Alexandre Brognoli[1]

 

RESUMO

 

Este artigo pretende demonstrar que a tentativa de conservar a sociedade pela sacralização do vínculo matrimonial levou à fixação do afeto em um casamento indissolúvel. O modelo patriarcal e conservador sofreu grandes mudanças quando as uniões extramatrimoniais passaram a desempenhar um importante papel social, o que resultou no rompimento de alguns paradigmas. Concretiza-se agora um novo conceito de família, que tem como elemento identificador o elo da afetividade. Ao expandir o conceito de família para além do casamento, acabou permitindo o reconhecimento de outras entidades familiares, como as uniões estáveis, a junção de duas famílias para formar uma, uniões de pessoas do mesmo sexo, entre outros modelos familiares.

 

PALAVRAS-CHAVE: Família; Casamento; União Estável; Afetividade; União Homoafetiva; Monogamia.

 

 

  1. 1.INTRODUÇÃO

 

 

            O casamento é uma das formas de contrato mais antigas do mundo. Presente em praticamente todas as culturas, a união entre duas pessoas ou, dependendo da região e dos fatores sócio culturais de uma sociedade, união de duas ou mais pessoas, pode ser considerado como um dos momentos mais importantes da vida de alguém, parte de um costume, um ritual de passagem, um momento único, ou celebrado mais de uma única vez.

 

            A cultura ocidental, em regra, proíbe o casamento poligâmico, sendo este uma cerimônia formal, religiosa ou não, que serve de testemunho de que duas pessoas seguirão os caminhos da vida juntos.

 

            Os adeptos da religião islã, muçulmanos, por outro lado, são um exemplo de pessoas que permitem que um homem tenha várias mulheres, a celebração do casamento perdura por vários dias, após a noite de núpcias, se for constatado que a noiva não era mais ?pura? (virgem), esta será condenada e castigada ao apedrejamento em praça pública.

 

            Tamanho ato bárbaro pode ser um indício de atraso desse povo em sua evolução social familiar que, por outro lado, é a prova real da evolução do direito familiar brasileiro e de outras nações.

                       

  1. 2.A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA E DE SEUS DIREITOS NO BRASIL

           

O casamento sempre foi feito de uma única forma no Brasil, pois país novo, com a cultura trazida do exterior para seus territórios.

 

No ano de 1950, mesmo no Brasil, os pesadelos da Segunda Grande Guerra ainda assombram muitos leitos durante a noite. As grandes economias estão abaladas, a paz mundial ainda está muito instável, afetando o Brasil de forma direta e indireta.

 

Época esta em que os namoros não eram virtuais e só era permitido pegar na mão da amada após pedir permissão dos pais. O lugar da mulher era em casa cuidando dos filhos enquanto o marido trabalhava duro nas indústrias nascidas da Revolução Industrial. Família legítima aqui, de acordo com o artigo 229 do Código Civil de 1916, era só criada através do casamento, aquele em que o homem pedia a mão da mulher para a sua família, sendo pressuposto a aceitação do genitor desta, isso quando não era a própria família que arranjava o casamento sem o consentimento dos dois futuros cônjuges.

 

Os anos passaram e as mulheres conquistaram seu espaço no mercado de trabalho, na democracia. O conceito de família mudou. Como em algumas famílias a única fonte de renda provém da mulher, alguns homens passaram a realizar os afazeres domésticos. Passaram de meros objetos de prazer à sujeitas de desejo, deixaram de ser reféns da gravidez e da prole e conquistaram a liberdade sexual. Extinguiu-se o mito da virgindade, e assim, conseguiram adquirir o direito de escolher seus parceiros, de sair do casamento e de constituir uniões sem o selo da oficialidade. Fatos que seriam inadmissíveis na sociedade de outrora.

 

A ditadura termina e em 1988 é promulgada uma nova Constituição, moderna e revolucionária, determinando direitos iguais a ambos os sexos.  No art. 5º, inciso I da CFRB/88, encontramos o seguinte texto:

 

?Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; […]?

 

 

O Código Civil, porém continuou o mesmo. Não mais compactuando com a necessidade da sociedade na área da família, como em outras também, assim tornou-se arcaico e obsoleto. Diante de tal necessidade, em 2002 o novo Código Civil é então promulgado tentando sanar algumas deficiências do anterior. 

 

O novo Código Civil, verificando tais incongruências, ampliou as formas de constituição da família, acrescendo-se como entidades familiares, além do casamento, a união estável (art. 1723) e a formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Igualmente, previu a nova legislação a facilitação da dissolução do casamento pela conversão da separação judicial e pelo divórcio direto.

 

Outra evolução foi que o Código Civil de 2002 possibilitou extinção da sociedade conjugal após a ruptura prévia do casamento, assim como a lei 11.441/07 o fez quanto ao divórcio extrajudicial, quando não há o envolvimento de incapazes.

 

Contudo, nunca deixou ser reconhecida a união pelo judiciário de duas ou mais pessoas, mantendo-se a união com intuito de manter família por apenas dois componentes que se relacionam de forma carnal, sejam eles do sexo oposto ou não. Neste sentido:

 

“Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade.” (Recurso Especial n. 1157273 / RN, relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 07.06.2010). (grifei).

