Josiane Pretti[1]
RESUMO:
A Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, alterou para as empresas a sistemática de apuração da contribuição previdenciária patronal, visando desonerar a folha de pagamentos, o que foi regulamentado pelo Decreto nº 7.828, de 16 de outubro de 2012. Contudo, conforme será demonstrado adiante, o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo, pois não se encaixa como receita, já que esse valor não fica na conta bancária da empresa, o mero ingresso para repasse ao Fisco não deve justificar a incidência sobre esses valores. Não há dúvida de que o ICMS destacado no documento fiscal representa valores que transitam temporariamente pelo caixa da empresa, sem acrescer de forma positiva o seu patrimônio, tratando-se de verdadeira receita do Estado, a quem deve ser integralmente repassado. Sua inclusão na base de cálculo da Contribuição enseja a tributação de riqueza que não pertence ao contribuinte.
Palavras ? chaves: Exclusão, ICMS, Contribuição Previdenciária.
1 ? INTRODUÇÃO
A Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, alterou para as empresas a sistemática de apuração da contribuição previdenciária patronal, visando desonerar a folha de pagamentos, o que foi regulamentado pelo Decreto nº 7.828, de 16 de outubro de 2012.
Com efeito, após referida Lei, que instituiu o ?Plano Brasil Maior?, cujo o objetivo é o fortalecimento de determinados setores da economia, as empresas passaram a ter o dever de calcular a contribuição previdenciária levando-se em conta, não mais a folha de pagamentos, mas sim, o valor da sua receita bruta ou faturamento, excluídas as vendas canceladas e os descontos concedidos.
A Receita Federal exige que, ao recolher o tributo sob essa nova sistemática, é preciso incluir o ICMS no conceito de faturamento, o que aumenta a base de cálculo da contribuição. O presente caso, se assemelha a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, que ainda esta pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Contudo, conforme será demonstrado adiante, o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo, pois não se encaixa como receita, já que esse valor não fica na conta bancária da empresa, o mero ingresso para repasse ao Fisco não deve justificar a incidência sobre esses valores.
Assim, muitas empresas vem discutindo judicialmente o reconhecimento como correto o recolhimento da contribuição previdenciária sem a inclusão do ICMS na base de cálculo.
2 ? DA NÃO INCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA:
Portanto, a exemplo, para que os valores contabilizados pelas empresas possam ser incluídos nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, devem possuir a natureza de renda/lucro; da mesma forma, o ICMS não pode ser considerado faturamento/receita, já que, se alguém fatura o ICMS, esse alguém é o Estado e não o contribuinte.
Não basta que determinados valores, atendendo às normas contábeis, sejam contabilizados a título de crédito. É necessário que integrem os elementos da renda ou receita, constituindo-se em riqueza nova, nas palavras do ilustre Roque Carrazza[2]:
Para que haja renda e proventos de qualquer natureza é imprescindível que o capital, o trabalho ou a conjunção de ambos produzam, entre dois momentos temporais, riqueza nova, destacada daquela que lhe deu origem e capaz de gerar outra.
Destarte, o conceito de faturamento ou receita se configura pela natureza do valor que está ingressando na pessoa jurídica. Para que possa integrar as bases de cálculo da Contribuição em questão, é necessário que a ?receita? corresponda a um ingresso de valores destinados ao próprio contribuinte em razão das atividades operacionais da pessoa jurídica.
Por conseguinte, o ICMS, por consistir em receita de terceiros, eis que pertence aos Estados da Federação e ao Distrito Federal, não poderá ser incluso na base de cálculo da Contribuição Previdenciária incidente sobre a receita, da mesma forma como ocorre com o PIS e a COFINS.
A inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS enseja a tributação de riqueza que não pertence ao contribuinte, posto que, o ICMS representa tributo que se traduz apenas em valores transitórios no caixa da empresa, sem acrescer de forma positiva o seu patrimônio, mas sim do Estado, já que constitui mero ônus fiscal.
Neste mesmo delinear de razões, o professor Paulo de Barros Carvalho[3] assevera que ?receita é o acréscimo patrimonial que adere definitivamente ao patrimônio da pessoa jurídica, não a integrando quaisquer entradas provisórias representadas por importâncias que se encontrem em seu poder de forma temporária, sem pertencer-lhe em caráter definitivo.
Do mesmo modo, portanto, que a base de cálculo do PIS e da COFINS não poderia conter o imposto devido aos Estados e ao Distrito Federal, também se mostra indevida a inclusão do ICMS na base da Contribuição Previdenciária incidente sobre a receita bruta, haja vista que os valores recolhidos a tal título representam receita do ente público e não do contribuinte.
