, como instrumento coercitivo de cobrança de tributos, violaria o princípio constitucional da proporcionalidade, fundado do princípio do ?substantive due process of law?.

 

Já vem de longa data a proibição imposta pelo Supremo Tribunal Federal, em se utilizar de subterfúgios para a cobrança de tributos, ou seja, lançar mão de meios outros que não aqueles previstos na própria lei como capazes, competentes e suficientes para fazer com a que a Fazenda Pública e as Autarquias Federais recebam seus créditos. E isso está devidamente consubstanciado em Súmulas do STF, a saber:

Súmula 70 ? É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para a cobrança de tributos.

 

Súmula 323 ? É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

 

Súmula 547 ? Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Desta forma, não há como convalidar a pretensão do legislador ordinário ao pretender vedar a distribuição de lucros aos sócios pela mera existência de débitos perante o fisco, mormente, quando se tratam de débitos com a exigibilidade suspensa na forma do art. 151 do CTN, seja pela existência de discussão na esfera administrativa, pedidos de parcelamento pontualmente pagos, e até mesmo, débitos objetos de execução fiscal garantida para a interposição de embargos.

 

b) Da Ofensa à Livre Iniciativa e à Propriedade Privada:

O comando normativo ora guerreado fere de morte princípios assegurados pela Constituição Federal às empresas e aos seus sócios.

A constituição das pessoas jurídicas se dá pela reunião de capital e de bens pertencentes a particulares em prol da formação de um patrimônio em nome societário. Esse patrimônio dito ?integralizado? pelos sócios responderá e garantirá pelos compromissos e obrigações dessa sociedade e, por sua vez, gerando aos sócios o direito de, em havendo resultados positivos, remunerar-lhes o trabalho em forma de distribuição de lucros.

Ensina Rubens Requião[5] sobre a finalidade do capital social das empresas que:

?… a sua função precípua é constituir o fundo inicial, o patrimônio originário, com o qual se tornará viável o início à vida econômica da sociedade. Tem o capital social, expresso nominalmente em valor monetário, a precípua função de servir de base para aferimento dos resultados da exploração mercantil, dos lucros e prejuízos, em determinado período de tempo que se chama exercício financeiro;[…] E ainda resta outra função, das mais importantes, como observa o Prof. Ferrer Correia, qual seja a de o capital constituir uma garantia para terceiros. ?Efetivamente?, diz o professor português, ?o capital social representa em certos termos uma segurança aos credores da sociedade: precisamente na medida em que a lei não permite a distribuição pelos sócios de quantias ou valores necessários para manter inato este fundo. O capital social é inatingível?.

 

A já citada Fabiana Guimarães Condé[6] ao abordar o tema expõe que:

?… se uma das precípuas funções para a criação do capital social é garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade perante terceiros, então não encontra respaldo em legal a pretensão da União e de suas autarquias de impedir a distribuição de dividendos, bonificações e/ou remunerações, em havendo débitos societários não garantidos exatamente porque é o capital social que tem por fito assegurar o pagamento de eventuais dívidas da sociedade. Se assim não fosse, não seria necessária a integralização de bens particulares para a formação do capital social da empresa.[…] se os sócios ou acionistas não pudessem gozar dos benefícios que a lei lhe assegura, i.e., receber dividendos em vista da apuração dos lucros, certamente se tornaria inviável constituir pessoa jurídica, pois restariam aos sócios tão-somente as obrigações.?

Com a constituição de sociedades e a integralização de patrimônio particular, a pessoa do sócio, ou o acionista exerce na plenitude o seu direito de livre iniciativa e o seu direito de propriedade, aplicando seus recursos ou dando aos seus bens a destinação que melhor lhe convenha.

Essa livre iniciativa é desrespeitada pela norma ora contraditada por ela, uma vez que sua pretensão é manter os sócios e acionistas apenas com suas obrigações solapando-lhes o direito fundamental que é o recebimento dos lucros. Embora integralizadas as quotas, da forma como está, por ora, dispondo a combatida norma, as obrigações da sociedade extravasam aos seus limites, vindo a atingir aos bens do sócio ou quotista quando o seu direito de receber os lucros ou dividendos é atingido.

Quanto ao direito de propriedade, este se consubstancia também na fruição dos frutos, acessões e rendimentos dela provenientes, como no caso, os lucros advindos do investimento nas sociedades. O Direito do particular, assegurado e consagrado pelo Estado Democrático de Direito diz que a fruição da propriedade é o poder de tirar da coisa todos os rendimentos que ela é capaz de produzir.

Salta aos olhos a violação que vem sendo propiciada a esse direito, a partir do instante em que o Estado proíbe a distribuição dos lucros que não são outra coisa que não os ?frutos? da propriedade (capital) investido.

Ainda dentro desse mesmo princípio constitucional existe a segurança do sócio ao recebimento da remuneração legal de seus investimentos representada pela distribuição dos lucros.

O esforço humano deve ser recompensado. Assim como àquele que trabalha na condição de empregado a paga é na forma de salário, o esforço do empresário, daquele que emprega seu capital e seus esforços na geração de riquezas é a distribuição dos lucros.

A vedação à distribuição dos lucros em razão da existência de débitos fiscais sem garantia em nome da sociedade representa um tratamento discriminatório, um atentado a dignidade, uma desvalorização do trabalho humano, do qual é vítima o empresário.

