Juliana H. Luchtenberg[1]

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo traz o tema acerca da responsabilidade do endossante dos títulos de crédito, uma vez que o Código Civil na sua atual redação estabelece que o endossante não responde pelo cumprimento da obrigação constante no título, salvo disposição em contrário. Nas leis especiais de alguns títulos de crédito, como o cheque por exemplo, esta não é a regra encontrada. Com o Projeto de Lei do Senado nº 166/06, a pretensão é alterar a disposição do art. 914 do Código Civil para unificar a regra lhe imputando a obrigação de cumprir a prestação.

2. DO ENDOSSO

 

Uma das garantias pessoais existente no nosso ordenamento jurídico é o endosso, que é utilizado para a transferência do título de crédito à outrem, amparado no Código Civil pelos artigos 910 à 920.

Destaca-se, inicialmente, a dicção de Silvio de Salvo Venosa[2]: ?o endosso é o modo peculiar de transferência cambiária. É um dos modos de circulação, pois esta também pode ocorrer por simples tradição do título.?

Acerca disso, é importante ressaltar a determinação contida no art. 893 do Código Civil que: ?a transferência do título de crédito implica a de todos os direitos que lhe são inerentes?.

No entanto, para a perfectibilização da transferência do título e de todos os direitos nele contidos, não basta somente o endosso, é necessário também a tradição desse ?ou entrega do título ao endossatário?[3], nos termos do artigo 910, § 2º do Código Civil[4].

A forma para se realizar o endosso, é através de assinatura do endossante no verso ou anverso do título, conforme previsto no art. 910 do Código Civil:

Art. 910. O endosso deve ser lançado pelo endossante no verso ou anverso do próprio título.

§1º Pode o endossante designar o endossatário, e para validade do endosso, dado no verso do título, é suficiente a simples assinatura do endossante.

            Em continuação aos ditames do Código Civil, Maria Helena Diniz, complementa a determinação do art. 911 do Código Civil, acerca da legitimidade do portador do título, da seguinte forma:

Legitimidade da posse do portador do título à ordem como série irregular e ininterrupta de endossos ?em preto?, ainda que o último seja ?em branco?, sem designação do favorecido (CC, art. 911), ou melhor, mesmo que haja outorga de mandato ao endossatário para que preencha como lhe aprazar (blanc seing) ou mantenha o título como o receber, ficando o endossador como um garante da aceitação e do pagamento do título.

            Ainda, no que tange a possibilidade ou não de se instituir uma condição ao endossante, ensina Silvio de Salvo Venosa[5] que:

O endosso não admite condição. Deve ser puro e simples, não se admitindo, da mesma forma, endosso parcial. Nesse sentido se coloca expressamente o art. 912 do atual Código, ao considerar não escrita qualquer condição aposta no endosso e dando como nulo o endosso parcial. O possuidor de um título endossado em branco é considerado seu legítimo portador, salvo prova em contrário.

            Desta forma, verifica-se que o endosso não admite qualquer espécie de condição, devendo ser puro e simples. Além disso, o art. 910, parágrafo único, do Código Civil, não permite o endosso parcial, sob pena de nulidade do endosso realizado.

            Neste sentido, também há previsão expressa no art. 15 do Decreto nº 57.595/66[6] (Lei Uniforme Relativa aos Cheques) e no art. 12 do Decreto nº 57.663/66[7] (Lei Uniforme Relativa às Letras de Câmbio e Notas Promissórias).

2.1. DA RESPONSABILIDADE DO ENDOSSANTE

            Acerca da responsabilidade do endossante, ao assinar o título de crédito para transferência, segundo o entendimento de Silvio de Salvo Venosa[8], o art. 914 do atual Código Civil[9], alterou o sentido da regra prevista no art. 15 do Decreto nº 57.663/66[10] (Lei Uniforme Relativa às Letras de Câmbio e Notas Promissórias), destacando que: ?deste modo, na regra geral do vigente Código Civil, desprezando norma da Lei Uniforme, o endossante não mais se responsabiliza pelo título, salvo menção expressa.?

            Já Maria Helena Diniz[11], ressalta que não há responsabilidade do endossante, ao mencionar que:

Irresponsabilidade do endossante pelo cumprimento da prestação constante do título, exceto se houver cláusula expressa em contrário, constante do endosso (CC, art. 914). Em regra, há desvinculação automática do endossante ao pagamento.

No entanto, em 25/05/2006, o Senador João Alberto de Souza propôs no Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2006, alteração ao caput do art. 914 do Código Civil, para impor obrigação ao endossante pelo cumprimento da prestação constante do título por ele endossado.

            Após os trâmites legais, o referido PLS nº 166/06 foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, cujo parecer colaciona-se abaixo:

I- RELATÓRIO

 

O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2006, de autoria do Senador JOÃO ALBERTO SOUZA, é estruturado em dois artigos. O art. 1o modifica o art. 914 do Código Civil para estabelecer que o endossante, salvo cláusula expressa em contrário, responde pelo cumprimento da prestação constante do título. O § 1º do art. 914 passa a prever que o endossante é devedor solidário, exceto se houver a ressalva prevista no caput.

O art. 2o consiste na cláusula de vigência da lei que se originar do projeto, que entrará em vigor na data da sua publicação.

O autor, ao justificar a proposição, argumenta que:

Em uma economia globalizada, onde é necessária a uniformidade quanto às leis que regem o comércio mundial, é de realçar o atraso de um dispositivo legal que prevê regra antagônica à maior parte da legislação que regula a responsabilidade do endossante.

