Josiane Pretti[1]

 

Introdução;

Cuida-se de tema bastante discutido no direito empresarial, até que ponto é legal o redirecionamento de cobranças de dívidas fiscais para empresas integrantes de um mesmo grupo econômico?

É importante a análise de duas situações: a) a comprovação tanto da existência do grupo econômico, quanto as condições que justificam o redirecionamento, uma vez que compor o grupo é fato insuficiente para responder de forma solidária pela dívida fiscal. Portanto, é preciso produzir provas de interesse comum no fato gerador ou no ato fraudulento que fundamenta a obrigação de responder solidariamente pelo passivo fiscal.

A segunda situação: b) refere-se ao fundamento legal, que pode ser pela prática comum do fato gerador praticado (art. 124 do CTN), ou pelo art. 50 do Código Civil, que requer autorização judicial prévia e a demonstração de abuso da personalidade jurídica (desvio de finalidade ou confusão patrimonial), nessas situações o redirecionamento é possível, quando provadas.

Desta forma, se o redirecionamento é legítimo nas hipóteses legalmente previstas, o credor deve provar a adequação do caso concreto à autorização legal, cabe ressaltar que a dissolução irregular de sociedade não é fato autorizador, assim como não o é ausência de bens suficientes para suportar o passivo fiscal, a execução de atividades similares ou complementares e a localização comum.

Dos grupos econômicos;

 

O grupo econômico “de direito” encontra-se regulado nos artigos 265 a 278 da Lei 6.404/1976[2]. Desta forma, sendo grupo de direito, é necessário que as sociedades empresárias combinem expressamente recursos e esforços para a consecução de objetivos e atividades comuns, mediante convenção ou consórcio.

Temos também, o grupo econômico “de fato”, que não possui regulamentação na legislação societária, no entanto, para a configuração do grupo “de fato” é necessário que uma das sociedades tenha influência significativa na outra, sem controlá-la (coligada), ou, uma das empresas seja titular de direitos de sócio sobre as outras que lhe assegure, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais, em especial o de eleger a maioria dos administradores, hipótese em que será considerada sociedade controladora.

Há situações em que, formalmente, as sociedades não são coligadas e tampouco controladas, mas que, em função dos indícios identificados, conclui-se pela formação de grupo econômico “de fato” e autoriza-se, normalmente com fulcro no art.50 do CC, o redirecionamento da cobrança da dívida.

Do redirecionamento;

O art. 124, I e II, do CTN, é utilizado para fundamentar as decisões que autorizam o redirecionamento da cobrança do crédito tributário, para empresas que compõe um grupo econômico, em especial os de fato.

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Assim, deve haver interesse jurídico comum, que surge a partir da existência de direitos e deveres idênticos, entre pessoas situadas no mesmo polo da relação jurídica de direito privado, isto é, há interesse jurídico quando as pessoas realizam conjuntamente o fato gerador.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“Processual Civil. Tributário. Recurso Especial. ISS. Execução Fiscal. Legitimidade Passiva. Empresas Pertencentes ao Mesmo Conglomerado Financeiro. Solidariedade. Inexistência. Violação do Art. 124, I, do CTN. Não-ocorrência. Desprovimento.

(…)

2.Para se caracterizar responsabilidade solidária em matéria tributária entre duas empresas pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro, é imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico.

3. Recurso Especial desprovido.” (REsp n.834.044/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, j. em 11.11.2008, DJe de 15.12.2008).

O Fisco não está autorizado a exigir o pagamento da dívida de empresas associadas que não contribuíram para a realização do fato jurídico tributário.

Já o fundamento previsto no art. 50 do CC prevê a possibilidade de desconsiderar os atos jurídicos praticados, para atingir indistintamente os bens particulares das empresas que compõem o grupo, tratando seus patrimônios como uma unidade para fins de satisfazer as obrigações contraídas.

Nesse contexto, o que implicaria o dever de empresas coligadas ou unidas por controle responderem por débitos tributários umas das outras, sem ordem de preferência não é a circunstância de formar um grupo econômico, mas sim a dissimulação, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade com o intuito de fraudar credores.

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:

“ Processual Civil. Ausência de Omissão. Obscuridade, Contradição ou Falta de Motivação no Acórdão a quo. Execução Fiscal. Alienação de Imóvel. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Grupo de Sociedades com Estrutura meramente Formal. Precedente.

(…)3.A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de grupos econômicos, deve ser reconhecida em situações excepcionais, onde se visualiza a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. No caso sub judice, impedir a desconsideração da personalidade jurídica da agravante implicaria em possível fraude aos credores. Separação societária, de índole apenas formal, legítima a irradiação dos efeitos ao patrimônio da agravante com vistas a garantir a execução fiscal da empresa que se encontra sob o controle de mesmo grupo econômico (Acórdão a quo). 4. Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral, e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu de personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.” Resp n.767.021, Rel. Min. José Delgado).

 

Desta forma, pela desconsideração da personalidade jurídica, atingem-se os bens dos sócios e dos acionistas que tenham praticado atos fraudulentos, não bastando a inexistência de bens sociais e a comprovação de prejuízo ao Fisco.

De acordo com o art. 50[3] do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica somente pode ser aplicada se houver abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Diante da fundamentação do art. 50 do Código Civil, podemos destacar que a lei prevê duas causas para a desconsideração: desvio de finalidade (utilização da pessoa jurídica para fins diversos dos previstos no ato constitutivo, ou seja, aplicação da sociedade em finalidade irregular e danosa), e confusão patrimonial (impossibilidade de fixação do limite entre os patrimônios da pessoa jurídica e o dos sócios acionistas, diante da confusão que se estabelece entre ambos).

Conclusão:

            Conclui-se portanto, que o redirecionamento válido pressupõe que seja comprovado a subordinação de uma ou mais empresas a uma empresa ou grupo de pessoas, que as dirige, controla ou administra, e, cumulativamente, a prática comum do fato gerador (art. 124 do CTN) ou a confusão patrimonial (art. 50 do CC), sendo neste caso imprescindível provar a fraude e obter-se, previamente ao redirecionamento, a autorização judicial.

Qualquer outra hipótese de redirecionamento da cobrança do crédito tributário, para empresas que alegadamente compõem um mesmo grupo econômico, é ilegal.

BIBLIOGRAFIA

Revista Dialética de Direito Tributário nº 229, Outubro/2014 – Maria Rita Ferragut – Grupos econômicos e solidariedade tributária, pág.88.


[1] Graduada em Direito pela Católica de Santa Catarina; Pós graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera- Uniderp e advogada do escritório  Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados

E-mail: josiane@phmp.com.br ou josianepretti@gmail.com

 

[2] Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.

§1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.

§2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244.

[3] Art.50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento das partes, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios das pessoas jurídicas.

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