Cumpre observar, inclusive, a antinomia entre o comando advindo do art. 32 da Lei nº 4.357/64, ressuscitada por obra e graça do art. 17 da Lei 11.051/2004 e as disposições contidas no art. 202 da Lei 6.404/76, que rege as Sociedades Anônimas e que determina, com comando de obrigatoriedade, a distribuição de dividendos aos acionistas à razão não inferior a 25%, mesmo quando o estatuto da sociedade seja omisso.

Além do mais, a falta de garantias ao débito fiscal é da sociedade devedora. Contudo, a penalidade (não distribuição de lucros) é aplicada ao sócio, o que contraria ainda o art. 5º, XLV, da Constituição Federal que expressamente veda que as penas ultrapassem a pessoa do condenado. Ora, se algum descumprimento houve, esse evidentemente não foi do sócio e sim da sociedade. Dessa forma, não poderá o sócio sem poderes de administração (normalmente minoritários) sofrer as conseqüências. 

c) A Obrigatoriedade ao Devido Processo Legal:

A vedação na distribuição dos lucros ou bonificações vem acompanhada da imposição sumária de uma multa, para o caso de descumprimento.

E no caso do débito não garantido, motivador do impedimento, ser indevido? A lei não teve qualquer preocupação com tal circunstância.

O próprio Código Tributário Nacional, assim como todas as demais normas tributárias vigentes, têm assegurado aos contribuintes o princípio do contraditório e a ampla defesa. Isso porque nem sempre os créditos tributários, assim como se apresentam no primeiro momento, são efetivamente certos e exigíveis, tanto que podem ser submetidos ao crivo da própria administração através de seus órgãos de julgamento ou ainda, do Poder Judiciário. Enquanto a certeza e legitimidade de tais créditos não estiverem formalmente constituídas deve viger o princípio do  in dúbio pro reo assegurado pelo art. 5º. LVII, da CF/88.

A vedação da distribuição de lucros (como penalidade) ou a imposição de multa, para o caso da distribuição ser realizada, como preconizado pelo art. 32 da Lei nº 4.357/64 e feito ressurgir das cinzas pelo art. 17 da Lei nº 11.051/2004, antes mesmo da confirmação da existência e da legitimidade dos débitos tributários não garantidos, fere o princípio constitucional que assegura o direito de que ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal ? art. 5º, LIV, da CF/88.

 

 

DO PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL:

Em sede de Mandado de Segurança Coletivo nº 2005.61.0000.4084-7, pelo Juiz Federal da 26ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, foi proferido despacho liminar favorável aos Impetrantes, de cujo teor se pode destacar:

Em um primeiro juízo, parece-me desarrazoada a norma em exame. É que, a rigor, a conduta que, na hipótese de a pessoa jurídica ter dívida tributária, passa a ser ilícita, nada tem a ver com a existência da dívida. Em outras palavras, não é porque distribui bonificações ou dá participação nos lucros a sócios que a pessoa jurídica deixa de pagar os tributos. […]

O que a lei está fazendo, no presente caso, é interferir na forma de a pessoa jurídica remunerar seus sócios, acionistas, diretores e outros, com a finalidade de compeli-la, no mínimo, garantir suas dívidas.

Ora, a União Federal e suas autarquias têm meios, à sua disposição, para cobrar suas dívidas. E seus créditos têm preferência sobre os demais. Utilizar-se de vias indiretas para coagir os contribuintes a quitarem suas dívidas atenta contra o princípio da razoabilidade. […]

Diante do exposto, concedo a liminar para que as autoridades impetradas se abstenham de impor aos membros da impetrante […] as penalidades previstas pela cumulação dos arts. 17 da Lei nº 11.051/04 e 32 da Lei nº 4.357/64.

 

 

CONCLUSÃO:

 

Pelas razões aqui expostas, depreende-se a inconstitucionalidade da previsão normativa veiculada pela cumulação dos arts. 17 da Lei nº 11.051/04 e 32 da Lei nº 4.357/64, diante da não recepção dessa última pelo sistema constitucional vigente, dada a afronta aos princípios garantistas que foram consagrados pela nova ordem.

 

Também não se compatibiliza com o ordenamento jurídico pátrio a vedação de distribuição de lucros para sociedades empresariais que possuam débitos com a exigibilidade suspensa, ainda que não garantidos, nas hipóteses estabelecidas pelo art. 151 do CTN.

 

Com efeito, não nos parece razoável que o contribuinte que esteja questionando na esfera administrativa (reclamação) tributo que lhe é exigido indevidamente possa sofrer tal limitação ao seu direito de propriedade, consagrar entendimento contrário implica em atribuir ao fiscal poder ilegítimo e desproporcional.

 

Também não merece prosperar a vedação à distribuição de lucros nas hipóteses de parcelamentos (ordinário ou qualquer dos especiais já editados), onde não há garantia vinculada, pois em tais casos a situação do contribuinte é regular perante a Receita Federal do Brasil, inclusive com direito à obtenção de certidão de regularidade fiscal.


[1] Desenterrando Norma Falecida. www.fiscosoft.com.br.;

[2] Como exemplo as normas veiculadas pelo CTN, da LEF nº 6.830/80, das Cautelares Fiscais nº 8.397/92, e outras.

[3] ?Art 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de impôsto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão:?

[4] Lucros Distribuídos por Pessoas Jurídicas com Débito não Garantido. Revista Dialética de Direito Tributário nº 116, p. 46.

[5] Curso de Direito Comercial, 1º v, 24 ed. SP: Saraiva, 2000, p. 363/364.

[6] Inconsistências da Aplicação de Multa … Revista Dialética de Direito Tributário nº 118, p. 47/48.

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