Relms G. S. Benevenutti

Resumo:  A questão da proteção ambiental passou por expressivas alterações após a promulgação da Constituição Federal de 1988, pois seguindo uma tendência mundial, foi adotada em seu art. 225, § 3º, a tríplice penalização do poluidor do meio ambiente, possibilitando a responsabilização penal do ente coletivo. Como mencionado o desenvolvimento alcançado pela sociedade contemporânea tem ocasionado conseqüências calamitosas ao meio ambiente. Diante disso, restou imprescindível estabelecer mecanismos de responsabilização como meio de proteção e defesa do bem jurídico tutelado.

Palavras-chave: Responsabilidade Ambiental, Pessoa Jurídica, Direito Ambiental, Meio Ambiente, Constituição Federal de 1988.

1. INTRODUÇÃO
1.1 A Pessoa Jurídica: conceito e natureza Jurídica

Na concepção de Maria Helena Diniz pessoa jurídica é a ?unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações?. 

No mesmo diapasão, é o ensinamento de Silvio Rodrigues:
Pessoa jurídica, portanto, são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil. 

Para a Ataides Kist ?ser pessoa jurídica é ser capaz de direitos e deveres, separadamente. Isto é, distingue-se o seu patrimônio e o patrimônio dos que a compõem, ou dirigem?. 

Deste modo, oportuno é a definição de Rubens Requião citada por Juliano Junqueira de Faria:

A pessoa jurídica é o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Por tal razão, as pessoas jurídicas têm nome particular, como as pessoas físicas, domicílio e nacionalidade; podem estar em juízo, como autoras ou como rés, sem que isso se reflita na pessoa daqueles que a constituíram. Finalmente, têm vida autônoma, muitas vezes superior às das pessoas que as formaram; em alguns casos, a mudança de estado dessas pessoas não se reflete na estrutura das pessoas jurídicas, podendo, assim, variar as pessoas físicas que lhe deram origem, sem que esse fato incida no seu organismo.

Portanto, as pessoas jurídicas são entidades com personalidade jurídica própria, diversa dos seus componentes ou instituidores, e que atuam no mundo jurídico, sendo sujeitos de direitos e obrigações.

2.  Antecedentes Legislativos e Previsão Legal Atual

O tema da responsabilidade penal dos entes coletivos foi pouco discutido na doutrina brasileira sob a égide do Código Penal de 1940 até o advento da Constituição Federal de 1988, pois era unânime a convicção da impossibilidade jurídica de tal responsabilidade.

É que, seguindo uma tendência mundial a Constituição Federal de 1988 trouxe a responsabilidade penal da pessoa jurídica em duas ocasiões. A primeira foi ao tratar dos princípios gerais do sistema econômico (art. 173, § 5º) e a segunda, de forma mais explícita, refere-se aos crimes ambientais (art. 225, § 3º).
Assim, para alguns doutrinadores a disposição do art. 225, § 3º, aliada ao art. 173, § 5º, evidenciou a intenção do legislador de inserir constitucionalmente a responsabilização penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico, rompendo com a regra societas delinquere non potest que vigorava absoluta no Direito Penal Brasileiro.
 
Desta maneira explica de Maria da Gaia Alves Pereira:

A Constituição Federal de 1988, assim disciplinou a responsabilidade ? não só a civil e administrativa ? mas a penal, por danos causados ao meio ambiente, alcançando além das pessoas físicas, também as pessoas jurídicas.
Dessa forma, contrariando o princípio do direito romano-germânico societas delinquere non potest, segundo o qual a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de crime, consagrou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas […].

De igual modo, Paulo Affonso Leme Machado assevera:

A responsabilidade penal da pessoa jurídica é introduzida no Brasil pela Constituição Federal de 1988, que mostra mais um dos seus traços inovadores. Lançou-se, assim, o alicerce necessário para termos uma dupla responsabilidade no âmbito penal: a responsabilidade da pessoa física e a responsabilidade da pessoa jurídica.

Ainda no mesmo segmento moderno, visando superar o caráter meramente individual da responsabilidade penal, e cumprindo o determinado pelo art. 225, § 3º, da Constituição Federal, o legislador brasileiro erigiu a pessoa jurídica à condição de sujeito ativo da relação processual penal, dispondo no art. 3º, da Lei n.º 9.605/98:

Art. 3º ? As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Portanto, foi com a Lei 9.605/1998, que se empreendeu uma abordagem mais eficaz quanto à tutela penal do meio ambiente:

Com advento da Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a responsabilidade penal em nosso ordenamento jurídico penal ficou dividida em: a) responsabilidade penal da pessoa física; e b) responsabilidade penal da pessoa jurídica. Em relação à pessoa física não há qualquer dificuldade no que tange à aplicabilidade da pena. Em relação à pessoa jurídica, a responsabilidade penal passou a ser tema de muito conflito e divergência, não só no Brasil, mas também em outros países.

