A 2ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Carlos, em São Paulo, decidiu que uma filha que foi negligenciada e sofreu violência do pai pode se recusar a ser curadora dele. A mulher não quer assumir a incumbência pois afirma que foi abandonada por ele quando era criança e que, no pouco tempo em que conviveu com o genitor, sofreu diversas agressões.

No caso, o homem é interditado e dependente de auxílio permanente. Duas filhas são curadoras, mas uma pediu afastamento sob a alegação de que vai realizar uma viagem para o exterior. Com isso, ela indicou uma outra irmã.

Esta disse que foi abandonada e sofreu agressões. Foi realizado laudo social que comprova a falta de relação entre o curatelado e a filha, bem como laudo psicológico, que aponta o sofrimento emocional da mulher, traumatizada pelo comportamento negligente e violento do pai.

De acordo com o juiz Caio Cesar Melluso, a mulher não pode ser obrigada a assumir a incumbência e decidiu manter apenas a outra filha que já era curadora do pai, cocuradora com a irmã que pediu afastamento.

“Ainda que seja filha do curatelado, tal como não se pode obrigar o pai a ser pai, não se pode obrigar o pai a dar carinho, amor e proteção aos filhos, quando estes são menores, não se pode, com a velhice daqueles que não foram pais, obrigar os filhos, agora adultos, a darem aos agora incapacitados amor, carinho e proteção, quando muito, em uma ou em outra situação, o que se pode é obrigar a pagar pensão alimentícia”, disse o magistrado. Cabe recurso da decisão.

Decisão seguiu o STJ

Para Fernando Gaburri, promotor de Justiça, professor e membro da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão traz à tona a discussão sobre se o afeto pode ou não ser considerado um princípio jurídico.

De acordo com ele, o afeto, embora não seja um princípio, é um fundamento psicológico que serve de base ao interesse dos membros da família e que os mantêm unidos. “Se o afeto tivesse a natureza jurídica de princípio, seria uma espécie do gênero norma jurídica e seu cumprimento poderia ser judicialmente exigido”, destaca.

Embora o tema não esteja pacificado, ele lembra que o Superior Tribunal de Justiça – STJ proferiu decisão no sentido de que amar é faculdade, cuidar é dever. Logo, o que pode ser exigido entre os membros da entidade familiar é o dever de cuidado, como a prestação alimentícia.

“Esta foi a orientação adotada na decisão do juízo da 2ª Vara de Família e Sucessões de São Carlos/SP, ao mencionar que o pai incapaz poderá exigir alimentos da filha – dever de cuidado -, mas não a convivência familiar, o afeto daquela que por ele foi negligenciada e agredida na infância”, enfatiza.

Art. 1.775 do Código Civil

A curatela é um instituto baseado no dever de solidariedade que recai sobre a sociedade, a família e o Estado e, por constituir um múnus público, seu exercício é obrigatório. O promotor ressalta que um dispositivo que auxilia para a decisão nesse sentido é o artigo 1.775 do Código Civil.

“A primeira pessoa chamada a exercer a curatela é o cônjuge ou o companheiro do curatelando, desde que não estejam separados de fato ou de direito. Daí infere-se que a existência de relação de afeto entre ambos é o fundamento jurídico sobre o qual recai o múnus público. Se não mais houver casamento ou união estável entre eles, são chamados, nesta ordem preferencial, os pais e depois o descendente, não necessariamente o filho que se mostrar mais apto (CC, art. 1.775, § 1º)”, diz.

Fernando Gaburri frisa que a Constituição Federal de 1988 reconhece a existência recíproca do dever de cuidado entre pais e filhos em seu art. 229, ao determinar que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

E no caso em liça, não se fez presente a relação socioafetiva entre aqueles que guardam entre si vínculo exclusivamente biológico. A filha, quando criança, conviveu com o pai por curto período de tempo, de quem sofreu diversas agressões e cujos reflexos permanecem até os dias atuais.

“Se não se pode exigir que o pai ofereça amor, carinho e proteção aos filhos menores, também não se pode exigir dos filhos, agora adultos, a prestarem aos pais, na velhice, aquele mesmo carinho, amor e proteção de que antes fora privado. Quando muito, restará o dever de cuidado previsto no art. 229 da Constituição, com fundamento no qual caberá ao filho pagar ao pai, ou ao pai prestar assistência de natureza material, como o pagamento de pensão alimentícia”, afirma.

Extraído de: IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, em 17 de fevereiro de 2020.

http://www.ibdfam.org.br/noticias/7161/Justi%C3%A7a+decide+que+filha+ que+sofreu+agress%C3%B5es+pode+negar+ser+curadora+do+pai

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