Introdução:

Com a revogação da alínea ?f? do inciso V, do § 9º, do art. 214 do Regulamento de Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, levada à efeito pelo Decreto nº 6.727/09, teve inicio a discussão acerca da incidência ou não da contribuição social destinada a previdência social (INSS) com base nos valores repassados aos empregados a título de aviso prévio indenizado.

Reacendeu-se a mesma discussão travada quanto à incidência ou não do imposto de renda sobre as férias pagas em dinheiro, sobre os valores recebidos pelo empregado contemplado com o programa de Demissão Voluntária, assim como em relação às demais verbas que reconhecidamente possuem natureza indenizatória.

Como qualquer investigação pautada pela boa hermenêutica, a questão deve ser analisada a partir do texto constitucional, que é a matriz para qualquer lei infraconstitucional instituindo qualquer espécie tributária, para concluir pela higidez ou não da exigência fiscal apresentada.

Natureza jurídica do aviso prévio indenizado pelo empregador:

Para Amauri Mascaro do Nascimento[1], trata-se de “comunicação da rescisão do contrato de trabalho pela parte que decide extingui-lo, com a antecedência a que estiver obrigada e com o dever de manter o contrato após essa comunicação até o decurso do prazo nela previsto, sob pena de pagamento de uma quantia substitutiva, no caso de ruptura do contrato”.

Maurício Godinho Delgado[2] diferencia a natureza do aviso prévio, de acordo com o labor ou não no período: “o pagamento do aviso prévio prestado em trabalho tem natureza nitidamente salarial: o período de seu cumprimento é retribuído por meio de salário, o que lhe confere esse inequívoco caráter […] contudo, não se tratando de pré-aviso laborado, mas somente indenizado, não há como insistir-se em sua natureza salarial. A parcela deixou de ser adimplida por meio de labor, não recebendo a contraprestação inerente a este, o salário. Nesse caso, sua natureza indenizatória inequivocamente desponta (…)”

Em conclusão, o aviso prévio indenizado pelo empregador, portanto, não cumprido pelo empregado, que não entrega em contrapartida pelo recebimento do respectivo labor a sua força de trabalho, assume inexorável natureza jurídica trabalhista indenizatória.

Essa questão está diretamente relacionada com o conceito de retribuição do trabalho, lecionado por José Augusto Rodrigues Pinto[3] nos seguintes termos:

?…retribuição do trabalho abrange em sua generalidade os vários e distintos modos de retorno ao empregado do valor da energia despendida em favor da empresa, retorno esse que, muitas vezes, procede de terceiro estranho ao contrato individual […] Tudo o que o empregado receber, em razão da existência do contrato individual de emprego ou da efetiva prestação do trabalho, cabe no conceito de retribuição.?

Sendo assim, temos três espécies elementares de retribuição para o direito do trabalho: a remuneração representada por todas as verbas recebidas pelo empregado, em decorrência da relação de emprego, pagas ou não pelo empregador; o salário corporificado pela verba paga diretamente do empregador em contraprestação ao trabalho, nos termos do art. 76 da CLT; e as Indenizações que consistem nos pagamentos acrescidos ao salário em decorrência de danos sofridos, ou riscos de danos a que se expõe o empregado na prestação de serviço em condições pessoalmente desfavoráveis, ou ainda de despesas realizadas para a prestação do trabalho.

Com tais premissas, impõe-se a conclusão de que o aviso prévio indenizado, pago em espécie ao colaborador em decorrência do rompimento do vínculo de emprego, sem a contrapartida do labor, representa indenização e, por isso, não gera a incidência da contribuição previdenciária.

E a indenização, qualquer que seja ela , sempre tem por finalidade compensar ou reparar uma perda patrimonial, material ou moral.

No entanto, conforme restará demonstrado, não se aplica no âmbito do direito previdenciário o referido raciocínio.

A Constituição Federal, em seu art. 195, inciso I, estabelece que:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício […]

A expressão utilizada pela Constituição Federal foi “rendimentos do trabalho”. Tal conceito é muito similar ao acima explicado, qual seja, “retribuição do trabalho”.

O art. 28, I da Lei n. 8212/91, equipara a remuneração à totalidade dos rendimentos pagos. No entanto, tal conceito de remuneração diverge muito do utilizado na esfera trabalhista, que, aliás, possui diversas correntes.