Assim, somente a partir da Lei 9.605/1998, que o legislador cumpriu o comando constitucional e responsabilizou penalmente a pessoa jurídica de maneira expressa, sem deixar dúvidas de sua vontade, agora assegurada pelo texto constitucional e pela norma legal:

Acompanhando tal tendência, na esteira da Magna Carta que deitou por terra o clássico axioma do societas delinquere non potest, rompendo com a secular tradição de nosso Direito Penal, edificado em torno da responsabilidade individual e do princípio da intranscendência, a Lei nº 9.605/98 vem para disciplinar a responsabilização penal da pessoa jurídica pelas atividades consideradas lesivas ao meio ambiente.

Todavia, apesar da disposição constitucional e infraconstitucional, a doutrina brasileira não é unânime em relação a essa responsabilidade, sendo duramente questionada pelos doutrinadores que não aceitam a imputação da responsabilidade penal da pessoa jurídica.
 
Corroborando, descreve Sérgio Salomão Shecaira:

A responsabilidade penal da pessoa jurídica continua sendo tema polêmico e candente em direito penal, particularmente na doutrina brasileira. O legislador constituinte reavivou a discussão do assunto ao editar os dispositivos acima citados. Não obstante existirem opiniões contrárias ? de juristas de nomeada -, a nosso juízo não há dúvida de que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
 
Portanto, ao invés de pacificar a discussão iniciada pelo constituinte a edição da Lei n.º 9.605/1998, tornou ainda mais acirrada a discussão em torno da responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois para muitos doutrinadores, muito embora de extrema importância pelo simples objeto jurídico que visa proteger, é considerada uma ?hedionda lei dos crimes ambientais? ou oriunda de um legislador ?pródigo? por se utilizar de conceitos amplos e indeterminados, eivados de impropriedades técnicas, lingüísticas e lógicas.
Felizmente, tal posicionamento não é majoritário e como ressalta Luís Paulo Sirvinskas ?a Lei Ambiental trouxe avanços e retrocessos. Não se trata de uma lei perfeita e acabada. Trata-se, sim, do primeiro passo para a consolidação da legislação ambiental em um futuro próximo?.

Neste norte, descreve Fernando A. N. Galvão da Rocha:

É inegável que a tendência atual do Direito mundial é no sentido de admitir a utilização do direito penal contra a pessoa jurídica nos crimes socialmente mais importantes, como no caso dos crimes cometidos contra o meio ambiente.
Além disso, como assevera Paulo Affonso Leme Machado ?conservar só a responsabilidade da pessoa física diante dos crimes ambientais é aceitar a imprestabilidade ou inutilidade do Direito Penal para colaborar na melhoria e recuperação do meio ambiente?.

Desta forma, não obstante alguns doutrinadores ainda não admitirem o reconhecimento da responsabilidade penal do ente coletivo, os legisladores constitucional e ordinário, ao consagrarem a responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais, quiseram punir com severidade, tanto a pessoa física como a jurídica, preocupando-se, sobretudo, com o direito de todas as gerações.
Portanto, interpretar os dispositivos de modo a não admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica significa desatender à finalidade protetiva da norma jurídico-constitucional e afrontar a política criminal que legitimamente se consagrou.

3. Posição Atual da Jurisprudência

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina não é indiferente a esta realidade, seguindo a polêmica levantada por toda a doutrina verifica-se posições contrárias e favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica, sendo que atualmente prevalece em todas as três Câmaras Criminais acórdãos reconhecendo a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Neste prisma, vem decidindo a Primeira Câmara Criminal:

RECURSO CRIMINAL ? CRIME AMBIENTAL ? REJEIÇÃO DA DENÚNCIA NA PARTE EM QUE FIGURAVA A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO PASSIVO DO DELITO PENAL – LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI N. 9.605/98) QUE ADMITE EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA – RECURSO PROVIDO.

A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu, expressamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e penalizar os chamados crimes de dano ao meio ambiente cometido por empresas.
Necessário atender ao rigorismo pretendido pela legislação em relação ao infrator que provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa física ou jurídica, resguardando, com isso, o direito constitucional que garante a qualidade de vida ambiental a todos.

4. CONCLUSÃO
Assim, conclui-se, portanto, mesmo que, ainda encontrando resistência na doutrina felizmente vem se firmando majoritariamente o posicionamento jurisprudencial que defende a possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica em decorrência do cometimento de crime ambiental.
Esta evolução legislativa trouxe à baila a edição de uma importante Lei que erigiu a pessoa jurídica à condição de sujeito ativo da relação processual penal, a chamada Lei dos Crimes Ambientais.
Assim, a referida lei consagrou, em cumprimento ao disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal de 1988, a responsabilidade penal da pessoa jurídica, apresentando-se como um grande avanço no Direito Brasileiro na luta contra a impunidade diante dos crimes ambientais praticados por entes coletivos.
Trata-se, assim, de uma evolução muito importante para legislação ambiental e tutela do meio ambiente, sobretudo para a sobrevivência das presentes e futuras gerações

4 ? BIBLIOGRAFIA

ALBERGARIA, Bruno. Direito ambiental e a responsabilidade civil das empresas. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
ALMEIDA, Rodrigo Goetten de. Direito Ambiental e os crimes cometidos pela pessoa jurídica. Revista Jurídica do Ministério Público. N.3, (maio/ago.2004). Florianópolis: PGJ: ACMP, 2003.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

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