A matéria foi distribuída a esta Comissão para decisão terminativa.

No prazo regimental, não foram apresentadas emendas.

II- ANÁLISE

 

O projeto cuida de matéria inserida na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal. Cabe ao Congresso Nacional dispor sobre a matéria, e é legítima a iniciativa parlamentar, nos termos do art. 61 da Lei Maior. Tampouco há norma constitucional que, no aspecto material, esteja em conflito com o teor da proposição em exame. Assim, não se vislumbra óbice algum quanto à constitucionalidade da medida. Também não se verifica vício de injuridicidade.

Quanto à regimentalidade, cabe destacar que seu trâmite observou o disposto no art. 101, II, d, do Regimento Interno desta Casa, de acordo com o qual compete a esta Comissão opinar sobre assuntos atinentes a direito comercial.

Acerca da técnica legislativa, o projeto observa as regras previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, com as alterações promovidas pela Lei Complementar nº 107, de 26 de abril de 2001. Não há inclusão de matéria diversa ao tema tratado na proposição e a sua redação, a nosso ver, apresenta-se adequada.

No mérito, somos favoráveis à aprovação do projeto.

O art. 914 do Código Civil, na sua redação atual, dispõe que o endossante não responde pelo cumprimento da prestação constante do título, constituindo o endosso uma simples transferência de valor. Entretanto, um princípio do direito comercial é que o endossante fique desobrigado ou liberado somente após o pagamento final da obrigação.

No caso da letra de câmbio e da nota promissória, o endossante, salvo cláusula em contrário, é garantidor tanto da aceitação quanto do pagamento da letra, conforme art. 15 da Convenção para Adoção de Lei Uniforme Sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966. De acordo com o art. 47 da Convenção, os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.

No caso do cheque, o art. 21 da Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985, dispõe que o endossante garante o pagamento do cheque, salvo estipulação em contrário. No caso da duplicata, o art. 18, § 2°, da Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968, estabelece que os coobrigados da duplicata respondem solidariamente pela aceitação e pelo pagamento.

Assim, o projeto de lei adequadamente prevê que o endossante, salvo cláusula em contrário, é solidariamente responsável pelo pagamento do título.

III- VOTO

 

Diante do exposto, manifestamo-nos pela constitucionalidade, juridicidade e, no mérito, pela aprovação do Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2006.

Sala da Comissão, 4 de agosto de 2010.

Senador DEMÓSTENES TORRES, Presidente

Senador MARCO MACIEL, Relator

 

            Conforme consta na análise do Projeto acima, somente o disposto no Código Civil desobriga o endossante do cumprimento da obrigação, salvo disposição em contrário. Nas demais leis especiais que disciplinam os títulos de créditos, todas estabelecem a obrigação solidária entre os coobrigados.

            Assim, pretende o Senado a alteração do caput do artigo 914 do Código Civil para estabelecer-se a responsabilidade solidária do endossante pelo pagamento do título, salvo cláusula em contrário.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Atualmente, o artigo 914 do Código Civil estabelece que o endossante do título somente será responsabilizado ao cumprimento da obrigação, se houver cláusula determinando tal imputação no título.

            Com o Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2006, já aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, pretende a alteração do caput  do artigo 914 do Código Civil para obrigar o endossante ao pagamento da pretensão assumida, salvo disposição em contrário.

            Tal Projeto seguiu para o Congresso Nacional para dispor sobre a matéria, o qual é legítimo para dispor sobre a matéria.

           

 

4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. p. 459.

VENOSA. Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. p. 461.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 825.

Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2006 do Senador João Alberto de Souza 


[1] Advogada inscrita na OAB/SC sob nº 31.124; Advogada do escritório de Advocacia Piazera, Hertel, Manske & Pacher Advogados Associados. Formada no Centro Universitário de Jaraguá do Sul ? Unerj.

 

 

[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. p. 459.

[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 824.

[4] Art. 910, §2º, do Código Civil: A transferência por endosso completa-se com a tradição do título.

[5] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. p. 460.

[6] Decreto nº 57.595/66. Art. 15. O endosso deve ser puro e simples. Considera-se como não escrita qualquer condição a que ele esteja subordinado. É nulo o endosso parcial. É nulo igualmente o endosso feito pelo sacado. O endosso ao portador vale como endosso em branco. O endosso ao sacado só vale como quitação, salvo no caso de o sacado ter vários estabelecimentos e de o endosso ser feito em benefício de um estabelecimento diferente daquele sobre o qual o cheque foi sacado.

[7] Decreto nº 57.663/66. Art. 12. O endosso deve ser puro e simples. Qualquer condição a que ele seja subordinado considera-se como não escrita. O endosso parcial é nulo. O endosso ao portador vale como endosso em branco.

[8] VENOSA. Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. p. 461.

[9] Código Civil. Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título.

§ 1º. Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário.

§ 2º. Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados anteriores.

[10] Decreto nº 57.663/66. Art. 15. O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra. O endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a quem a letra for posteriormente endossada.

[11] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 825.

CategoryArtigos
        

© 2020 por Puxavante

PHMP Advogados OAB/SC 1.029

logo-footer

47 3084 4100

Rua Olívio Domingos Brugnago, 125

Vila Nova - CEP 89.259-260 - Jaraguá do Sul - SC

Termos de uso Politicas de Privacidade