Estes recursos (ingressos), simplesmente transitam pela contabilidade da empresa, sendo um mero ingresso, e, de imediato é repassado à terceira pessoa, totalmente estranha ao negócio jurídico realizado entre a empresa e o consumidor final.
Reconhecendo esse fenômeno, mutatis mutandi, o nosso Superior Tribunal de Justiça, firmou sedimentado entendimento jurisprudencial no sentido de reconhecer que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo das contribuições incidente sobre receita e faturamento, como é o caso do PIS e da COFINS, assim firmou a orientação:
..EMEN: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO 535/CPC. NÃO OCORRÊNCIA. INCLUSÃO DO CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. NÃO VIOLAÇÃO. 1. Não houve ofensa ao art. 535 do CPC, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o crédito presumido referente ao ICMS não tem natureza de receita ou faturamento, razão pela qual não pode ser incluído na base de cálculo do PIS e da COFINS. Precedentes: AgRg no REsp 1319102/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 12/03/2013, AgRg no REsp 1274900/SC, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 11/03/2013, AgRg no REsp 1329781/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 03/12/2012. 3. Não há falar em ofensa à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF) e ao enunciado 10 da Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal quando não haja declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais tidos por violados, tampouco afastamento desses, mas tão somente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável ao caso, com base na jurisprudência desta Corte. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN:
(AGARESP 201100817560, SÉRGIO KUKINA – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:06/09/2013 ..DTPB:.)
Da mesma forma, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 3º Região, nos demais as decisões são pela suspensão de todos os feitos até que seja decidida a ADC 18/DF:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INOMINADO. ICMS. INCLUSÃO. BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS. VALIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. A decisão agravada aplicou a jurisprudência ainda dominante, a partir de acórdãos e súmulas ainda vigentes, no sentido da validade da formação da base de cálculo do PIS/COFINS com valores relativos a tributo que, não obstante destinado a terceiro, tal como outros insumos e despesas, integra o preço do bem ou serviço, estando incluído, portanto, no conceito de receita ou faturamento auferido pelo contribuinte com a atividade econômica desenvolvida. 2. A imputação de ilegalidade ou inconstitucionalidade parte da suposição de um indevido exercício da competência tributária com lesão a direitos fundamentais do contribuinte, considerando que o imposto, cuja inclusão é questionada, não integra o conceito constitucional ou legal de faturamento ou receita. Sucede que, na linha da jurisprudência prevalecente, houve regular exercício da competência constitucional pelo legislador, nada impedindo a inserção como faturamento ou receita dos valores que decorrem da atividade econômica da empresa, ainda que devam ser repassados como custos, insumos, mão-de-obra ou impostos a outro ente federado. Não houve legislação federal sobre imposto estadual ou municipal, mas norma impositiva, com amparo em texto constitucional, que insere o valor do próprio ICMS, não por orientação da legislação isoladamente, mas por força da hipótese constitucional de incidência, sem qualquer ofensa, pois, a direito ou garantia estabelecida em prol do contribuinte. 3. A exclusão do ICMS da base de cálculo de tais contribuições, sob a alegação de que o respectivo valor não configura receita ou faturamento decorrente da atividade econômica, porque repassado a terceiro, evidencia que, na visão do contribuinte, PIS e COFINS devem incidir apenas sobre o lucro, ou seja a parte do faturamento ou receita, que se destina ao contribuinte, e não é repassado a um terceiro, seja fornecedor, seja empregado, seja o Fisco. Evidente que tal proposição viola as regras de incidência do PIS/COFINS, firmadas seja a partir da Constituição Federal, seja a partir da legislação federal e dos conceitos legais aplicados para a definição tributariamente relevante (artigo 110, CTN), assim porque lucro não se confunde com receita e faturamento, e CSL não se confunde com PIS/COFINS. 4. Todas as alegações vinculadas à ofensa ao estatuto do contribuinte, porque indevido incluir o imposto citado na base de cálculo do PIS/COFINS, não podem prevalecer, diante do que se concluiu, forte na jurisprudência ainda prevalecente, indicativa de que a tributação social observou, sim, o conceito constitucional e legal de receita ou faturamento, não incorrendo em violação aos princípios da capacidade contributiva ou vedação ao confisco, que não pode ser presumida a partir da suposição de que somente a margem de lucro da atividade econômica, depois de excluídas despesas, insumos, salários, custos, repasses e tributos, configura grandeza, valor ou riqueza constitucionalmente tributável. 