Maristela Hertel[1]

 

Resumo: Recentemente o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução 1.957/2010, na qual apresenta os princípios éticos a serem respeitados na utilização das técnicas da Reprodução Assistida. Também a legislação nacional tem previsão legal sobre os efeitos da paternidade com o uso destas técnicas, e o presente artigo tem por objetivo a apresentação dos efeitos da reprodução assistida realizada após a morte, mais precisamente, a inseminação artificial homóloga.

Palavras-chave: paternidade, reprodução assistida, inseminação artificial homóloga.

 

 

No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 226 § 7º, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, garante que ?o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.?

Anos depois, em 1996, através da Lei 9.263, regulamentando o artigo constitucional, reconheceu esta garantia constitucional para todos os cidadãos, independentemente de formarem ou não um casal, uma família ou, simplesmente, uma só pessoa com intuito de constituir uma família monoparental[2] (artigo 226 § 4º, da Constituição Federal), definindo que planejamento familiar é o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

A partir de então, para o exercício do direito ao planejamento familiar, foram oferecidos vários métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção (artigo 9º), como, é o caso das esterilizações cirúrgicas de laqueadura e vasectomia, garantidos pelo Sistema Único de Saúde e Planos de Saúde,  observados alguns critérios especificados na própria lei.

De um lado há aqueles que buscam as técnicas de contracepção para limitação da prole e, de outro, os que se socorrem nos recursos tecnológicos de reprodução assistida para obter êxito na concepção de um filho, muitas vezes em busca da realização do sonho de ser pai e mãe.

No âmbito jurídico, destaca-se o seguinte enunciado:

Enunciado 104 CJF/STJ: ?No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento?.

Assim, ao direito cabe apresentar os requisitos e as formas de aceitação da aplicação das técnicas de reprodução assistida e regulamentar os seus efeitos, dentre os quais estão os da paternidade na Reprodução Assistida pos mortemque são o objeto do presente artigo, motivo pelo qual, importante destacar o seu conceito: ?A reprodução assistida, ou fecundação assistida, compreende duas técnicas: a inseminação artificial, isto é, a introdução de forma artificial dos espermatozóides no aparelho genital feminino, e a fecundação in vitro, ou seja, a extração do óvulo da mulher e sua fecundação externa. Estas técnicas têm por finalidade a procriação, e também o controle ou tratamento de doenças genéticas[3].?

A aplicação desta técnica tem levado à fortes discussões de ordem ética, religiosa, jurídica e social, o que levou à regulamentação destas técnicas.

Do ponto de vista jurídico, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.597, fez previsão acerca da paternidade presumida dos filhos nascidos da utilização das técnicas da reprodução assistida:

Artigo 1.597: Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

(…)

III ? havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV ? havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V ? havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

 

Com rápidas palavras, para identificação das expressões, temos que: homóloga é a inseminação promovida com o material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges; heteróloga é a fecundação realizada com material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando os não os gametas (sêmen ou óvulos) de um ou de outro cônjuge; e, por fim, embriões excedentários são aqueles resultantes da inseminação promovida in vitro, ainda não introduzidos no útero materno[4].

Então, buscou o legislador definir a presunção da paternidade nos casos de Reprodução Assistida (homóloga e heteróloga), destacando que no primeiro caso, admite-se, inclusive, a fecundação após o falecimento do marido, que será pai mesmo depois da sua morte.

Nesta matéria específica, a I Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, 2002, aprovou o seguinte enunciado:

ENUNCIADO 106/CJF-STJ ? Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, é obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após a morte.

 

Então, além da necessária autorização prévia e expressa do marido falecido, a mulher a ser fecundada deverá estar na condição de viúva para que possa gerar, artificialmente, um descendente do de cujus. Essa exigência (ainda que doutrinária), tem relação direta com o artigo 1.598, ou seja, a paternidade presumida do segundo marido será inexistente.