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título[…]

Assim, remuneração, para fins previdenciários, vale a pena ressaltar, “é a totalidade dos rendimentos […] a qualquer título”

Na doutrina trabalhista, existem três correntes diferenciadas que tentam conceituar a palavra remuneração. A primeira iguala ao conceito de remuneração o de salário como se fossem sinônimas. A segunda diz que remuneração é o gênero de todas as verbas devidas enquanto o salário seria a principal. A última entende que o salário seria a parcela paga diretamente pelo empregador ao empregado, com base nos arts 76 e 457, caput, da CLT, enquanto a remuneração abrangeria as demais verbas, inclusive as gorjetas, que são pagas por terceiros.

Também não há que se confundir a natureza indenizatória de certas verbas trabalhistas com a indenização por danos. Esta verba, apesar de paga, algumas vezes, em decorrência da relação de emprego, definitivamente não é hipótese de incidência de contribuição previdenciária, bem como, em caso de acidente do trabalho, também não há a incidência de imposto de renda (art. 6º, IV, da Lei nº 7.713/88).

Desta forma podemos inferir que todas as verbas pagas em razão do trabalho, ou seja, todos os rendimentos ou retribuições do trabalho, quaisquer que sejam suas naturezas, excetuando-se os pagamentos discriminados no §9º do art. 28 da Lei de Custeio, compõem o salário-de-contribuição, o sendo, portanto, o caso do aviso prévio indenizado.

 

Suporte legal para a exigência:

O inciso I do art. 28 da Lei n.º 8.212/91 dispõe que, para o empregado e o trabalhador o salário de contribuição é a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10/12/97).

O salário de contribuição é a base de cálculo da contribuição.

Paulo de Barros Carvalho[4] ensina que “A base de cálculo é a grandeza presente no elemento quantitativo da relação jurídica tributária, cumprindo papel mensurador e determinativo do valor que deve ser prestado a título de tributo.”

A base de cálculo está prevista na Lei de Custeio. Respeita, portanto, o princípio da legalidade, bem como o art. 195, inc. I, alínea “a” da CF/88, que autoriza à União editar norma geral e abstrata que preveja no consequente da regra matriz de incidência tributária, no seu critério quantitativa quaisquer valores decorrentes da “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.

No artigo 28, § 9º da Lei de Custeio, encontramos as situações de isenção de contribuição previdenciária. A Constituição Federal, no artigo 150, § 6º, determina que a norma outorgante de isenções deverá ser veiculada por lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g (necessidade de lei complementar para a concessão de isenções e outros benefícios com relação ao ICMS). Verificamos que o requisito constitucional ora citado está atendido, pois a Lei nº 8.212/91, que prevê a redução no âmbito da base de cálculo no § 9º do art. 28, cuida especificamente da contribuição social previdenciária.

O exame do sistema jurídico global leva à desconsideração do viso prévio pago em dinheiro da base de cálculo da contribuição social, independentemente de qualquer norma expressa como a que estava no art. 28, § 9º, letra ?a? da Lei nº 8.212/91.

Portanto, a revogação tácita dessa exclusão da base de cálculo operada pela Lei nº 9.528, de 10-12-1997 é totalmente irrelevante.

Menos relevante, ainda, é o Decreto nº 6.727, de 12 de janeiro de 2009, que revogou a alínea ?f?, do inciso V, do § 9º, do art. 214 do Regulamento de Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999.

O fato de o atual Regulamento da Previdência Social não mais prever a exclusão do aviso prévio indenizado da base de cálculo da contribuição social nada significa, pois, a definição de base de cálculo de qualquer tributo está sob reserva de lei em sentido estrito (art. 97, IV do CTN) como decorrência do princípio de legalidade tributária (art. 150, I da CF).

Aliás, essa exclusão operada pelo Decreto nº 6.727/2009 choveu no molhado, pois, o inciso I do art. 214 do mesmo Regulamento só incluiu na base da cálculo da contribuição previdenciária a remuneração auferida pelo trabalhador a título de retribuição do trabalho. Não há que se falar em exclusão de algo que não está incluído.

Precedentes Jurisprudenciais:

A jurisprudência pátria vem reconhecendo a não incidência da contribuição previdenciária com base nos valores repassados aos empregados dispensados a título de aviso prévio indenizado:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO-INCIDÊNCIA.

1. Os valores pagos ao empregado a título de aviso prévio indenizado não se sujeitam à incidência da Contribuição Previdenciária, levando-se em conta seu caráter indenizatório.

2. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp 1205593/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 04/02/2011)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. BASE DE CÁLCULO. VERBA SALARIAL. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA.

1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que, ao negar seguimento ao recurso especial, aplicou jurisprudência do STJ no sentido de que é indevida a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado.