5. A decisão agravada considerou a inexistência de pronunciamento definitivo da Corte Suprema a favor da pretensão deduzida pelo contribuinte, prevalecendo para efeito de julgamento de mérito, nas instâncias ordinárias, a presunção de constitucionalidade até que de forma contrária se conclua, em definitivo, no âmbito do exame concentrado ou abstrato de constitucionalidade. Acolher a alegação de inconstitucionalidade, sem amparo em julgamento definitivo da questão pela Suprema Corte, no âmbito da Turma, sem observar o rito próprio para tal declaração, acarretaria violação ao princípio da reserva de Plenário (artigo 97, CF) e à Súmula Vinculante 10/STF. 6. A repercussão geral configura requisito de admissibilidade de recurso extraordinário, destacando que o exame da matéria, em que se tem tal reconhecimento, extrapola o interesse apenas individual e exclusivo da parte recorrente, sem significar, porém, qualquer juízo antecipado do mérito a ser aplicado ao respectivo julgamento, de modo que a existência de repercussão geral não anula nem torna irrelevante a jurisprudência, até agora formada, acerca da validade da formação da base de cálculo do PIS/COFINS com a inclusão do valor relativo ao tributo impugnado. 7. Tem-se, pois, que a decisão agravada fundou-se na extensa jurisprudência firmada no plano constitucional e legal, o que, se por um lado, não exclui a atribuição da Suprema Corte para decidir definitivamente a matéria, por outro, justifica que o julgamento do caso concreto observe a orientação pretoriana prevalecente, com base na fundamentação que se revela relevante e pertinente, sem prejuízo de que outra seja adotada, a tempo e modo, caso a matéria seja apreciada, sob o prisma constitucional, de forma diversa pelo Excelso Pretório. 8. Inexistindo o indébito fiscal preconizado, resta prejudicado, pois, o pedido de compensação. 9. Agravo inominado desprovido.
(AMS 00077587720104036105, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/07/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Logo, impõe-se a conclusão de que esses valores ingressam nos cofres da empresa apenas em caráter temporário, apenas até o momento em que o contribuinte realiza o encontro de contas com a administração tributária estadual, desembolsando aqueles valores que lhe haviam sido destinados pelo consumidor final (contribuinte de fato).
Há magnífico precedente relatado pelo Minº Luiz Fux (RESP nº 411.580/SP), nesse sentido:
?Deveras, os valores que entram nos cofres das empresas devem ser bipartidos em ingressos financeiros (que na Ciência das Finanças são denominados movimentos de fundo ou de caixa) e receitas.
Geraldo Ataliba ensina que, também no direito público,esses conceitos não comportam confusão, doutrinando:
” Sob a perspectiva jurídica. costuma-se designar por entrada, todo o dinheiro que entra nos cofres públicos, seja a que título for. Nem toda entrada. entretanto, representa uma receita. É que muitas vezes o dinheiro ingressa a título precário e temporariamente, sem passar a pertencer ao Estado “.
E, logo adiante, conclui :
“… receitas são entradas definitivas de dinheiro que pertencem ou passam a pertencer ao Estado…” (“Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário”, Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 1969 págs. 25 e 26).
Alerta o mestre, portanto, que nem todos os valores que entram nos cofres da empresa são receitas. Os valores que transitam pelo caixa das empresas (ou pelos cofres públicos) podem ser de duas espécies: os configuradores de receitas e os caracterizadores de meros ingressos, a exemplo do ICMS.
Não há dúvida de que o ICMS destacado no documento fiscal representa valores que transitam temporariamente pelo caixa da empresa, sem acrescer de forma positiva o seu patrimônio, tratando-se de verdadeira receita do Estado, a quem deve ser integralmente repassado. Sua inclusão na base de cálculo do da Contribuição enseja a tributação de riqueza que não pertence ao contribuinte.
3 ? CONCLUSÃO
Portanto, não há dúvida de que o ICMS destacado no documento fiscal representa valores que transitam temporariamente pelo caixa da empresa, sem acrescer de forma positiva o seu patrimônio, tratando-se de verdadeira receita do Estado, a quem deve ser integralmente repassado. Sua inclusão na base de cálculo do da Contribuição enseja a tributação de riqueza que não pertence ao contribuinte.
4 ? BIBLIOGRAFIA
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA;
Tribunal Regional Federal da 3º Região;
Lei nº 12.546 de 14 de dezembro de 2011;
Decreto nº 7.828, de 16 de outubro de 2012;
CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 36;
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 5. Ed. Noeses: São Paulo, 2013. p. 819;
Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário”, Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 1969 págs. 25 e 26.
[1] Graduada em Direito pela Católica de Santa Catarina; Pós graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera- Uniderp e advogada do escritório Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados
E-mail: josiane@phmp.com.br ou josianepretti@gmail.com.br
[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 36.
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 5. Ed. Noeses: São Paulo,
2013. p. 819.