 

Com a natureza de norma ética, dirigida aos profissionais da área da saúde, em especial dos Médicos, em 06/01/2011, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução CFM 1.957/2010, em substituição à 1.358/1992, que busca harmonizar questões éticas no uso das técnicas de reprodução assistida, as quais têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias, o que não era possível pelos procedimentos tradicionais até pouco tempo, remetendo o anexo desta Resolução à Diversos princípios éticos a serem seguidos pelos profissionais.

 

Dentre os critérios fixados pelo CFM, no que se refere à reprodução assistida post mortem, estão:

 

2 – Do número total de embriões produzidos em laboratório, os excedentes, viáveis, serão criopreservados.

3 – No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

 

Observe-se que da mesma forma que definiu o enunciado do Conselho da Justiça Federal, o termo de ato consentido e, também, a manifestação expressa da vontade quanto ao destino dos embriões excedentários é critério definidor da possibilidade ou não da reprodução assistida após a morte do marido/companheiro, além dos casos de divórcio[5] ou de doenças graves.

 

Também, prevê o CFM que, na reprodução assistida post mortem: Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.

Assim, tanto do ponto de vista jurídico (paternidade presumida) quanto ético, a utilização do material genético após a morte, desde que as partes envolvidas tenham consentido expressamente e manifestado sua vontade, há previsão legal para o reconhecimento jurídico da paternidade de uma criança concebida e nascida após a morte do seu genitor.

 

Cabe ressaltar, no entanto, que são vários os efeitos da decisão de uma mulher em optar pela reprodução assistida após a morte do seu marido, uma vez que, a orfandade paterna é certa, antes mesmo da concepção da criança, eliminando a possibilidade de um convívio com o pai, o que, necessariamente, deve ser levado em consideração no momento da decisão, pois, inexoravelmente, o princípio constitucional do melhor interesse da criança deve ser considerado.

ANEXO ÚNICO DA RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10

NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS

TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

I – PRINCÍPIOS GERAIS

1 – As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas.

2 – As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.

3 – O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida.

4 – As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

5 – É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.

6 – O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões.

7 – Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária.

II – PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA

1 – Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente.

III – REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA

 

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:

1 – um diretor técnico responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.

2 – um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões.

3 – um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.

IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

1 – A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.

2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

4 – As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

5 – Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) venha a produzir mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.

6 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.

7 – Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas trabalham participar como doador nos programas de RA.

V – CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, óvulos e embriões.

2 – Do número total de embriões produzidos em laboratório, os excedentes, viáveis, serão criopreservados.

3 – No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VI – DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE EMBRIÕES

 

As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica

1 – Toda intervenção sobre embriões “in vitro”, com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que não a de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

2 – Toda intervenção com fins terapêuticos sobre embriões “in vitro” não terá outra finalidade que não a de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

3 – O tempo máximo de desenvolvimento de embriões “in vitro” será de 14 dias.

VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

 

As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética.

1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

VIII ? REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM

 

Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.



[1] Maristela Hertel. Advogada e Sócia Fundadora da Piazera, Hertel, Manske&Pacher Advogados Associados. Mestre em Ciências Jurídicas pela Univalli. Professora nos Cursos de Direito e de Ciências Contábeis do Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj.

[2]Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art.226 § 4º da Constituição Federal)

[3].In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-01-31].
Disponível na www: .Desde que em 1978 (altura em que o obstetra Patrick Steptoc e o biólogo Robert Edwards trouxeram ao mundo Louise Brown, o primeiro bebé-proveta) foi noticiado o primeiro caso de fecundação in vitro, mais de 40 000 bebés nasceram, em todo o mundo, de casais estéreis. Ao mesmo tempo, as técnicas de reprodução assistida experimentaram um forte incremento na maioria dos países desenvolvidos.

 

[4] RODRIGUES, Silvio, Direito Civil. Direito de Família. São Paulo: Saraiva. 28 ed. 2004., p.314.

[5]ENUNCIADO 107 ? Finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.

 

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