Quando uma pessoa doa bens ou vantagens para o patrimônio de outra, pode-se estabelecer, através da inserção da cláusula de reversão (também chamada de cláusula de retorno) que, se o donatário (quem recebeu a doação) falecer antes do doador, o bem doado volta ao patrimônio do doador. Assim dispõe o artigo 547 do Código Civil: “O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.”.

E é sobre este instituto da reversão, com foco aos bens imóveis, que abordarei o presente artigo.

Em termos técnicos, a cláusula de reversão é um negócio bilateral (em que ambas as partes devem concordar), sob condição resolutiva a um evento futuro e incerto (trazer o bem ao domínio do doador caso sobreviva ao donatário), e, que apenas pode ser estipulada em favor do doador, nunca em benefício de outra pessoa.

Conforme nos ensina o professor Gonçalves (2010, p.108): “Revela-se o propósito inequívoco do doador em beneficiar o donatário e não herdeiros deste, sendo, por tanto em intuitu personae.”

Em ocorrendo a condição, o doador há de se contentar com o bem no estado em que ele se encontra (podendo ser diferente da de quando doou), sem exigir dos herdeiros do donatário eventual prejuízo, depreciação, desvalorização, etc. Da mesma forma, o doador também não pode exigir eventuais frutos (por ex: alugueis), pois os frutos representam uma consequência ao direito outorgado a quem recebeu o imóvel.

O donatário, mesmo que proprietário de imóvel submetido a uma condição resolutiva, tem o direito à alienação deste bem (a não ser que também seja instituída cláusula de inalienabilidade do bem, pois esta não pode ser presumida, tem que ser expressa).

Ao adquirir um imóvel, deve-se ter o cuidado em analisar a documentação. Nos casos de conter a cláusula de reversão, verificar se doador e donatário ainda estão vivos e se esta vontade permanece, e, em não sendo mais este desejo, solicitar que eles revoguem a cláusula então instituída (condição resolutiva a que esta sujeito o bem), dando segurança a este terceiro adquirente, pois o cancelamento da cláusula de reversão pode ser feito a qualquer momento, inclusive se o imóvel já tiver sido transferido à terceiro(s).

Isto porque, por se tratar de propriedade resolúvel (condição resolutiva), aplica-se o artigo 1.359 do Código Civil:

Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.

Ou seja, conforme disposição legal, pode o doador, reivindicar o imóvel de terceiros. Assim, é aconselhável (trata-se de mera precaução, e não requisito essencial) que ao transferir um imóvel que contenha esta condição, faça constar a sua existência, noticiando-a ao adquirente, no seu título aquisitivo (ainda que esta informação conste na matrícula imobiliária).

Para que a cláusula de reversão tenha validade perante terceiros, é necessário que esteja averbada junto a matrícula do imóvel, sendo este o documento em que eventuais terceiros adquirentes poderão verificar a existência ou não da condição.

E se o donatário for pessoa jurídica?

Neste caso há posicionamentos contrários quanto a possibilidade, visto que a pessoa jurídica não falece (interpretação literal do texto da lei), ela se extingui. Para os que entendem possível, em sendo instituída a reversão à doação, a morte do donatário (condição resolutiva) é entendida como sendo a extinção da pessoa jurídica.
Já no caso de comoriência, que é a presunção de morte simultânea do doador e donatário, a cláusula de reversão não produzirá efeitos, sendo o bem transferido aos sucessores do donatário.

Há vezes em que se recomenda a instituição da cláusula de reversão em conjunto com a da incomunicabilidade, para ter eficácia plena e evitar debates. Pois, por exemplo: donatário solteiro, que posteriormente celebra casamento pelo regime da comunhão universal de bens, e, vindo a falecer antes do doador, se questiona se a cláusula resolutiva atingiria apenas o imóvel todo ou apenas a metade, visto que a outra metade é da viúva. Enfim, a incomunicabilidade é importante, pois, conforme o oficial do 7º Registro de imóveis da Comarca de São Paulo/SP, Fioranelli (2009, p.41):, “ (…) toda alteração no estado civil do titular do direito, no caso o donatário, implicará, automaticamente, reflexos de toda a ordem acerca de seu exercício, gerando graves consequências à pretensão do doador.”.

Também há de se destacar que, por ser uma vontade das partes, ao instituir a cláusula de reversão, é possível estipulá-la por tempo certo, ou seja, determinar prazo de validade para referida cláusula.

Este instituto é comumente utilizado nos planejamentos sucessórios, e, para retorno ao patrimônio do doador, via de regra, averba-se o óbito do donatário na matrícula do imóvel e apresenta-se ao registro de imóveis um requerimento, solicitando a reversão da doação, anexando documentos comprobatórios. Isto porque, não se trata de um negócio novo, e sim, da restauração da situação original, mediante a averbação do óbito do donatário, sem incidência de imposto.

Enfim, muitas vezes discreta, a cláusula de reversão pode fazer negócios virar dor de cabeça no futuro, devendo ser observada, e, em especial, com cautela por propensos terceiros adquirentes do bem, visto que seus efeitos (cláusula resolutiva) podem ameaçar um patrimônio.

REFERÊNCIA

BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 31 jan. 2020.

FIORANELLI, Ademar. Das Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade; coordenação Sergio Jacomino. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Parte Especial Contratos. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2010, 6v.

        

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