2. “A contribuição previdenciária incide sobre base de cálculo de nítido caráter salarial, de sorte que não a integra as parcelas de natureza indenizatória” (REsp 664.258/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 31.5.2006) 3. “Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial” (REsp 812.871/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25/10/2010).

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1218883/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 22/02/2011)

EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. AUXÍLIO-DOENÇA (QUINZE PRIMEIROS DIAS). AVISO PRÉVIO INDENIZADO. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. 1. Aplicabilidade dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005, relativamente às ações ajuizadas a partir de 09/06/2005. Extinção do direito de pleitear as parcelas recolhidas anteriormente aos cinco anos que antecedem a propositura da ação. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que não é devida a contribuição previdenciária sobre a remuneração paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença, porquanto essa verba não possui natureza salarial. 3. Diante da natureza indenizatória, é indevida a incidência de contribuição previdenciária sobre as verbas pagas a título de aviso prévio indenizado. 4. Já está pacificado no Superior Tribunal de Justiça, adequando-se à jurisprudência que se consolidou no Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que é indevida a cobrança de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. (TRF4 5001156-44.2010.404.7208, D.E. 17/03/2011)

EMENTA: TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INEXIGIBILIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. AUXÍLIO-ACIDENTE. PRIMEIROS QUINZE DIAS DE AFASTAMENTO. SALÁRIO-MATERNIDADE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. FÉRIAS E ADICIONAL DE 1/3 CONSTITUCIONAL. COMPENSAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Tratando-se de ação ajuizada após o término da vacatio legis da LC nº 118/05 (ou seja, após 08-06-2005), objetivando a restituição ou compensação de tributos que, sujeitos a lançamento por homologação, foram recolhidos indevidamente, o prazo para o pleito é de cinco anos, a contar da data do pagamento antecipado do tributo, na forma do art. 150, § 1º e 168, inciso I, ambos do CTN, c/c art. 3º da LC n.º 118/05. 2. Segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, não deve incidir contribuição previdenciária sobre a remuneração paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento do trabalho por motivo de incapacidade, uma vez que tal verba não possuiria natureza salarial. 3. Configurada a natureza salarial do salário-maternidade incide sobre ele a contribuição previdenciária. 4. Ainda que operada a revogação da alínea “f” do § 9º do art. 214 do Decreto 3.038/99, a contribuição não poderia ser exigida sobre a parcela paga ao empregado a título de aviso prévio, porquanto a natureza de tais valores continua sendo indenizatória, não integrando, portanto, o salário-de-contribuição. 5. Tratando-se de férias efetivamente gozadas, é devida a contribuição. Em relação ao adicional de 1/3, realinhando a posição jurisprudencial desta Corte à jurisprudência do STJ e do STF, no sentido de que a referida verba que detém natureza indenizatória por não se incorporar à remuneração do servidor para fins de aposentadoria, afasta-se a incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. 5. As contribuições previdenciárias recolhidas indevidamente podem ser objeto de compensação com parcelas vencidas posteriormente ao pagamento, relativas a tributo de mesma espécie e destinação constitucional, conforme previsto nos arts. 66 da Lei 8.383/91, 39 da Lei 9.250/95 e 89 da Lei 8.212/91, observando-se as disposições do art. 170-A do CTN e do art. 89, § 3º, da Lei 8.212/91. 6. A atualização monetária incide desde a data do pagamento indevido do tributo até a sua efetiva compensação, sendo aplicável, para os respectivos cálculos, a taxa SELIC. (TRF4 5000821-49.2010.404.7103, D.E. 01/03/2011)

Conclusão

O fato gerador da contribuição previdenciária em questão é a remuneração paga ou creditada ao empregado ou trabalhador avulso ou autônomo, bem como o pró labore creditado ao sócio em retribuição do trabalho, razão pela qual não pode alcançar os pagamentos feitos a título de indenização de qualquer natureza.

Exigir a contribuição previdenciária com base nos valores repassados a título de aviso prévio indenizado, como mencionado por alguns autores, poderia inclusive acarretar o empregado dispensado a duplicidade de pagamento da contribuição na hipótese do mesmo encontrar novo emprego no mesmo mês da despedida, sem que o INSS compute em dobro o seu tempo de contribuição.



[1] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 21ª Ed., São Paulo: LTr, 1994, p. 448.;

[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed., São Paulo: LTr, 2004. p. 1171.

 

[3] PINTO, José Augusto Rodrigues Pinto. Curso de direito individual do trabalho, sujeitos e Institutos do Direito Individual do Trabalho.2.ed. São Paulo: LTr, 1995. p. 266.

[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, p.172.

 

Gustavo Pacher

 

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