 

Dessa maneira, concordemos que pelo julgado acima, nosso judiciário considera anti ético a união entre mais de duas pessoas, não sendo esta reconhecida, embora exista de fato este gênero de união na sociedade.

 

Há de se observar, entretanto, que como já dito, essas uniões existem, da mesma forma que as uniões homoafetivas, não tendo como banir isto, pois inviável e impossível.

 

Nesses casos, são as leis que tem que se adaptar pela sociedade, e não o contrário, pois estaria se tomando atitudes que ferem princípios constitucionais, como o da liberdade por exemplo, devendo qualquer forma de união entre as pessoas ser aceita, pois a vida de cada um só diz respeito a si.

 

Agora, entrando no âmbito da esfera aceitação, não é possível finalizar o tema sem antes falar do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

 

Ao ser reconhecida como família a união estável, ou seja, a união entre duas pessoas constituídas pelo laço da afetividade, houve o alargamento conceitual do que é família. Deixou de ser casamento, sexo e reprodução para ser identificada como o fruto de um elo de afetividade.

 

A união entre homossexuais levou à quebra do paradigma da união sacralizada com fins de constituir prole. Não mais cabendo a naturalização da heterossexualidade.

 

Campanha que tomou proporções internacionais, não só o Brasil, mas diversos países já reconhecem a união entre homossexuais. Os preconceitos que existem na sociedade acabam refletindo-se também na postura dos juízes, contudo o preconceito, racismo e ignorância fazem parte dos derrotados, é uma batalha perdida, e isso já vendo sendo demonstrado para a sociedade. Retira-se:

O Supremo Tribunal Federal – apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. – A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. – Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas” (STF – AgR no RE 477554, Rel. Min. Celso de Mello). (grifei).

 

            Ainda:

ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO – IPREV – PENSÃO POR MORTE DE SERVIDORA PÚBLICA – PLEITO DA COMPANHEIRA – UNIÃO HOMOAFETIVA ESTÁVEL COMPROVADA E RECONHECIDA – CONVIVÊNCIA SOB O MESMO TETO E AQUISIÇÃO DE PATRIMÔNIO COMUM – DEPENDÊNCIA FINANCEIRA PRESUMIDA – ISONOMIA COM A UNIÃO ESTÁVEL HETEROAFETIVA – BENEFÍCIO DEVIDO.

Comprovada a união homoafetiva estável, pela convivência sob o mesmo teto e a aquisição de patrimônio comum, não pode a autarquia previdenciária, com o argumento de que a legislação ampara somente casais oriundos de união estável heteroafetiva e violação ao princípio da isonomia, negar à companheira a pensão por morte de servidora pública estadual. (Processo: 2011.073023-1 (Acórdão); Relator: Jaime Ramos; Origem: Joinville; Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Público; Julgado em: 12/04/2012; Juiz Prolator: Renato Luiz Carvalho Roberge; Classe: Reexame Necessário). (grifei).

 

 

Assim, vemos que no judiciário as relações homoafetivas já foram reconhecidas, sendo uma tarefa árdua tirar o preconceito cultural da cabeça das pessoas, quem sabe só o tempo, quem sabe só numa próxima geração de pessoas que cresçam vendo essa união.

 

Necessário destacar que há pouco tempo, mais precisamente em 14 de maio de 2013, foi aprovado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), uma resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento, por 14 votos a 1.

 

  1. 3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A evolução da família aconteceu progressivamente, conforme cada ordenamento jurídico vigente em cada época no país, à proporção que se promulgavam as constituições federais e as leis complementares e infraconstitucionais.

 

Há de se considerar que a justiça é retardatária, ou seja, sempre vem depois do fato e quer impor o cumprimento da lei, negando qualquer direito à quem age de modo contrário aos modelos aceitos pela sociedade.

 

Assim, foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que introduziu-se um novo marco para o direito de família no Brasil, quebrando os paradigmas do modelo tradicional de família, agregando direitos sociais, fundamentais e garantias ao cidadão, os quais contribuíram muito para a evolução da família.

 

Por fim, a nova opinião jurídica brasileira no tocante ao Direito de Família é uma realidade, adaptou-se, ainda que precariamente, à realidade atual. Porém, necessitamos cada vez mais de leis que atendam aos anseios da família, conforme as ocorrências de cada momento histórico nacional e até internacional. Em um mundo profundamente abalado pela globalização, onde a tendência é cada vez mais a uniformização de certos seguimentos das ciências jurídicas, o isolamento torna-se uma escolha perigosa para qualquer nação que enseja o desenvolvimento.

 

4. REFERÊNCIAS

 

DIAS, Maria Berenice. A evolução da Família e seus Direitos. Artigo, disponível em www.mariaberenicedias.com.br. Acessado em 29/05/2013.

 

http://www.soartigos.com/artigo/5091/A-EVOLUCAO-DO-CASAMENTO-E-SUA-DISSOLUCAO/. Acessado em 30/05/2013.

 

http://www.tj.sc.gov.br. Acessado em 30/05/2013.

 

http://www.cnj.jus.br/. Acessado em 30/05/2013.

 

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[1] Acadêmico da 7ª fase do curso de Direito da Católica de Santa Catarina.

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