No mês passado, morreu Ronald Coase, o inglês que, com fundamentalmente dois artigos, revolucionou ao mesmo tempo as ciências jurídicas, econômicas e administrativas. São eles: a natureza da firma e o problema do custo social (o primeiro, da década de 30 do século passado, e, o segundo, da década de 60).

Com efeito, aos economistas, Coase demonstrou que a economia está muito além da “lousa” (blackbord Economics), uma vez que os agentes econômicos não atuam livremente no mercado, ou seja, no vácuo social; existem fricções a estes players, como na física, existe o atrito (eis os chamados custos de transação, provocados por falhas de mercado).

À administração, Coase ensinou muito sobre a firma, como ela se organiza justamente tendo em conta aqueles custos de transação.

Eventualmente sem Coase, dificilmente se chegaria a algumas noções de direito e desenvolvimento

Ao que mais importa neste artigo, Coase ensinou aos juristas, que as soluções jurídicas devem ser pensadas (também) tendo em conta seus efeitos no mercado. Nesse sentido, decisões legais ou jurisprudenciais trazem consequências econômicas (desejáveis ou não).

O professor Coase ensinou na Universidade de Chicago. Viveu em um período do auge da regulação nos Estados Unidos (pós crise de 1930). Defendia que regulação é importante, mas que antes da opção pela regulação (de fato trivial), dever-se-ia pensar num modelo regulatório eficiente, que não aumentasse os custos sociais e que, portanto, permitisse a melhor alocação de recursos de uma sociedade.

Coase foi o pai da posteriormente chamada Análise Econômica do Direito (AED), isto é, provavelmente o mais potente e influente método analítico nas escolas de direito dos Estados Unidos, tal como reconhecida inclusive por seus adversários. Suas lentes de observação aguçaram a ótica dos juristas em diversos ramos: ambiental, antitruste, contratos, propriedade, responsabilidade civil etc.

Em Coase, passou-se a perceber a empresa como uma teia de contratos. Afinal, o que são as empresas senão um conjunto de relações contratuais entabuladas com diversos agentes de mercado (contrato de locação, de licença de marca, de trabalho, de serviços etc)? Empresa esta que se explica justamente pela necessidade de redução de custos de transação dos indivíduos que atuam isoladamente no mercado.

Também em Coase passou-se a perceber que as relações jurídicas têm uma repercussão na economia e que, se em condições ideais de temperatura e pressão, os indivíduos conseguem transacionar seus direitos de modo eficiente (com menor custo social), no mais das vezes eles necessitarão do auxílio de uma ordem jurídica para chegar na solução de maior ganho para sociedade, reduzindo os custos de transação.

Sem Coase, Richard Posner provavelmente jamais teria escrito sua prolífica obra sobre Law and Economics. Também sem ele, Guido Calebresi não teria escrito sua fabulosa tese sobre o custo social do acidente, sugerindo que o sistema de responsabilidade civil dos Estados Unidos não estava sendo eficaz (para não dizer eficiente) na prevenção dos acidentes automobilísticos.

Eventualmente sem Coase, dificilmente se chegaria a algumas noções de direito e desenvolvimento, no sentido de que países devem criar mecanismos que facilitem às empresas fazer negócios, a fim de gerar prosperidade em uma determinada sociedade.

E que tal a ideia mais provocante de que um sistema de responsabilidade civil dever ser pensado não sob premissa de quem deve indenizar o outro, mas se alguém deve ser indenizado (países em desenvolvimento têm de conviver com algum nível de acidentes)? Ou, refletir, de forma desconcertante ao jurista, quem deve prevenir um acidente? E, o que é pior como resposta, pensar naquele que pode fazê-lo a custo mais baixo – para sociedade.

Coase sugeria que certas atividades são socialmente indesejáveis, mas poderia ser pior à sociedade ficar sem elas!

Depois de Coase, ficou famoso o exemplo de quem deveria suspender suas atividades: o serralheiro ou o médico quando houvesse interferência do primeiro sobre o segundo em um determinado bairro de uma cidade? Ou, poderia o vizinho barrar o acesso de ar ao fabricante de cerveja?

E sobre o papel do contrato, se passarmos a pensar em contratantes autointeressados, que ponderam o custo-benefício de suas transações de forma (limitadamente) racional? Se refletirmos no contrato como operação de troca voluntária de bens e serviços que permitem o funcionamento do mercado.

E o (s) direito (s) de propriedade? Haveria condicionante mais importante para o progresso econômico de um povo?

Essas lições de Coase caem como uma luva para o Brasil atual. Dificilmente poderíamos deixar de pensar nele ao tratarmos da função social da empresa, da propriedade e dos contratos. Sem ele, dificilmente conseguiríamos pensar no contrato apartado de um sistema de mercado e a regulação longe de seus efeitos econômicos.

E, pior, como nos desenvolvermos se é um ônus ser proprietário?

Luciano Benetti Timm é advogado, pesquisador de pós doutorado na Universidade de Berkeley, Califórnia, ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia, professor do Programa de Pós Graduação da Unisinos/RS

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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